Perante a estreia de A Savana e a Montanha, de Paulo Carneiro, é forçoso sublinhar que a situação social nele abordada, com conotações mais ou menos políticas, mobiliza a nossa atenção e as nossas sensibilidades. Dito de outro modo: não será preciso falar de cinema para reconhecer que os dramas dos habitantes de Covas do Barroso, no concelho de Boticas (Trás-os-Montes), têm tanto de atual como de perturbante.Que está, então, em jogo? Acontece que a existência da pequena comunidade rural de Covas do Barroso se viu subitamente confrontada com o projeto de uma empresa britânica, Savannah Resources, que planeia construir na região a maior mina de lítio a céu aberto da Europa.Na apresentação oficial do projeto, e tendo em conta a evolução global das formas de energia, a empresa recorda que a Comissão Europeia prevê que em 2030 a União Europeia necessitará de 18 vezes mais lítio do que aquele que foi consumido em 2020 (e 60 vezes mais no ano de 2050). Além do mais, a Savannah Resources refere que, tendo em conta o crescente papel que o lítio desempenha nos setores de transportes e energia, a Comissão Europeia classificou mesmo este metal, em setembro de 2020, como uma matéria-prima crítica (“critical raw material”).A conjuntura social, económica e jurídica em que tudo isto está a acontecer é suficientemente complexa para nem sequer tentar resumi-la nestas linhas (até porque devo humildemente reconhecer que me falta a capacidade científica e sociológica para sopesar todos os dados de tal conjuntura). Tentando ficar pelas linguagens cinematográficas, diria que o risco mais interessante de A Savana e a Montanha - que é também, a meu ver, a sua maior limitação - consiste em optar por um registo ambíguo de documentário. Ou melhor, pela elaboração de uma narrativa em que a eventual frieza documental vai sendo transfigurada pela dimensão festiva da ficção.Porquê festiva? Porque não deixa de ser contagiante depararmos com um coletivo de cidadãos que, na legítima defesa dos seus direitos, aceita representar os “seus próprios papéis” como se estivessem numa aventura contaminada pela iconografia do clássico “western” americano. Tendo em conta que a militância da população surge, por vezes, através de canções originais (compostas e interpretadas por Carlos Libo), a promoção classifica mesmo A Savana e a Montanha como um “western musical”.No contexto histórico do cinema português, e tendo em conta a transfiguração da ruralidade em ficção, poderão, talvez, surgir as memórias do cinema de António Reis e Margarida Cordeiro. Com uma diferença que não é secundária: agora, predomina o registo panfletário; em filmes como Trás-os-Montes (1976), a crueza da terra comunicava com o poder transcendental da poesia. .Catherine Deneuve: A mulher do Presidente tem bom humor.Na intimidade da arte fotográfica