Zigurfest. Um festival em que cada concerto é uma descoberta

Num alinhamento marcado pelo <i>groove</i> de Mazarin e Gume, o "jazz-punk-pós-aquático" dos portuenses Sereias foi a grande surpresa do segundo dia de Zigurfest
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É um festival desafiante, este Zigurfest. Para o público, pelo modo como embarca no desafio às cegas, por vezes sem ideia do que vai ver ou ouvir. E para os próprios músicos, desafiados a atuarem fora do seu espaço natural, em locais inusitados da cidade, transformados em palcos durante o festival. Assim aconteceu na quarta-feira, com o primeiro dia de Zigurfest a funcionar quase como aquecimento para os restantes, com os concertos de Ulnar + Sal Grosso no Núcleo Arqueológico da Porta dos Figos, de Zarabatana no Largo da Cisterna (ambos ao final da tarde, na zona do Castelo), mas especialmente com o de Dullmea, que apresentou a sua original performance de voz e efeitos sonoros sentada no chão da Sala Grão Vasco do Museu de Lamego. Ontem, as atuações aumentaram para o dobro, num efeito de multiplicação que irá continuar até ao último dia do festival. A maratona de quinta-feira começou novamente na zona do Castelo, com um concerto dos Mazarin num anfiteatro panorâmico, situado mesmo por baixo das muralhas, onde o quinteto lisboeta (mas com um pé também em Beja) justificou todo o burburinho provocado pelo EP de estreia, editado este ano, no qual misturam jazz, funk e hip-hop com a mestria de quem já anda nisto há muito tempo - só que não. Tal como fizeram ontem, com o groove perfeito para abanar suavemente os corpos (e os copos) das dezenas de pessoas espalhadas pela relva, num quente fim de tarde em que mais nenhuma música soaria tão bem. A sessão continuou no entanto bem embalada, com a "house onírica" da dupla Terra Chã, formada pelos produtores e dj Fabirzio Reinolds e Ricardo Fialho, mais conhecido nestas lides como Inversus.

Já a noite tinha caído quando cantautora Mathilda começou a cantar no átrio da Capela de Nossa Senhora da Esperança, um pequeno templo do século XVI, à volta do qual de acotovelavam, também, muitas dezenas de pessoas - algumas delas da vizinhança, cujo visual, mais formal, contrastava com o estilo também ele mais desafiante do habitual público do festival. Coadjuvada por Goby Bear na guitarra acústica, Mathilda alternou entre a guitarra elétrica e o ukelele, para acompanhar aquela voz angelical, tão adequada ao cenário. Feitas as despedidas, o público debandou em seguida em direção ao bonito Parque da Alameda, onde fica situado um dos principais palcos do festival, que ontem começou por receber os Gume, em mais um concerto cheio de groove, feito de uma mistura de jazz, afrobeat e spokenword. Soube a pouco, mas o que veio a seguir, saciou por completo a fome das cerca de três centenas de pessoas que lotavam o anfiteatro do parque. Sim, este é um festival para o qual se exige uma certa abertura à surpresa e esta é talvez a melhor palavra para definir o que ontem se passou. Era claro que a maioria dos presentes não conhecia a banda portuense, mas quem lá esteve não mais os vai esquecer tão depressa, isso é certo.

A descrição "jazz-punk-pós-aquático" é dos próprios e adequa-se na perfeição, por muito estranho que isto possa soar, a tudo aquilo que aconteceu em palco. São (aparentemente) compostos por um guitarrista, um baixista, um baterista e um manipulador de maquinaria, a quem se juntam um vocalista/declamador já de meia-idade (que, como alguém sugeriu, poderia ser "o irmão mais velho do Adolfo dos Mão Morta"), um dançarino gritador vestido apenas com uma sunga e uns óculos de natação e um performer/mestre-de-cerimónias, cuja principal missão parece ser a de azucrinar e provocar os restantes companheiros de palco. Juntos, fazem uma amálgama de jazz-noise-punk que funciona como a banda sonora perfeita para poemas apocalípticos com títulos como Puta de Deus, Primeiro-Ministro, Putas da TV ou Esquizofrenia, recitados (ou antes vociferados, mas com a atitude de quem já está farto daquela barulheira toda) por António Pedro Ribeiro - sim, ele mesmo, o reconhecido poeta portuense, agora, também, aspirante a demónio do rock and roll.

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