ÓSCARES. Hollywood celebra o seu internacionalismo
Se nos habituámos a encarar os Óscares de Hollywood como a expressão do poder artístico e económico dos filmes de língua inglesa, então é altura de revermos a nossa visão do fenómeno. Assim, confirmando uma tendência dos últimos anos, as nomeações para os prémios mais famosos do mundo do cinema, anunciadas na manhã de quinta-feira, em Los Angeles, apresentam-se cada vez mais internacionais, cruzando as produções dos estúdios clássicos (e das plataformas de streaming) com títulos das mais variadas origens geográficas e culturais.
Observe-se o fenómeno de Emilia Pérez, realizado pelo francês Jacques Audiard, em grande parte falado em espanhol, produção no centro de um processo de crescente reconhecimento (internacional, precisamente), desde a sua passagem no Festival de Cannes de 2024. Cruzando as regras do thriller com componentes do cinema musical, afirma-se agora como recordista de nomeações para os Óscares referentes à produção de 2024: Emilia Pérez surge em nada mais nada menos que 13 categorias, incluindo filme, realização e atriz (Karla Sofía Gascón é a primeira atriz transgénero a obter tal reconhecimento).
Emilia Pérez consegue ainda uma proeza que, não sendo inédita, adquire este ano especial simbolismo: é um dos dois títulos - o outro é Ainda Estou Aqui, do brasileiro Walter Salles - que acumula a nomeação para o Óscar máximo (melhor filme) com uma outra para melhor filme internacional. Revisitando os tempos cruéis da ditadura militar no Brasil, o filme de Salles valeu também uma nomeação de melhor atriz a Fernanda Torres: é a segunda vez que uma intérprete brasileira é citada nesta categoria, 26 anos depois de Fernanda Montenegro, mãe de Fernanda Torres, ter obtido idêntico reconhecimento graças ao filme Central do Brasil, também dirigido por Walter Salles.
Além das presenças emblemáticas de Emilia Pérez e Ainda Estou Aqui, a categoria de filme internacional é, este ano, especialmente forte e diversificada, incluindo até um desenho animado: Flow - À Deriva (Letónia). Completam as respectivas nomeações A Semente do Figo Sagrado, do iraniano Mohammad Raoulof (em representação da Alemanha) e A Rapariga da Agulha (Dinamarca).
De um modo geral, pode dizer-se que se confirmaram as previsões avançadas ao longo dos últimos meses pelos analistas da imprensa especializada americana (com destaque para Variety e The Hollywood Reporter), conhecedores dos bastidores da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. O Brutalista (lançado esta semana nas salas portuguesas) e Wicked conseguiram dez nomeações, no primeiro caso incluindo o realizador, Brady Corbet, e o ator principal, Adrien Brody. Para alguns desses analistas, Wicked, adaptando um musical de grande sucesso na Broadway, apresenta-se como sério candidato ao Óscar máximo.
Na lista dos mais citados, com oito nomeações, temos ainda A Complete Unknown, de James Mangold (a estrear entre nós na próxima semana), e Conclave, de Edward Berger, logo seguido por Anora, de Sean Baker, vencedor da Palma de Ouro de Cannes, nomeado seis vezes. O caso de A Complete Unknown, com Timothée Chalamet a interpretar Bob Dylan nos primeiros anos de afirmação como cantor folk, suscita especial curiosidade, quer pela transfiguração do ator (que canta com a sua voz os temas de Dylan), quer pela dimensão mitológica da personagem.
A personagem de Trump
Na categoria de melhor ator encontramos, aliás, um leque também muito forte de candidatos, completado por Colman Domingo (Sing Sing), Ralph Fiennes (Conclave) e, com alguma surpresa, Sebastian Stan (The Apprentice). Porquê surpresa? Porque Stan interpreta Donald Trump e o filme, realizado por Ali Abbasi, além de denegrido pelo próprio Trump, então candidato presidencial, teve fraco impacto nos EUA e em quase todos os países, incluindo Portugal, em que foi lançado.
The Apprentice não aborda o programa de televisão, com o mesmo título, que popularizou a figura de Trump. Trata-se, de facto, de um retrato do atual Presidente dos EUA a partir de 1973, enquanto “aprendiz” no território dos negócios, particularmente empenhado em concretizar o projecto da Trump Tower. A proeza do filme nos Óscares não se esgota em Sebastian Stan, uma vez que Jeremy Strong, intérprete de Roy Cohn (advogado de Trump na época referida), também está nomeado, neste caso na categoria de ator secundário.
Será pura especulação supor que as nomeações para The Apprentice, ainda que possam apelar a algum “simbolismo” político, poderão ter algum efeito sensível na entrega das estatuetas douradas, marcada para 2 de março, no Dolby Theatre de Los Angeles. Uma coisa é certa: mesmo reconhecendo fatores como a performance de Emilia Pérez nas nomeações, a popularidade “made in USA” de Wicked ou o efeito lendário da personagem de Bob Dylan, todos reconhecem que este é um ano sem vencedores “antecipados” - o que, bem entendido, pode valorizar a cerimónia e, em particular, o trabalho de Conan O’Brien, estreante na respetiva apresentação.
Melhor filme — os 10 nomeados
ANORA
de Sean Baker
O BRUTALISTA
de Brady Corbet
A COMPLETE UNKNOWN
de James Mangold
CONCLAVE
de Edward Berger
DUNE: PARTE DOIS
de Denis Villeneuve
EMILIA PÉREZ
de Jacques Audiard
AINDA ESTOU AQUI
de Walter Salles
NICKEL BOYS
de RaMell Ross
A SUBSTÂNCIA
de Coralie Fargeat
WICKED
de Jon M. CHU