Ver o mundo é aprender a falar 

Afinal, o que é o saber e como se transmite? Maria Speth realiza um documentário capaz de revalorizar o valor ancestral da comunicação através das palavras.
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De que falamos quando falamos das relações entre um professor e os seus alunos? Pois bem, falamos de sistemas de diálogo e padrões de comportamento que podem ser pensados em função de valores universais, mas que não se esgotam (longe disso!) num modelo único e unificado. Cada caso é um caso. No limite, podemos mesmo lembrar que cada sala de aula envolve pessoas e histórias que não se confundem com aquilo que está a acontecer na sala do lado. A consciência dessa multiplicidade informa o filme de Maria Speth, O Professor Bachmann e a sua Turma, a meu ver uma das obras-primas absolutas do documentarismo deste nosso século XXI.

Por um lado, não podemos deixar de reconhecer que Dieter Bachmann e os seus alunos protagonizam situações e diálogos inerentes a qualquer processo educativo. Por exemplo: o que é o saber e como se transmite? E também: como definir e consolidar o colectivo a partir das diferenças individuais? Ou ainda, neste caso tão particular da cidade de Stadtallendorf, no estado de Hesse, na zona central da Alemanha: como é que a diversidade da sua população, com uma importante percentagem de famílias migrantes, se reflete no território específico de uma sala de aula?

Para filmar tudo isto, Maria Speth seguiu uma estratégia em que a sua equipa se organizou como um grupo de "observadores discretos" (para retomarmos as suas próprias palavras) que não pode deixar de fazer lembrar os métodos de um mestre como o americano Frederick Wiseman (lembremos National Gallery, de 2014, um dos seus títulos disponíveis no mercado do DVD). Não há, obviamente, nenhum efeito de "imitação", quanto mais não seja porque estamos perante visões do mundo estruturadas a partir da complexidade desse mundo, não de qualquer pressuposto "narrativo".

Aqui, o que mais conta possui, afinal, uma sugestiva dimensão cinematográfica. Porquê? Porque a energia documental decorre da paciente e delicada atenção ao espaço e ao tempo em que tudo acontece. O espaço é aquela sala incrível que pode oscilar entre a organização austera de um laboratório e a alegre fluidez de um genuíno espaço de convívio. O tempo envolve a aguda perceção da duração, ou melhor, das durações que um sistema de ensino integra e suscita.

Nesta perspetiva, encontramos em O Professor Bachmann e a sua Turma um valor humano - a arte de falar, isto é, de tentar comunicar com o outro -, hoje em dia tantas vezes esmagado pela aceleração irracional de muitas vivências televisivas ou virtuais. Ver o mundo não é, afinal, a mera produção (ou reprodução) de uma ruidosa avalanche de imagens: dando especial importância à aprendizagem da verbalização, o Professor Bachmann leva os seus alunos (e o espectador) a sentir, justamente, a complexidade do mundo. No limite, este é um filme sobre o poder ancestral das palavras.

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