Alexandra de Navacelle de Coubertin, que preside à Fundação Pierre de Coubertin criada em 2016 pelos seus 30 descendentes, esteve em Lisboa para o 38.º aniversário da Academia Olímpica de Portugal e falou em exclusivo ao DN..Além de ser o homem que fundou os Jogos Olímpicos da Era Moderna, quem foi o barão Pierre de Coubertin?Pierre era o mais novo de quatro irmãos, um desportista. Praticava boxe, esgrima, equitação e remo. Corajoso, inteligente, bastante divertido e vanguardista, uma personagem complexa, porque estava à frente do seu tempo. Até a família o chamava de “o pequeno rebelde” e teve dificuldade em entendê-lo. Não quis seguir a via militar e preferiu a diplomacia. Como na época o desporto era uma atividade dos militares, fez campanha para consciencializar e sensibilizar as pessoas para os benefícios mentais de praticar desporto, atividade que possibilitava a reunião e permitia desempenhar um papel educativo na sociedade. .Este ano os Jogos voltaram a Paris, cidade onde ele nasceu.Foram muito especiais, afinal havia muitas datas para festejar: 100 anos depois, os Jogos voltaram a Paris, precisamente 130 anos após a sua criação, em 1894. Paris2024 foi como abraçar o seu legado e sentir o seu sonho. Em 1924 estiveram 44 nações, Paris2024 teve 206! O que prova que o sonho de Pierre de Coubertin cresceu a uma escala que ele nunca viu ou sequer imaginou. Foi um momento incrível e muito celebrado em família. O que eu gostei mais foi ver o voleibol de praia, modalidade que ele jamais imaginaria nos Jogos, num campo junto à Torre Eiffel, símbolo muito importante em França e que teve um impacto muito grande em Coubertin. .E pensar que, em 1892, ele foi ridicularizado quando propôs a recriação dos Jogos Olímpicos... Sim. Foi uma longa luta, ele começou a pensar os Jogos muito antes, inspirado e fascinado com o sistema educacional da Grécia Antiga, que assentava em três lemas: coração, corpo e espírito. Em 730 a.C. os distritos da Grécia juntavam-se para lutar, ele gostou da ideia da reunião e da luta com regras. Ele passou por uma guerra aos sete anos, quando os alemães invadiram a sua casa. Isso marcou-o. Estava convencido que a única maneira de evitar guerras era encontrar ocasiões para os povos se reunirem, conversarem e criarem momentos de colaboração. .Na Grécia Antiga havia tréguas para os Jogos. Em Paris 2024 isso não aconteceu. A sociedade moderna está menos tolerante? Vivemos momentos incrivelmente tensos, especialmente com o que está a acontecer na Síria, mas a razão pela qual Coubertin queria os Jogos Olímpicos é ainda mais válida hoje, porque ainda temos guerras. O que seria de um mundo sem Jogos Olímpicos? E sem desporto? Ele dizia que o olimpismo destrói os muros que separam os povos. Nos Jogos cada país tem uma voz. Há mais nações nos Jogos Olímpicos (206) do que ONU (196). Em Paris2024, Samoa a desfilar na cerimónia de abertura recebeu a mesma importância que um país como os EUA ou China. Os Jogos Olímpicos não pertencem a um país, são um espaço de neutralidade com grande papel social. .Os ideais de Coubertin conseguirão sobreviver ao negócio?Respeito, excelência e amizade são os três valores fundamentais do olimpismo. Manter esse espírito é a missão do Comité Olímpico Internacional (COI). Coubertin ficaria encantando com a sustentabilidade dos Jogos atuais, mas certamente teria um olhar crítico sobre a sua evolução a nível comercial. Esse é o grande dilema e perigo atual, o COI está a gerir como pode, mas já é um problema porque há muito dinheiro envolvido. Contudo, algumas regras ainda se aplicam, como os atletas não serem pagos para estarem nos Jogos Olímpicos. .A Associação preocupa-se com a modernização de alguns pensamentos de Coubertin, como o de dizer que o lugar das mulheres era na bancada a aplaudir ou o facto de ser nazi e fascista? Temos de enquadrar as ideias de Pierre Coubertin no tempo. Julguem-no pelas suas ações. As atitudes dele eram diferentes das palavras que foram sendo descontextualizadas. Fazemos questão de esclarecer algumas palavras, que faziam sentido naquele contexto, mas que hoje são difíceis de entender: nazi, fascista, misógino... A participação das mulheres só aumentou enquanto o barão cuidou diretamente dos Jogos. O tempo resumiu a personagem de Coubertin com atalhos. Foi um humanista, alguém que vivendo na encruzilhada entre dois séculos (1863-1937) trabalhou de forma altruísta em algo que o superava..Paris 2024 foram os Jogos da paridade. O que fazer para não regredir na igualdade de género no desporto olímpico?O mundo mudou. Alguns países já tiveram mais mulheres do que homens a competir [Portugal foi um deles, com 37 mulheres em 73 atletas]. A nossa missão é criar influência e sugerir normas nesse sentido desde a escola até aos Jogos. Na associação temos duas missões principais: representar o espírito olímpico e tentar garantir a continuação do legado de um homem que tinha um sonho..Como?Temos uma ligação forte com o COI e o presidente Thomas Bach, que é comprometido com a lembrança de Coubertin, para que os princípios olímpicos continuem a ser os que o nortearam. Fazemos parte da Comissão de Cultura e Património Olímpico, que garante que a filosofia e os princípios do olimpismo permanecem visíveis. Temos assento na Federação Internacional do Desporto Escolar, trabalhamos com todas as associações, organizações e comunidades olímpicas nacionais. Fornecemos materiais educacionais que podem ser usados em escolas e universidades para conectar os jovens com o espírito olímpico e se envolverem no movimento, porque uma simples aula de introdução à filosofia olímpica pode fazer a diferença..isaura.almeida@dn.pt