"Não fiz nada sozinho. Tive sempre ao meu lado grandes profissionais, que com muita abnegação e sportinguismo me acompanharam na descoberta de talentos.” Assim era Aurélio Pereira, um homem sábio suficiente para fazer da humildade um legado. Nunca reteve para si o mérito de descobrir talentos como Cristiano Ronaldo, Paulo Futre, Ricardo Quaresma, Luís Figo, Nani, Simão Sabrosa, Rui Patrício, João Moutinho, entre outros. Muitos jogadores que acolheu no Sporting, entre 1986 e 2019, viam nele uma figura paternal, por isso tratavam-no por “Senhor Aurélio”. Morreu aos 77 anos e deixou o Sporting e o futebol português de luto. “Aurélio Pereira é o grande responsável pela carreira de várias das figuras do futebol nacional nos últimos 40 anos”, destacou o clube leonino, que serviu durante 45 anos. Primeiro como jogador, depois treinador, olheiro (observador) e chefe dos observadores até se tornar diretor da formação do Sporting, uma das mais cobiçadas a nível mundial muito por seu mérito.Nasceu a 1 de outubro de 1947 com uma missão: formar homens que se tornariam jogadores de futebol. “Mais do que a minha obrigação, é obrigação do Sporting ser a principal fábrica de talentos em Portugal, temos Portugal no nome portanto tudo o que engrandece o desporto do País tem de partir de nós.” É uma das suas frases que vai perdurar no tempo. Assim como aquela em que disse que o “grande problema do futebol de formação são os pais”, porque querem ser treinadores e árbitros dos filhos.Foi um formador por excelência e destacou-se por “descobrir” um dos melhores jogadores de sempre. Mas nunca assumiu ter descoberto Cristiano Ronaldo. Dizia que apenas lhe abriu as portas de Alvalade e que o segredo foi a mãe, Dolores. Mas CR7 não o esquece. “Nunca deixarei de estar grato por tudo o que fez por mim e por tantos outros jogadores. Até sempre, Senhor Aurélio, obrigado por tudo. Descanse em paz” escreveu nas redes sociais o capitão da seleção, um dos 62 internacionais por Portugal que ajudou a formar.. Orgulhava-se em especial dos seus “Aurélios”, como apelidou os 10 campeões do Euro2016 entre os 23 eleitos de Fernando Santos que levantaram o troféu. Um deles, Ricardo Quaresma, também fez questão de se despediu: “Sem o Aurélio Pereira nada tinha acontecido.”. Paulo Futre atribuiu-lhe o troféu “olho de ouro”A primeira grande descoberta foi Paulo Futre. “Tenho o enorme privilégio de ser o primeiro grande craque que ele descobriu e que teve êxito internacional. Se não fosse ele, era hoje bate-chapas no Montijo. Não havia ninguém que visse o talento tão rápido”, contou o antigo jogador num livro de memórias de Aurélio Pereira - “Ver para Crer” - escrito em coautoria com Rui Miguel Tovar. Descoberto quando tinha apenas nove anos numa equipa do Montijo, Futre tornou-se um dos melhores jogadores portugueses de sempre. Antes dos jogos, chegou a dormir no sofá de casa de Aurélio Pereira, que lhe dava “30 escudos” para o lanche. “Há o Bola de Ouro, o Bota de Ouro, mas falta o Olho de Ouro. Se tivesse nascido na Catalunha tinha várias estátuas”, atirou o inconfundível Paulo Futre sobre o “Senhor Formação”.A sua sabedoria intimidava quem trabalhava no futebol de formação e impunha respeito a colegas e adversários, como destacaram Benfica e FC Porto. Um homem bom, sábio e de consensos, segundo José Mourinho: “Falar do Aurélio é muito fácil, no futebol é tão difícil haver unanimidade, mas ele tem. Uma lenda do futebol português, que lhe deve tanto e muitas estrelas.” Agraciado com dois Prémios Stromp e um Leão de Ouro, em 2012, o clube atribui o seu nome ao estádio da Academia Cristiano Ronaldo. Recebeu, em 2017, a Medalha de Mérito Desportivo da Cidade de Lisboa e, em 2018, a UEFA distinguiu-o com a Ordem de Mérito, “um prémio pelo seu inigualável contributo para o desenvolvimento do futebol português e europeu”.Foi também um dos pais da Academia, que hoje se chama Cristiano Ronaldo. “Antes da Academia ser o que é hoje, ele já tinha uma estrutura montada e uma grande equipa espalhada por este país, que descobria jogadores em todos os cantos. Por isso, o nome dele ficará para sempre ligado à formação do Sporting. Além disso, é bom recordar que foi ele e a sua equipa quem descobriu o Cristiano Ronaldo”, lembrou Felipe Soares Franco, ex-presidente do Sporting, destacando o excelente sentido de humor e a ótima convivência do “Senhor Aurélio”.. Terça-feira foi um dia de luto para o Sporting. Além da morte do “Senhor Formação”, o clube despediu-se ainda de Pedro Batalha Ribeiro, que foi diretor geral e de Projetos Imobiliários do Sporting, entre 1999 e 2009”, nas direções de José Roquette, Dias da Cunha e Filipe Soares Franco. isaura.almeida@dn.pt