Uma banda desenhada contra a versão da Bíblia. Darwin agradece

Regressar ao tempo de Charles Darwin e aos contratempos implicados na formulação da sua teoria sobre <em>A Origem das Espécies</em> através de dois álbuns de banda desenhada. Uma cruzada e uma leitura atual.
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O grande desafio para o autor do argumento da "biografia" em banda desenhada de Charles Darwin foi como "abordar uma personagem desta dimensão e um tema demasiado grande para um homem só?" Christian Clot, da Sociedade de Exploradores Franceses, precisou de dois volumes e 98 pranchas, além dos encartes históricos, para explicar o cientista mais polémico do século XIX, mas não dá apenas o seu retrato - num livro ilustrado por Fabio Bono - enquanto o investigador que retirou a Deus o papel da criação da humanidade e de todas as espécies que habitam a Terra.

Antes de mais, Darwin - A Bordo do Beagle e Darwin - A Origem das Espécies não são apenas dois volumes de BD, resultam de uma investigação histórica como a que o autor já tinha feito em [Fernão] Magalhães - Até ao Fim do Mundo e Tenzing - No Teto do Mundo com Edmund Hillary, combinando a vida destes "aventureiros" com aquilo que acrescentaram ao mundo.

Tudo nestes dois álbuns começa a 30 de janeiro de 1831, o dia em que Darwin termina o curso universitário, onde desde logo se percebe que os dizeres dos amigos com que celebra o fixam como amante de coleópteros, pedras e livros. No entanto, o destino de Darwin é casar-se, ser pastor e dedicar-se à religião em vez de ser um cientista que pode revolucionar o mundo da ciência. Subitamente, o jovem Charles é escolhido por um amigo para embarcar numa viagem marítima a bordo do veleiro Beagle, que tem por missão recolher amostras na extremidade meridional da América e o capitão do navio precisa de um naturalista que o acompanhe. A história de Darwin vai ligar-se à do capitão Fitz Roy até ao último dia deste - é como o segundo álbum termina - e juntos percorrem zonas do planeta que irão espantar Darwin e fazê-lo questionar-se sobre o porquê das variedades numa mesma espécie e criar a ideia de que existe uma adaptação natural.

Entre os momentos mais interessantes destes dois volumes está o questionamento religioso de Charles Darwin e do capitão Fitz Roy perante certas descobertas, como, por exemplo, a realizada num atol do oceano Índico. É aí que o cientista percebe que a evolução das espécies só pode ter decorrido num lapso muito maior do que aquele que está descrito na Bíblia. Uma premissa que gera uma discussão enorme entre ambos e que termina com uma briga violenta. É neste momento da página 40 do segundo volume que se percebe o alcance desta viagem no Beagle e de como ela forneceu os argumentos científicos para Darwin chegar a conclusões que vão pôr em causa todo o pensamento científico da época.

O autor, Christian Clot, apanha numa única frase o alcance do que Darwin equaciona no final dessa briga ao colocar na boca do capitão o seguinte: "Se dois homens como nós, amigos, inteligentes e educados, chegam a este ponto, o que acontecerá se o mundo começar a duvidar?"

Para explicar as teorias de Darwin, os dois álbuns vão sendo construídos segundo a cronologia verdadeira de como tudo se deu. Para tal, Darwin é passeado pelo sul da América, pelo oceano Pacífico, por tribos desconhecidas e lugares e naturezas que o fazem apreender o modo como a vida animal - o homem virá em sequência - no planeta foi surgindo e se desenvolveu. É o caso da estada na ilha Isabela, nos Galápagos, onde ao estudar as variedades da iguana percebe a sua diversidade e evolução da espécie.

E num simples balão está mais uma frase em que Christian Clot coloca Darwin a explicar de forma metafórica que a diversidade de um mesmo animal se deve à evolução das espécies como se "Deus precisasse de fazer esboços" até atingir a perfeição. Aliás, a questão religiosa que impediu e atrasou por muito tempo o cientista na publicação das suas obras polémicas e reveladoras é um dos pilares destes dois livros, recordando ao leitor contemporâneo como era difícil romper as barreiras do pensamento religioso de então.

Os quadradinhos finais, quando se apresenta na reunião da Associação Britânica para o Avanço da Ciência, já em 1860, são um bom exemplo da contestação que se verificou na altura. Num canto de uma das páginas surge a caricatura de Darwin com um macaco e o cientista a reclamar que muitas das críticas se resumiam a uma teoria que não tinha sequer formulado em A Origem das Espécies.

Darwin - A Bordo do Beagle
Darwin - A Origem das Espécies

Christian Clot e Fabio Bono

Editora Gradiva

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