A ascensão e a queda do miúdo do bairro do Casal da Mira

Hoje tem 23 anos. A infância não foi fácil. O futebol parecia mudar-lhe o rumo. Mas está a braços com a justiça espanhola
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Rúben Semedo nasceu há 23 anos num bairro social da Amadora. Viu o pai ser preso, quando era ainda muito miúdo. O sustento da família estava a cargo da mãe, já separada do pai, que saía de casa de madrugada para trabalhar. Não teve uma infância fácil. Tudo parecia mudar quando se tornou uma esperança do Sporting, mas a história do defesa central português do Villarreal teve uma reviravolta. Ontem ficou em prisão preventiva depois de ser acusado pela polícia espanhola de tentativa de homicídio, agressão, ameaças, sequestro e posse ilegal de arma (ver texto ao lado).

Rúben cresceu no bairro social do Casal da Mira, identificado como uma das zonas problemáticas da Amadora. Aos 5 anos viu o pai ser preso - um imigrante de Cabo Verde - e teve de lidar com a situação, que o marcou. Passava muito tempo na rua, a maior parte do tempo a jogar à bola, muitas vezes sem a presença da mãe que era obrigada a trabalhar muitas horas por dia para criar os filhos, ele e a irmã. Nada o fazia mais satisfeito do que dar uns pontapés na bola com os amigos da rua, mas foi só aos 14 anos que começou a levar o futebol mais a sério, quando passou a representar o Futebol Benfica (Fofó).

Domingos Estanislau, atual presidente do Fofó, cargo que já ocupava na altura, mostrou-se surpreendido com o que aconteceu a Rúben. "Do tempo que privei com ele, nunca me pareceu que fosse capaz de cometer os atos de que é acusado. Ele veio de um bairro complicado, e por isso é natural que por vezes tenha resolvido as coisas com um murro ou uma zaragata, mas não mais do que isso", argumentou. O líder do Fofó já enviou uma mensagem ao jogador: "Disse-lhe que, se precisar de ajuda, estou à disposição. E que este exemplo lhe pode servir para o futuro."

Do Fofó para o Sporting

Foi em 2009 que Rúben Semedo se mudou para os juvenis do Sporting, juntamente com Gelson Martins, hoje uma das estrelas do plantel dos leões. "Foram dois excelentes miúdos que passaram pelo Fofó e que eram de facto grandes jogadores. Recebemos uma verba simbólica do Sporting, depois mais uma quantia quando passaram dos juvenis para os juniores, e acordámos mais 30 mil euros por cada um quando fizessem sete jogos pela equipa principal como titulares. Acabou por ser um bom negócio para o Futebol Benfica", recordou.

Domingos Estanislau explica que os dois amigos tinham uma personalidade muito diferente. "O Gelson sentava-se à mesa e ficava o tempo todo calado, enquanto o Rúben era muito mais conversador e atrevido, no bom sentido. Contava piadas mas sempre o vi como um bom exemplo e, aliás, era frequente ele vir às nossas instalações para falar aos miúdos da formação. Nunca se mostrou superior nem recusou um autógrafo", revela.

Gelson Martins, aliás, deixou ontem uma mensagem ao amigo nas redes sociais. "Contigo até ao fim do mundo", lia-se, acompanhada de uma fotografia de ambos. Também Palhinha (Sporting) e Renato Sanches (Bayern Munique) o fizeram. O ex-jogador do Benfica escreveu "Força, meu irmão" em crioulo e o médio leonino publicou uma fotografia.

O internacional sub-21 também não dava problemas na escola, segundo Estanislau. "Ainda ontem falei com um professor dele, que me contou que ele tinha notas razoáveis e um bom comportamento. Estou mesmo muito surpreendido com toda esta história."

Por todas estas razões, o presidente do Fofó deseja que "isto não dê em nada e que o Rúben não se transforme em mais um bandido, porque tinha e tem todas as condições para vingar no futebol".

Polémicas em Alvalade

A passagem pelo Sporting ficou marcada por várias polémicas. Em outubro de 2011, ainda nos juniores, confessou o seu benfiquismo na rede social Facebook: "Todos sabem que sou do Benfica mas por enquanto represento o Sporting... mas só por enquanto." Os adeptos não lhe perdoaram, mesmo tratando-se de um jovem de 17 anos. A ira motivou até a criação de um grupo no Facebook que pedia a sua saída do clube. A situação acabou por serenar. Entretanto, em 2013, o jogador foi pai de uma menina e pareceu ter ficado mais estável emocionalmente.

No entanto, meses depois de ter subido à equipa principal, foi protagonista de mais um caso: o clube, já liderado por Bruno de Carvalho, multou-o por atirar a camisola ao chão, após ter sido expulso num Sporting B-FC Porto B. Mais ou menos pela mesma altura foi apanhado a conduzir sem carta de condução. Ato que lhe valeu mais um castigo, com o treinador Leonardo Jardim a devolvê-lo à equipa B dos leões.

E foi lá que voltou a protagonizar um caso de indisciplina em 2014, ao desentender-se com Enoh, num treino do Sporting B, o que lhe valeu um processo disciplinar e ser suspenso de toda a atividade no clube. Devido a este incidente foi dispensado no início da temporada 2014-15 e emprestado ao Reus, da III divisão espanhola. Foi novamente cedido na temporada seguinte, desta vez ao V. Setúbal, e em janeiro de 2016 regressou a Alvalade a pedido de Jorge Jesus. Foi sem dúvida a melhor fase da sua carreira, tendo formado uma boa dupla com Coates. Viria a baixar de rendimento na época seguinte, algo que não agradou aos adeptos. A Juventude Leonina dedicou-lhe uma tarja - "Bon voyage Rúben" - no jogo da última jornada da I Liga, com o Chaves, numa altura em que a saída para o Lille era dada como certa.

O destino acabou por ser o Villarreal, da I Liga espanhola, no início da época, num negócio que rendeu aos cofres do Sporting 14 milhões de euros. Não se assumiu como titular, sofreu duas lesões com alguma gravidade e não jogava desde 10 de dezembro do ano passado, com o Barcelona. Dois incidentes em bares de Valência no final de 2017 fizeram o seu nome aparecer nos jornais pelos piores motivos. Este último, bem mais grave, pode custar-lhe a carreira.

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