A cruz que o Belenenses carregou para ter hipótese de chegar hoje à II Liga

Jogo desta tarde com o Amora pode colocar azuis nas ligas profissionais. Há cinco anos estavam nos distritais depois de entrarem em conflito e se separarem da BSAD. Presidente Patrick Morais de Carvalho revela ao DN que tem de voltar a abrir o clube a capital privado.
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O Clube Futebol Os Belenenses, fundado em 1919, pode subir à II Liga este domingo (jogo com o Amora às 15.30, transmitido no Canal 11) e regressar aos campeonatos profissionais depois de uma longa travessia e um inferno de cinco anos. "Um lugar de onde nunca devia ter saído", atira o presidente Patrick Morais de Carvalho, que ao DN confessa viver momentos de alguma "ansiedade controlada" perante "a grande vantagem e a enorme responsa- bilidade" de depender só de si para conseguir o objetivo perseguido há anos.

Faltam dois jogos para terminar a fase de subida da Série B da Liga 3, e o emblema da Cruz de Cristo tem mais três pontos do que a Sanjoanense, quatro que o Vilaverdense e 10 que o Amora. "Subir cinco escalões desde que descemos ao inferno há cinco anos é um motivo de enorme orgulho", confessou o presidente dos azuis de Lisboa, admitindo que nenhum clube, que passa o que Belenenses passou, está verdadeiramente preparado para subir o degrau da profissionalização tão rapidamente.

"Se, ou melhor, quando subir de divisão e regressar aos escalões profissionais, o clube vai ter de criar uma Sociedade Anónima Desportiva (SAD) ou uma Sociedade Desportiva Unipessoal por Quotas (SDUQ) associada. É o que mandam os regulamentos", avisa, ciente do que correu mal quando em 2012 o clube abriu o capital da SAD à Codecity, de Rui Pedro Soares, que ficou com 51,9%.

Uma ligação que permitiu salvar os azuis do definhamento imediato, mas que se revelou tóxica a médio prazo e levou a medidas radicais em nome de uma sobrevivência que gerava desconfiança: começar do zero e criar uma nova equipa de futebol sénior para competir no futebol distrital de Lisboa. Quando no final de 2017 mais de 90% dos sócios aprovaram processar a então SAD do clube, para a impedir de utilizar os símbolos e nome de "Os Belenenses", ficou claro para a direção que esse era o único caminho.

Depois de muitas trocas de acusações e argumentos, no ano passado o tribunal decretou que a agora BSAD (atualmente na II Liga) não tem ligação ao clube: "O Belenenses não sobrevive a outra queda como a que deu em 2012. Cabe-nos criar condições para que tal nunca mais aconteça. O resto é passado e já não nos diz respeito desde 2018 [quando o clube vendeu os 10% da BSAD que detinha]."

Apesar dessa má experiência, o emblema não pode simplesmente negar a entrada de novos acionistas. E, segundo Patrick Morais de Carvalho, chovem interessados, desde príncipes das arábias a multimilionários americanos. "É impossível progredir como clube sem ter investimento privado, porque não queremos um Belenenses a sobreviver, mas um Belenenses a viver e a fazer viver e sonhar. Mas posso garantir que o clube terá sempre a maioria (51%) de uma futura SAD. Se a opção for a SDUQ, o clube será sócio único", garantiu o líder azul, deixando na mão dos mais de 11 mil sócios a decisão sobre o modelo societário a adotar.

Durante algum tempo, o presidente do emblema do Restelo ainda alimentou a esperança e a convicção de que o clube chegaria de novo à I Liga só com meios próprios, mas teve de se convencer de que "a incapacidade de angariar receitas extraordinárias para travar a crónica pendência orçamental das receitas das piscinas, do bingo e dos direitos de TV poderia levar a incumprimentos generalizados e fazer regressar o pânico ao Restelo".

Fundado num banco de jardim, na Praça Afonso de Albuquerque, em Belém, em 1919, Os Belenenses é uma das cinco equipas que já foram Campeãs em Portugal. Aconteceu na época 1945-46, ainda antes daquele que seria o maior jogador da história belenense (Matateu) e do irmão (Vicente Lucas) chegarem ao Restelo.

Alfredo Quaresma, Jorge Jesus, Marinho Peres, Tuck, Silas e Zé Pedro foram alguns dos que elevaram o emblema da Cruz de Cristo antes da descida ao inferno. O clube festejou o centenário em 2019 nos distritais. Uma dor só suportada pelo desejo de fazer voltar a equipa à I Liga e animizada por um super-acordo comercial com o Lidl, que permitirá requalificar o Complexo do Restelo, num investimento estimado em 14 milhões de euros.

O supermercado está construído, mas ainda não abriu e o projeto da British School of Lisbon (BSL) para a construção do Colégio e da Piscina ainda não arrancou, assim como a edificação das Residências Seniores e a construção dos dois campos de treino.

Lutar contra a ansiedade e impaciência é o lema. O Estádio do Restelo, tesouro escondido nas costas do Mosteiro dos Jerónimos com vista para o Rio Tejo, Ponte 25 de Abril e Cristo Rei, chegou a um nível de degradação que " não está apto para as competições profissionais". É preciso instalar torres de iluminação com maior potência, criar caixas de segurança para os adeptos adversários, sinalética nas bancadas, estádio e estacionamento, criação de nova bancada de imprensa e parque técnico, camarotes para rádios e TV, postos para câmaras de TV, instalações sanitárias para deficientes em todas as bancadas, salas de segurança, melhorias no circuito de CCTV, novos bancos de suplentes, sistema de rega... e todo um conjunto de melhoramentos de menor impacto com custos de milhares de euros.

O Belenenses é o 1º classificado da fase de subida da Série 2 da Liga 3, com três vitórias e um empate em quatro jogos, e poderá garantir a subida já hoje e regressar às ligas profissionais pela primeira vez em cinco anos. Podia tê-lo conseguido no fim de semana passado, mas a Sanjoanense não perdeu na deslocação ao terreno do Amora... que agora recebe os azuis. E se hoje não conseguir o objetivo, ainda tem mais uma oportunidade - no Restelo, no próximo domingo.

A época pode acabar da melhor forma, mas há menos de um ano o presidente baixou as expectativas dos adeptos e retirou pressão à equipa quando disse que o projeto podia passar por umas duas ou três épocas na Liga 3. Patrick Morais de Carvalho sabia que ia jogar a competição mais equilibrada de Portugal, onde 80% dos jogos se decidem pela margem mínima e que não poderia ir ao mercado reforçar-se.

O orçamento global para inscrições, seguros, vencimentos com jogadores e equipa técnica, encargos com Segurança Social e Autoridade Tributária, transportes, alimentação, posto médico, policiamento, organização de jogos, tratamento do relvado, equipa B e reforços de janeiro é de cerca de 700 mil euros, um dos mais baixos entre as 24 equipas da Liga 3.

A época começou com 10 futebolistas que tinham representado a Cruz de Cristo no Campeonato de Portugal - Serra e Alex acompanham a epopeia desde o início -, o regresso de quatro emprestados (Valverde, Zé Pedro, Duarte Henriques e Rui Pereira) e a promoção de três juniores (Teopisto, Pedro Carvalho e Moninhas). Foi assim que Taira, o diretor desportivo, um dos histórico do Belenenses da era moderna com 134 jogos, construiu o plantel e o reforçou com atletas com experiência de Liga 3 e Martelo ex-Paços de Ferreira.

Depois de um início de época estrondoso, o Belenenses passou por uma crise de resultados a meio da época - fez quatro pontos em 18 possíveis - , que fez tremer o projeto e as ambições, mas não a crença. E os reforços de inverno deram outro estofo à equipa. Chaby e Heldon foram mais valias para a equipa, assim como Chima Akas, internacional A nigeriano, e Midana Sambú e Guilherme Oliveira, campeões da Liga 3 na última época, que podem repetir o título sob a batuta de Bruno Dias.

A contratação do treinador foi "talvez a decisão mais relevante" da direção, segundo Patrick Morais de Carvalho: "Quando apertei a mão ao Bruno Dias a primeira coisa que me perguntou foi qual era o prémio de subida."

isaura.almeida@dn.pt

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