São as maiores sementes do mundo vegetal, pesam até 20 quilos e alcançam os 50 cm de comprimento. Ao longo de séculos, os navegadores europeus encontravam, bailantes nas ondas oceânicas, estes testemunhos das Ilhas Seychelles. Ali, a palmeira que produz o coco-do-mar agita aos ventos índicos as suas folhas de dez metros de comprimento. Desconheciam-lhe a origem aqueles homens de séculos pretéritos e descortinavam-lhe histórias fantásticas por associação à pélvis feminina ensaiada na forma do coco-do-mar. “Especulava-se sobre a existência de poderes malignos associados a esta semente; também a prova de florestas submersas. A Europa deu uso a estas sementes, com o fabrico de recipientes e, durante o Renascimento, o preço do coco-dos-mar igualou o do ouro”, explica o biólogo e especialista em etnobotânica Luís Mendoça de Carvalho, na visita guiada ao Museu Botânico do Instituto Politécnico de Beja (IPB), périplo no âmbito da ação de biodiversidade do Festival Terras sem Sombra. .Na condição de anfitrião da exposição permanente deste polo museológico inaugurado em 2002, Luís de Carvalho não esconde o entusiasmo pelos “tesouros” à guarda de um pequeno museu na dimensão, grande na diversidade, cujas coleções remontam a meados da década de 1990. Um museu cujo objetivo é, também, o de “trazer aos visitantes uma dimensão pedagógica de temas muitas vezes fechados no âmbito académico”, sublinha Luís de Carvalho. .Dos primórdios da instituição, retém-se que reuniu objetos naturais, matérias-primas de origem vegetal e artefactos para apoio às aulas. Entretanto, nas últimas décadas, o núcleo fundador enriqueceu-se com a compra, doação e depósito. “Hoje, a exposição permanente e a sala de reservas reúnem cerca de dois milhares de objetos, a que acresce um acervo fotográfico com perto de 1500 imagens”, destaca o diretor do Museu Botânico. Um acervo que nos reserva preciosidades como o artesanato açoriano, materializado, entre outros artefactos, em flores de alho e cebola e no cesto decorativo de miolo de hortênsia, planta nativa do Japão e da China que terá sido introduzida nos Açores no século XIX, hoje um elemento intrínseco aos bilhetes-postais daquelas ilhas. Do Algarve, mais concretamente de Martinlongo, Luís de Carvalho destaca delicadas bonecas manufaturadas a partir de juta (fibra têxtil vegetal) e, de Viseu, um rosário produzido com as lágrimas-de-job, folhas transformadas, e com aspeto vítreo de uma gramínea da Ásia Tropical. “Em algumas tribos da Papua Nova-Guiné, as viúvas usam, em sinal de luto, colares feitos com lágrimas-de-job, alguns a pesar 20 quilos”, lemos no livrinho de apoio ao visitante disponibilizado à entrada do museu. Também do Oriente, dá mostra a exposição de uma delicada camisa filipina Barong Tagalog, “tecida a partir da fibra das folhas do ananás”, salienta o nosso anfitrião. .Um museu que faz mostra dos usos que as sociedades humanas fazem do mundo vegetal abre-se-nos como uma caixa de surpresas, por vezes a orientar-nos para territórios inusitados. Luís de Carvalho chama a atenção para o colete salva-vidas que repousa num dos expositores: “é uma réplica daqueles que foram usados, em 1909, na viagem inaugural e também fatídica do RMS Titanic e conta com dois produtos marcadamente portugueses, o linho e a cortiça”. Ainda no campo das singularidades, destaca o diretor do Museu Botânico do IPB, “as caixas de rapé esculpidas no passado na Noruega a partir da maior vagem do Reino Vegetal, o feijão-do-mar, que pode atingir 180 cm de comprimento. Este, viajava, à boleia das correntes oceânicas, desde mares tropicais, a seis mil quilómetros de distância, até ao litoral da Escandinávia”. Um périplo à sala da exposição permanente deste núcleo museológico revela-nos outras histórias de gigantismo, como a maior pinha do Reino Vegetal, a do pinheiro-da-califórnia; ou peculiaridades como aquela que nos é revelada pelo marfim vegetal que “corresponde às reservas (endosperma) dos embriões de algumas palmeiras. O marfim vegetal pode, efetivamente, ser utilizado para substituir o marfim de origem animal (...) No século XX, foi utilizado no fabrico de botões”, lemos no livro de apoio à exposição..Luís de Carvalho orienta a atenção dos visitantes para uma écharpe de pastel. “O pastel é obtido a partir de uma planta herbácea europeia. As folhas de Isatis tinctoria L., são submetidas a um processo fermentativo. Deste, obtém-se um fermento azul que pode ser misturado com outros pigmentos. Daqui, chega-se a outras cores, como o verde. Durante o século XVI, os Açores foram um importante centro de cultivo, processamento e exportação de pastel”, concluí o doutor em Sistemática e Morfologia de Plantas (Etnobotânica) pela Universidade de Coimbra. Nos anos que traz de existência, o Museu Botânico do IPB apresentou mais quatro dezenas de exposições temporários de que são exemplo “De St. Mary Mead ao Cairo - As Plantas de Agatha Christie” (2011) e “Uma História Botânica do RMS Titanic” (2012-2016); assim como fez empréstimos a exposições terceiras, entre outras, “Encompassing the globe” (Smithsonian Institution, Washington D.C., 2007), “As Flores do Imperador” (Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2018).