No final de uma das mais longas cerimónias de Óscares dos últimos anos (quase quatro horas...), Alex Coco e Sean Baker resumiram de forma exemplar a lógica dominante da noite, ao agradecerem o facto de a Academia de Hollywood ter distinguido “um filme verdadeiramente independente”. Estavam no palco do Dolby Theatre, em Los Angeles, na qualidade de produtores de Anora, consagrado com o Óscar de Melhor Filme de 2024.. A crónica rocambolesca da prostituta que se apaixona pelo filho de um oligarca russo tornou o próprio Sean Baker o primeiro cineasta a conseguir uma proeza que não será fácil repetir: ele é a primeira pessoa a ter ganho quatro Óscares no mesmo ano, pelo mesmo filme. A saber: além de Melhor Filme, Baker foi também ao palco como vencedor nas categorias de argumento original, montagem e realização. Anora conseguiu ainda uma quinta distinção, de Melhor Atriz, para Mikey Madison — proeza também especial, quanto mais não seja porque a esmagadora maioria dos analistas da indústria de Hollywood davam como certa a vitória de Demi Moore, em A Substância.. Produzido pela Neon, Anora liderou, assim, uma cerimónia de consagração de filmes da produção independente em que, logo a seguir, com três Óscares, se distinguiu O Brutalista, a saga de um sobrevivente do Holocausto, com chancela da A24 — esta é, afinal, a empresa que, actualmente, talvez se possa definir como o maior dos pequenos estúdios do sistema de Hollywood.A noite dos independentesRealizado por Brady Corbet, O Brutalista valeu o segundo Óscar de Melhor Ator a Adrien Brody (obtivera o primeiro com O Pianista, de Roman Polanski, em 2003), tendo sido ainda distinguido nas categorias de Melhor Música e Melhor Fotografia, respectivamente para Daniel Blumberg e Lol Crawley. Os dois filmes que mais directamente representavam os grandes estúdios — Dune: Parte Dois (Warner Bros.) e Wicked (Universal Pictures) — obtiveram, cada um deles, dois Óscares.. De algum modo, podemos dizer que este triunfo quantitativo, qualitativo e simbólico dos independentes teve uma curiosa “duplicação” na performance de dois títulos vindos de fora, realmente estrangeiros no contexto industrial e cultural de Hollywood: Ainda Estou Aqui, do Brasil, e Flow - À Deriva, da Letónia. Venceram dois dos Óscares mais importantes: Melhor Filme Internacional e Melhor Filme de Animação, respectivamente.."Ainda Estou Aqui" vence primeiro Óscar de sempre do Brasil. "É cultura do Brasil que está a ser reconhecida". Boa performance de Conan O’BrienA escolha de Conan O’Brien para apresentação da cerimónia saldou-se por um efeito, não exactamente exuberante, mas francamente positivo. Isto porque O’Brien (atualmente dedicado ao seu podcast Conan O'Brien Needs a Friend) soube aplicar o seu know how como veículo de um humor de permanente ironia do mundo dos “famosos”. Aliás, a certa altura, isso permitiu-lhe introduzir uma variante mais séria (porque “nem todos são famosos”), celebrando o valor profissional dos que, de uma maneira ou de outra, foram afectados pelos graves incêndios que atingiram a zona de Los Angeles no mês de janeiro; mais tarde na cerimónia, seriam também homenageados os bombeiros da região de Los Angeles.. Entre os discursos de agradecimentos da noite, para lá do “quarteto” de intervenções de Sean Baker, é forçoso destacar as palavras comovidas de Adrien Brody, em última instância exaltando a dimensão humanista do trabalho dos atores. Noutro momento de especial emoção, Morgan Freeman recordou o seu amigo Gene Hackman, falecido há poucos dias, sublinhando uma frase que ele gostava de repetir: “Não penso sobre o meu legado. Espero apenas que as pessoas se lembrem de mim como alguém que tentou fazer bom trabalho.”A lista completa dos vencedoresMelhor Filme: Anora, de Sean Baker.Melhor Realizador: Sean Baker, Anora.Melhor Atriz: Mikey Madison, Anora.Melhor Ator: Adrien Brody, O Brutalista.Melhor Ator Secundário: Kieran Culkin, Uma Verdadeira Dor.Melhor Atriz Secundária: Zoe Saldaña, Emilia Pérez.Melhor Argumento Original: Sean Baker, Anora.Melhor Argumento Adaptado: Peter Straughan, Conclave.Melhor Fotografia: Lol Crawley, O Brutalista.Melhor Caracterização: Pierre-Olivier Persin, Stéphanie Guillon e Marilyne Scarselli, A Substância.Melhor Som: Gareth John, Richard King, Ron Bartlett e Doug Hemphill, Dune: Parte Dois.Melhor Montagem: Sean Baker, Anora.Melhor Música Original: "El Mal", de Clément Ducol, Camille e Jacques Audiard, Emilia Pérez.Melhor Banda Sonora Original: Daniel Blumberg, O Brutalista.Melhor Design de Produção: Nathan Crowley e Lee Sandales, Wicked.Melhor Guarda-Roupa: Paul Tazewell, Wicked.Melhores Efeitos Visuais: Paul Lambert, Stephen James, Rhys Salcombe e Gerd Nefzer, Dune: Parte Dois.Melhor Documentário: No Other Land, de Basel Adra, Rachel Szor, Hamdan Ballal e Yuval Abraham.Melhor curta-metragem documental: The Only Girl in the Orchestra.Melhor curta-metragem: I'm not a robot, de Victoria Warmerdam e Trent.Melhor curta-metragem de animação: In the Shadow of the Cypress, de Shirin Sohani e Hossein Molayemi.Melhor longa-metragem de animação: Flow- à deriva, de Gints Zilbalodis, Matīss Kaža, Ron Dyens e Gregory Zalcman.Melhor Filme Internacional: Ainda estou aqui, de Walter Salles.. Sean Baker inspirou-se no "realismo social" para criar 'Anora', o filme que triunfou nos Óscares.ÓSCARES. À procura da juventude perdida