'Un Héros'. A verdade é feita de mentiras
O cineasta iraniano Asghar Farhadi regressa à competição de Cannes com um belo filme, com tanto de particular como de universal.
O iraniano Asghar Farhadi é um especialista em contar histórias que, desde o primeiro momento, nos instalam num paradoxo fascinante, contaminado por algo de inquietante. Por um lado, tudo se apresenta imediato e transparente; as personagens parecem mesmo empenhadas em utilizar as palavras que esclareçam e sublinhem o que andam a fazer. Por outro lado, quanto mais os acontecimentos (e as palavras...) se acumulam, tanto mais sentimos que, algures, algo ou alguém nos está a ocultar o essencial.
Assim é o seu novo e magnífico filme, Un Héros, apresentado na secção competitiva de Cannes. Que herói é este? Chama-se Rahim e está preso por causa de uma dívida que não conseguiu pagar - tem dois dias de licença que aproveita para tentar convencer o seu credor a aceitar uma parte dessa dívida e retirar a queixa... Digamos que nada acontece como o previsto.
Tal como nos melhores filmes de Farhadi (penso em Uma Separação e O Passado, respetivamente de 2011 e 2013), também em Un Héros a metódica acumulação de elementos do quotidiano contribui para um efeito realista que não exclui uma crescente sensação de assombramento. Das malhas familiares aos labirintos da burocracia estatal, ninguém conhece tudo o que está a acontecer (incluindo o espectador), de tal modo que qualquer situação dramática, mesmo a mais anódina, pode transfigurar-se em elemento de um insólito pesadelo - a verdade pode estar enredada numa bizarra coleção de mentiras.
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Farhadi é, de facto, um daqueles cineastas a propósito de quem se pode dizer que o particular desemboca no universal. Os seus retratos da vida quotidiana do Irão são de uma espantosa riqueza de detalhes, a ponto de podermos reconhecer que, por vezes, as suas ressonâncias simbólicas nos escapam. Ao mesmo tempo, nada disso nos impede de nos projetarmos na complexidade emocional e intelectual das suas personagens. O que, enfim, nunca é estranho à espantosa qualidade dos seus atores, neste caso com inevitável destaque para Amir Jadidi, intérprete de Rahim.
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