Descolonização afastou direita da esquerda na evocação a Mário Soares
O Parlamento assinalou esta sexta-feira os cem anos que passaram desde que Mário Soares nasceu, numa sessão solene idêntica à do 25 de Novembro e, tal como essa, também esta não reuniu consensos quanto à sua realização neste formato, com a presença do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e com o hino nacional a abrir e a encerrar os trabalhos, tocado pela GNR. No entanto, como em vida, o fundador do PS conseguiu reunir o hemiciclo através de evocações, tanto à esquerda como à direita, pelo combate que fez a ambas as fações em momentos diferentes. Em comum, prevaleceu a democracia.
Na cerimónia, o único antigo chefe de Estado presente foi Ramalho Eanes, ao lado do antigo primeiro-ministro Santana Lopes. Cavaco Silva não esteve presente.
Recusando que tenha havido contradições no percurso político do antigo Presidente da República, o atual líder do PS, Pedro Nuno Santos afirmou que ”Mário Soares esteve sempre do lado certo das lutas em que tomou parte”, mesmo em “tempos sombrios”, como a “longa noite da ditadura”.
Para justificar esta afirmação, Pedro Nuno Santos elencou vários momentos, desde o 25 de Abril e os dois anos que se seguiram à revolução, que classificou como tempos de “aventureirismos”, na “luta pela liberdade e pela democracia”, dos quais Mário Soares, considerou, saiu como “principal vencedor civil e político”, numa referência direta ao “25 de Novembro” de 1975.
O atual líder socialista ainda defendeu que Mário soares “esteve também do lado certo na prioridade dada ao processo de descolonização”, que acabou por se tornar também na maior crítica que os partidos dirigiram ao antigo Presidente da República.
Pedro Nuno Santos citou ainda uma frase de Mário Soares, relativa aos desafios que os socialistas enfrentaram na Europa em 2009, “no meio da maior recessão que a economia mundial conheceu”, que criou um momento de riso nas bancadas à direita do hemiciclo: “[Os socialistas] têm de compreender que, no atual momento, os seus adversários são os conservadores e a direita e não a esquerda, mesmo a radical”.
Antes do líder do PS falar, CDS e Chega já tinham criticado a descolonização.
O deputado do CDS João Almeida destacou aquilo que considerou ser “o maior erro político” de Mário Soares, referindo “os portugueses que, em 25 de Abril de 1974, viviam nos territórios ultramarinos e que foram vítimas de uma descolonização apressada, desumana e irresponsável”.
André Ventura, cujo grupo parlamentar já tinha aplaudido o deputado centrista, começou por defender que “esta cerimónia solene desta forma, neste modelo, não deveria estar a acontecer”. Mas rapidamente virou o discurso para a descolonização, que considerou ter sido “desumana e mal feita”.
Momento antes, no X, o líder do Chega tinha acusado Mário Soares de ser um “traidor”, citando, sem revelar fontes, frases alegadamente ditas por Soares, como: “Em caso de emergência, atiremos sobre os colonos brancos”.
O deputado da IL Rodrigo Saraiva lembrou o fundador do PS como um político que que esteve sempre do “lado certo” e que “tem sombras e luzes”, afirmando que o balanço da sua “atuação política é positivo”. Como aspeto negativo, salientou a descolonização e “assuntos de Macau”, numa referência breve às ligações do PS a uma empresa que era detida pelo antigo governador de Macau Carlos Melancia e que implicou um processo por corrupção passiva, do qual foi ilibado.
O deputado do PSD António Rodrigues recordou Mário Soares por, “a par de Francisco Sá Carneiro”, ter lutado “contra os radicalismos da extrema-esquerda e da extrema-direita durante o PREC [Processo Revolucionário Em Curso]”.
Quase como um corolário antecipado das intervenções, o deputado do BE José Soeiro começou por dizer que “há um Mário Soares para quase todas as bancadas deste Parlamento”, lembrando que o próprio assumia, “com graça”: “Já toda a gente votou em mim, já toda a gente votou contra mim”.
O deputado bloquista ainda lembrou momentos do socialista, como quando “foi a Gaza e interveio em nome da paz. Tinha relações com Israel e com a Palestina.”
Por parte do PCP, o deputado António Filipe lembrou que a vida do partido “cruzou-se ao longo de muitas décadas, com a ação política de Mário Soares, em lutas comuns contra o fascismo, em momentos de confronto sobre os caminhos a seguir pela Revolução portuguesa, em convergências e divergências”.
Para marcar esta dualidade, o deputado comunista lembrou as oposições do partido aos governos de Mário Soares entre 1976 e 1977 e entre 1983 e 1985, apesar de também reconhecer o apoio dado em 1986, aquando da sua primeira candidatura presidencial, mas, frisou, apenas “por considerar que a eleição do candidato que reunia o apoio das forças reacionárias [Freitas do Amaral] poria em perigo uma democracia”.
Por fim, António Filipe aludiu a opções de Mário Soares, “cujas consequências negativas são hoje visíveis”.