Uma década no limbo musical
O vosso mais recente single Cool Kids é uma música nostálgica sobre os vossos tempos de juventude. Alguma razão especial para escreverem sobre isso?
Catarina Salinas (CS): Tem a ver com estes dois anos de isolamento por causa da pandemia e das muitas saudades de estar com os nossos amigos de viver tempos mais livres e libertinos. Na nossa adolescência estávamos, espontaneamente, todos os dias....
Ed Rocha (ER):...conhecemo-nos desde a adolescência, há muitos, muitos anos (risos). Hoje em dia o tempo que conseguimos dedicar aos nossos amigos é mais limitado. As vidas acontecem, com filhos, empregos, etc. E sentimos saudades do tempo em que era mais orgânico estar juntos, sem planear. Este single é ouvir e sentirmos uma algo bom e é também um apelo para telefonarem aos amigos.
Este é um segundo single do novo álbum que vão lançar no final do verão. O primeiro foi Rumba Nera e é muito diferente deste Cool Kids. Qual é a linha condutora desse novo trabalho?
ER: O álbum tem uma cola que liga todas as músicas...
CS: ...essa linha tem a ver com as reminiscências da nossa vida passada. Neste álbum temos muitas lembranças sonoras que nos remetem para essa altura. É uma dualidade entre o passado e presente, uma questão temporal meia dúbia.
Têm uma forma peculiar de lançar músicas. Vão lançado aos poucos. Fazem-no numa altura em que a industria coloca todos os dias muitas músicas novas?
ER: Todos os dias há 60 mil músicas lançadas nas plataformas de streaming. O consumo de media e cultura é muito acelerado hoje em dia. E isso não encaixa no método de trabalhar em música, que é lento. E é uma falácia pensar que a música tem de ser feita mais rapidamente porque o prazo de publicação é mais curto. Pelo menos, para nós, não é assim, temos de estar 100% satisfeitos com o que publicamos, independentemente do tempo que demorar. O que não impede que não exista uma comunicação quase constante, como dizia alguém, hoje em dia temos todos que ser bloguerinhas (risos).
Citaçãocitacao"O consumo de media e cultura é muito acelerado hoje em dia. E isso não encaixa no método de trabalhar em música, que é lento".
E como avaliam a indústria do streaming, a forma como o algoritmo funciona na escolha das músicas para quem ouve e como os artistas são pagos. É um mal necessário?
ER: Não existe uma forma de contrariar esse modelo de negócio, que é imposto pelas empresas que ditam as regras do mercado. Ao longo dos anos houve uma apropriação do canal de comunicação entre quem produz e quem quer ver ou ouvir e não há como voltar atrás. E o mercado é cada vez mais complexo. Antes a ligação entre o público e os criadores tinha um processo de curadoria, mais ou menos justo, escolhido por meios de comunicação, hoje o método de consumo é algo que se paga para aparecer. O único fator que determina se chegamos às pessoas é o capital, o que sempre foi mas nunca como agora e à distância de um clique.
Como dupla, quando perceberam que funcionavam bem?
CS: Há muitos anos havia um bar no Porto que um dia por semana abria o palco a quem quisesse. O Ed [Rocha] tocava com amigos, mas não tinham ninguém para cantar. E lembrou-se que eu cantava, experimentamos e correu bem. E isso já foi há quase 20 anos...(risos)
ER: Depois tivemos uma banda, que acabou e cada um seguiu o seu caminho, e, entretanto, decidi fazer um disco sozinho e convidei a Catarina para cantar uma música e quando voltámos a fazer música os dois, houve o tal clique.
Mas cada um tem as suas influências musicais, onde é que elas se encontram e se separam?
ER: Somos os dois fãs de canções, com refrões com harmonias e melodias ricas. Mas às vezes há coisas que andamos a ouvir e partilhamos um com o outro e não gostamos.
CS: O Ed é mais do mundo rock e coisas mais obscuras, e eu mais pop, mais solarengo e também mais bluesy.
Têm 11 anos de banda. Estão agora no caminho que queriam estar?
ER: Uma carreira não é uma linha sempre a crescer, tem altos e baixos e isso é muito importante de perceber. Por um lado, não imaginávamos estar onde estamos, mas por outro lado pensávamos que podíamos estar a tocar no Madison Square Garden. É tudo muito volátil.
CS: O facto de termos um estilo musical definido e de cantarmos em inglês. Não somos comerciais nem indie suficientes, somos uma banda de limbo, e por isso mesmo às vezes ainda achamos surpreendente existirmos (risos).
E sabem que é o vosso público?
CS: É muito díspar. Apesar de termos um género musical próprio e consistente, cada disco que lançamos tem uma reação diferente de públicos diferentes.
ER: Acho que não chegamos muito às pessoas mais novas, o que me surpreende um pouco. Mas, claro que é tudo relativo, mas imaginava que poderíamos ter um público mais jovem. A dúvida é muito "2020": não sabemos se o público não gosta ou se é a tal questão do algoritmo que não lhes chega. Mas a forma de consumo de música é hoje muito diferente...
E continua a existir uma cena musical do Porto diferente do resto do país?
ER: De certa forma, pode parecer injusto, mas temos de ter mais resiliência, estamos muito mais distantes dos centros de decisão e dos media. Mas não é só do Porto, as bandas do Algarve também. Em termos sonoros, acho que há um caráter do Porto...
CS:..é a cor, o norte é mais melancólico, a arquitetura do norte é mais escura e isso influencia na forma como escreves as letras e fazes as canções. A música do norte do país tem um pouco mais de nortada inerente.
Cantam em inglês nunca pensaram numa carreira internacional?
ES: Quando começámos éramos sonhadores a achar que poderíamos ir além-fronteiras..., mas tem a ver com a escala e infraestruturas. Somos uma banda independente, não temos uma grande estrutura a apoiar.
CS: E o país não se esforça muito em exportar música. Ainda pensamos pequenino, nesse sentido. Há música portuguesa inacreditável e cantada em que língua for. Mas não tiramos proveito disso.
ER: Mesmo as estruturas grandes em Portugal estar viradas para dentro. Na verdade, não existe um veículo eficaz para que a música portuguesa saía de Portugal. As bandas que o tentam sabem que é um caminho muito, muito difícil.
filipe.gil@dn.pt