Quando Rui Vitória surpreendeu o Sporting logo na primeira visita
Já passaram dez anos e seis meses desde a primeira vez que Rui Vitória enfrentou o Sporting como treinador principal, então para a Taça da Liga. Vai reencontrar amanhã (às 20.30) o mesmo adversário, mas num contexto bem diferente, no qual está em jogo a presença na próxima edição da Champions.
Em 2007, Rui Vitória orientava o Fátima, em ano de estreia na II Liga, e deslocou-se a Lisboa - ao Restelo porque o relvado de Alvalade estava em más condições - para enfrentar um dos grandes do futebol português para a Taça da Liga. E para estreia não podia ter sido melhor, pois venceu por 2-1, um adversário treinado por Paulo Bento e que tinha Liedson, João Moutinho, Izmailov, Miguel Veloso e companhia.
Duarte Machado era o defesa-direito nessa jornada épica para o Fátima e recorda que o registo do agora treinador do Benfica não mudou tendo em conta o adversário. "Nós não tínhamos uma grande dimensão, estávamos bem no campeonato, e ele disse-nos apenas para desfrutarmos do jogo", adiantou, lembrando que uma das bancadas do Restelo estava repleta de adeptos do Fátima e que isso foi aproveitado pelo técnico: "Ele conseguiu ir buscar essas emoções para nos transmitir antes do jogo."
Filipe Falardo, médio que marcou o golo do triunfo frente aos leões, recorda que "não foi preciso grande motivação para o jogo, que já é intrínseca quando se defronta um grande" e lembra-se de que o trabalho de Rui Vitória incidiu "na vertente tática, na forma de defender e de como devíamos contra-atacar". Falardo acabou por entrar em campo aos 64 minutos... "Pediu-me para aguentar mais a bola a meio-campo, porque estávamos a ser sufocados, mas acho que nunca imaginou que fosse eu a marcar, talvez tivesse mais fé no Saleiro que entrou depois", adianta o antigo médio que no final da partida recebeu os parabéns do treinador.
Naquela altura, Rui Vitória "estava numa fase de transição" profissional, lembra Duarte Machado. "Ainda era professor", em Alverca, e à tarde partilhava a carrinha do clube com o adjunto de sempre, Arnaldo Teixeira, e mais sete jogadores. Faziam todos os dias 200 quilómetros entre Lisboa e Fátima. "Naquelas viagens foram criados laços importantes entre nós porque se falava de tudo, não só de futebol", revela Filipe Falardo, acrescentando Duarte Machado que algumas conversas tinham por base "a experiência de vida" do técnico: "Como sabem, ele perdeu os pais cedo e partilhava connosco um pouco daquilo que tinha sido a sua luta, depois de ter perdido o carinho e amor de pais."
Um homem coerente
Os dois ex-jogadores do Fátima estão convencidos de que, passados mais de dez anos, Rui Vitória "não mudou" em relação à sua forma de ser e de lidar com os jogadores. Nesse sentido há uma palavra que ambos sublinham como a que caracteriza mais a personalidade do treinador do Benfica: "Coerência."
"É uma pessoa que se dá ao respeito para ser respeitado, dando responsabilidade máxima a quem com ele trabalha. Tratava toda a gente da mesma forma e sempre com o mesmo discurso e coerência", sublinha Duarte Machado. As palavras de Filipe Falardo não fogem a este perfil: "É tal e qual o que mostra hoje como treinador do Benfica. É uma pessoa direta, que diz o que tem para dizer, bastante calmo e muito acessível na relação com as pessoas. Com ele não são criadas barreiras."
É mesmo a vertente humana que distingue Rui Vitória. "Tem um grande positivismo em relação à vida e isso faz que seja um excelente condutor de homens e de grupos. O discurso não muda consoante as circunstâncias, com ele não há excessos", refere Duarte Machado, cuja ideia é partilhada por Filipe Falardo, lembrando que "num grupo de 20 homens seria normal que quem não jogasse estivesse descontente, mas com ele isso não acontece, precisamente por causa da sua coerência". Ainda assim, frisa que Rui Vitória não justificava aos jogadores porque saíam do onze. "Simplesmente, percebíamos durante a semana de trabalho por que saíamos."
Apesar de, na altura, Rui Vitória estar no início, Filipe Falardo já antevia que pudesse chegar onde chegou como treinador. "Falámos algumas vezes entre nós e achávamos que tinha a capacidade, faltava-lhe apenas ter as oportunidades. Acabou por dar os passos certos para chegar ao Benfica com bagagem e competência para lidar com a exigência de um grande clube", disse Duarte Machado, ao qual Falardo acrescenta mais um dado que considera importante: "Tinha uma forma diferente de lidar com os jogadores, o que só o podia conduzir ao sucesso... não é qualquer pessoa que nos dois primeiros anos é campeã no Benfica."