Artur Jorge, o jogador e treinador com alma de poeta que levou o FC Porto à glória
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Artur Jorge, o jogador e treinador com alma de poeta que levou o FC Porto à glória

O futebol português ficou órfão de uma das suas figuras icónicas, símbolo do jogador-estudante da Académica, goleador no Benfica e treinador de elite de dragão ao peito. “Rei Artur”, como ficou conhecido, era um homem das artes, que escreveu um livro de poesia.
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Artur Jorge fica para sempre ligado à primeira grande conquista internacional do FC Porto, quando em 1987 se tornou o primeiro treinador português a conquistar a Taça dos Campeões Europeus (atual Liga dos Campeões) na épica final de Viena, em que os dragões vencerem o Bayern Munique, por 2-1.

Com a sua morte, aos 78 anos, vítima de doença, desaparece um dos nomes mais importantes do futebol português, que vai muito além do treinador de excelência, pois foi ainda um futebolista de eleição, o primeiro presidente do Sindicato dos Jogadores e alguém com uma cultura acima da média para os padrões desportivos da sua época. Afinal, licenciou-se em Filologia Germânica em Coimbra, onde se tornou num dos símbolos do conceito jogador-estudante que celebrizou a Académica.

Artur Jorge Braga Melo Teixeira nasceu a 13 de fevereiro de 1946 no Porto, cidade onde começou a dar os primeiros passos no futebol, no Clube Académico do Porto, no qual com apenas 16 anos foi vogal da direção, nuns órgãos sociais onde José Maria Pedroto era presidente do Conselho Fiscal. O famoso Zé do Boné acabou por se tornar no seu mentor, afinal levou-o para os juvenis do FC Porto, que serviram de rampa de lançamento para uma grande carreira de futebolista, pois, com a chegada do brasileiro Otto Glória às Antas para treinar a equipa principal, Artur Jorge começou a ser aposta nos torneios de verão de 1964, com apenas 18 anos.

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Ao lado do mentor José Maria Pedroto, de quem foi adjunto no Vitória de Guimarães
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Ao lado do mentor José Maria Pedroto, de quem foi adjunto no Vitória de Guimarães

Estudos, futebol e regime

Foi esse interesse pelo saber que o levou em 1965 a mudar-se para Coimbra, onde pôde conciliar a carreira de futebolista com o curso superior de Filologia Germânica. Na Académica foi treinado por Mário Wilson e depressa se destacou, tendo em 1966/67 estado perto da glória, quando a Briosa ficou em segundo lugar a três pontos do campeão Benfica, num campeonato em que foi o segundo melhor marcador com 25 golos, atrás de Eusébio (31).

No final dessa época, foi convidado a ir para o Sporting, mas o curso superior mereceu a prioridade e ainda faltava um ano para terminá-lo. Na temporada seguinte continuou, por isso, na Académica, pela qual marcou por 28 vezes, mas voltou a não chegar para ser coroado rei dos goleadores porque o Pantera Negra chegou aos 42.

Em junho de 1969, quando se preparava para disputar a segunda final da Taça de Portugal pela Académica, Artur Jorge não foi dispensado do serviço militar que cumpria em Mafra por ser considerado um dos cabecilhas da revolta estudantil que decorria na altura em Coimbra. Aliás, o avançado pertencia na altura à república Ninho dos Matulões, muito ligada aos ideais antirregime.

O Jamor então foi palco de protestos com milhares de cartazes nas bancadas, onde vários elementos da PIDE estavam infiltrados, num clima de tensão que levou Marcello Caetano, o presidente do Conselho, a não marcar presença e a RTP a ser impedida de transmitir a final pela primeira vez. No final, o Benfica venceu por 2-1, mas estudantes e benfiquistas trocaram de camisolas e juntaram-se numa celebração contra o regime, com a taça a passar de mão em mão em pleno relvado.

Benfica, Sindicato e cirurgias

Artur Jorge perdeu a oportunidade de se despedir da Académica naquela final da Taça de Portugal. Com o curso terminado aos 24 anos, seguiu-se a mudança para Lisboa para representar o Benfica, onde se juntou a estrelas como Eusébio, Mário Coluna, António Simões, José Torres e José Augusto e a outros jovens promissores como Humberto Coelho, Vítor Martins, Nené e o amigo Toni, com quem tinha partilhado a vida estudantil e futebolística em Coimbra.

Contudo, uma lesão tirou-lhe a possibilidade de jogar durante quatro meses dessa época, acabando por isso por marcar apenas dois golos em seis jogos oficiais. Ainda assim, já mostrava que talento não lhe faltava. Por essa altura, o avançado já estudava à noite, sendo que tinha em casa explicadores pagos pela direção do FC Porto, pois desde bem cedo o jovem Artur deixou bem claro que o seu grande desejo era licenciar-se.

Foi avançado do Benfica durante seis épocas na década de 1970, durante as quais marcou 104 golos em 131 jogos oficiais. ARQUIVO GLOBAL IMAGENS

Poesia, FC Porto e glória

Após pendurar as chuteiras, o objetivo foi ficar ligado ao futebol. Por essa razão, inscreveu-se num curso de futebol na Universidade de Leipzig, na antiga República Democrática Alemã (RDA), que viria a concluir com nota máxima. 

O passo seguinte foi tornar-se treinador. Primeiro como adjunto de Mário Wilson na seleção nacional, depois na sombra de Pedroto no V. Guimarães, até que em 1981/82 iniciou uma carreira a solo no Belenenses, mas acabou por ser despedido, precisamente na época em que os azuis do Restelo desceram pela primeira vez à II Divisão. Por essa altura já estava no Portimonense, onde concluiu duas épocas, em sexto e nono lugares.

Enquanto esteve no Algarve, Artur Jorge revelou outra faceta da sua vida ao editar o seu livro de poemas com o título Vértice da Água. Era a face mais visível de outro dos seus talentos, a poesia. Gosto que partilhava com a pintura e a música clássica.

Em 1984, o FC Porto procurava treinador para render o icónico José Maria Pedroto, que estava gravemente doente. E foi ele que convenceu o presidente Pinto da Costa a contratar o jovem Artur Jorge. Tinha apenas 38 anos e o convite foi surpreendente, mas acabou por seguir com sucesso os ensinamentos do mestre, que o conduziram aos títulos. Bicampeão nacional em 1984/85 e 1985/86, Artur Jorge levou os dragões à glória europeia a 27 de maio de 1987, em Viena, com a conquista da Taça dos Campeões Europeus. A glória viria a fazer com que passasse a ser conhecido como “Rei Artur”, que foi então à conquista de Paris, no projeto milionário do Matra Racing. 

Foram seis épocas de grande brilhantismo na Luz, onde se celebrizou por ter inventado o denominado “pontapé de moinho”, que lhe valeu golos inesquecíveis. Ao mesmo tempo que brilhava nos relvados, Artur Jorge assumiu a sua faceta de homem de esquerda e, a 23 de fevereiro de 1972, tornou-se um dos fundadores do Sindicato dos Jogadores, do qual se tornou primeiro presidente e sócio número um. Isto, mais de dois anos antes da Revolução do 25 de Abril.

De águia ao peito, Artur Jorge sagrou-se campeão nacional por quatro vezes - uma delas sem derrotas (1972/73) -, venceu duas Taças de Portugal e foi em duas ocasiões o melhor marcador do campeonato com 23 golos (1970/71) e 27 (1971/72). Só que as duas últimas temporadas na Luz foram um suplício por causa das lesões, pois teve de ser submetido a cinco operações a um joelho, que lhe permitiram fazer apenas nove jogos (cinco golos). No verão de 1975 foi dispensado pela direção encarnada, rumando ao Belenenses, onde em 1979, após partir a perna num treino no Jamor, terminaria uma carreira durante a qual contabilizou 16 jogos e um golo pela seleção nacional.

As coisas não correram bem em França e em 1988 voltou ao FC Porto para fazer uma limpeza de balneário, numa equipa de campeões em fim de ciclo. Nas Antas reencontrou-se com o sucesso, com a conquista de mais um título nacional, embora a época 1990/91 possa ter sido prejudicada pelo facto de ter acumulado o cargo de treinador dos dragões com o de selecionador nacional, acabando por falhar o acesso à fase final do Euro 1992.

De França surgiu depois o desafio de fazer do Paris Saint-Germain uma equipa de nível europeu. Artur Jorge regressou à Cidade Luz, mas o melhor que conseguiu foi o título de campeão francês em 1993/94 e levar a equipa às meias-finais da Taça UEFA e da Taça das Taças.

A celebrar a vitória na final da Taça dos Campeões Europeus, no Estádio do Prater, em Viena. ARQUIVO GLOBAL IMAGENS

Após três épocas em Paris, o regresso a Portugal foi o passo seguinte. Em 1994, o amigo Toni tinha acabado de ser campeão nacional no Benfica, mas o presidente Manuel Damásio decidiu ir buscar Artur Jorge, convidando o técnico campeão para adjunto, o que, obviamente, não aceitou, afetando a grande amizade que unia os dois antigos estudantes de Coimbra.

Na Luz, quis romper com o passado e, à semelhança do que tinha feito nas Antas, dispensou alguns dos jogadores icónicos do Benfica, como Silvino, Mozer, Isaías ou Vítor Paneira. O resultado foi desastroso, pois os encarnados iniciaram a maior travessia do deserto da sua história. Nesta passagem pela Luz, que durou pouco mais de uma época, foi operado para retirar um tumor na cabeça. Um susto superado.

A carreira de Artur Jorge seguiu depois outro rumo. Conduziu a seleção Suíça ao Euro 1996, após o qual regressou à equipa das quinas, agora a tempo inteiro, mas acabou por falhar o apuramento para o Mundial de 1998, apesar de ter estrelas como Figo, Rui Costa, entre outros. Era o início de um ciclo descendente que o levaram a passagens pelo Tenerife, Vitesse, PSG (outra vez), Al-Nassr, Al Hilal, Académica, CSKA Moscovo, seleção dos Camarões, Al Nasr, Créteil-Lusitanos e MC Alger, o seu último clube, em 2016. 

Contudo, uma lesão tirou-lhe a possibilidade de jogar durante quatro meses dessa época, acabando por isso por marcar apenas dois golos em seis jogos oficiais. Ainda assim, já mostrava que talento não lhe faltava. Por essa altura, o avançado já estudava à noite, sendo que tinha em casa explicadores pagos pela direção do FC Porto, pois desde bem cedo o jovem Artur deixou bem claro que o seu grande desejo era licenciar-se.

Luís Figo e Rui Costa foram orientados por Artur Jorge na seleção. ARQUIVO GLOBAL IMAGENS

Aos 70 anos afastou-se do futebol e dedicou-se às suas outras paixões, nomeadamente a pintura, que o levou a comprar várias obras que tinha em casa, a poesia e a música clássica, que tantas vezes ouvia quando assistia a jogos na televisão. O futebol deixara de fazer parte do seu quotidiano e as conversas que tinha com os amigos tinham quase sempre como tema as artes, além da família, claro.

Foi avançado do Benfica durante seis épocas na década de 1970, durante as quais marcou 104 golos em 131 jogos oficiais. ARQUIVO GLOBAL IMAGENS

Foram seis épocas de grande brilhantismo na Luz, onde se celebrizou por ter inventado o denominado “pontapé de moinho”, que lhe valeu golos inesquecíveis. Ao mesmo tempo que brilhava nos relvados, Artur Jorge assumiu a sua faceta de homem de esquerda e, a 23 de fevereiro de 1972, tornou-se um dos fundadores do Sindicato dos Jogadores, do qual se tornou primeiro presidente e sócio número um. Isto, mais de dois anos antes da Revolução do 25 de Abril.

De águia ao peito, Artur Jorge sagrou-se campeão nacional por quatro vezes - uma delas sem derrotas (1972/73) -, venceu duas Taças de Portugal e foi em duas ocasiões o melhor marcador do campeonato com 23 golos (1970/71) e 27 (1971/72). Só que as duas últimas temporadas na Luz foram um suplício por causa das lesões, pois teve de ser submetido a cinco operações a um joelho, que lhe permitiram fazer apenas nove jogos (cinco golos). No verão de 1975 foi dispensado pela direção encarnada, rumando ao Belenenses, onde em 1979, após partir a perna num treino no Jamor, terminaria uma carreira durante a qual contabilizou 16 jogos e um golo pela seleção nacional.

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