Um país bem deslocado na Eurovisão
A canção portuguesa na Eurovisão deste ano é sóbria e emocional, tal como a que nos deu a vitória há 7 anos, ambas a 13 de maio. Em 2017, Portugal ganhou. Milagre, disseram muitos! Em 2025, Portugal passou à final. Milagre, dizem muitos!
Poder-se-á concluir que nos damos bem com o 13 de maio na Eurovisão, porém, o que mais importa verificar é a verdadeira chave para o sucesso – o sentimento –, que é o que, precisamente, une Amar Pelos Dois e Deslocado. Neste ano, indubitavelmente, Portugal é um país deslocado na Eurovisão – positivamente –, face à bolha predominante, sendo talvez isto o que nos fez passar à final.
Deslocado tem sido a canção mais ouvida no Spotify. Ao mesmo tempo, a Inteligência Artificial (IA) até foi "simpática" para o grupo português, porque, ao contrário dos dados das casas de apostas, a IA acreditou que os NAPA podiam chegar à final e conquistar o Top 10, "se a performance for à altura da canção" (IA). Antes, porém, ao conhecerem os temas a concurso no festival português, as apostas internacionais deram-nos um Top 10 garantido para algumas das canções, sendo que duas foram muito faladas para vencerem o concurso eurovisivo. Porém, pelo contrário, a canção que viria a triunfar no Festival da Canção, em Lisboa, fez cair Portugal no fundo da tabela, antevendo uma hipótese remota de se apurar para a final, que é o desejo tão sempre aguardado pela RTP, mais do que vencer. Há que lembrar a euforia extravagante dos locutores portugueses, quando isso aconteceu, na terça-feira passada, porque temiam o pior.
Com uma interpretação feita, intimamente, numa leveza de um pássaro viajante, com ou sem destino, o grupo quis passar a mensagem em relação aos estudantes ilhéus no Continente, nomeadamente em Lisboa, sendo extrapolada, pelo público, para outras regiões e outros países: "Por mais que possa parecer / Eu nunca vou pertencer àquela cidade / O mar de gente, o Sol diferente / O monte de betão não me provoca nada / Não me convoca casa".
Acontece que a letra da canção promove o amor pela terra de origem, mas desconsidera as cidades grandes. Isto tem dupla interpretação. Por um lado, o regressar à terra contribui para o reforço dos laços familiares e o desenvolvimento dessas regiões, mas, por outro, talvez não se atenda à importância das cidades grandes, que precisam de gente capaz de as manter como polos de desenvolvimento a uma escala maior. Quanto à emigração portuguesa, tópico que não terá estado na ideia dos NAPA, a sua relação tem sido referida nestes dias: "Não há como não chorar ao ouvi-la", dizem os deslocados noutros países, confirmando que a canção tem uma mensagem saudosista sobre a casa que nunca se perde em nós e prevalece intacta no coração.
Quanto à música, há quem diga que tem influências suaves, desde o pop de The Beatles ao indie rock de Arctic Monkeys, e se vai gostando mais dela em cada audição. Desta vez, não sucumbimos às tendências musicais eurovisivas dos grandes truques cénicos e performativos e provamos que este é o registo em que os portugueses melhor se apresentam – "A música não é fogo de artifício, é sentimento" (Salvador Sobral).
A RTP continuará "cantando e rindo", e estas pequenas ou grandes conquistas não devem fazer esquecer alguns pontos a considerar.
Os amigos que anualmente são convidados pela RTP sempre esperam – os que esperam – uma oportunidade para irem aos seus baús das cantigas e dizerem que a sua foi feita para a Eurovisão. Umas são, outras não. Umas até se aproximam de uma receita preconcebida. E os responsáveis diretos respiram fundo de alívio por terem material para apresentar.
– Afinal, que interessam as centenas de canções livremente submetidas, se esse lote nem atinge 50% das poucas a concurso?
Genericamente, as organizações são feitas pelos seus recursos humanos. Não tenho dúvida de que, neste particular, os responsáveis da RTP fazem o melhor até ao limite da sua criatividade, da sua convicção sobre métodos e das suas capacidades executivas. Porém, admite-se que seja necessária uma atualização, por antecipação, para esta tarefa objetiva e de conteúdo transdisciplinar.
Sabemos como a regeneração organizacional abre espaço para o crescimento e a inovação, mas também se manifesta como uma resposta vital à dificuldade do tema de que estamos a tratar, ou seja, escolher uma canção para a Eurovisão, contribuindo para a promoção da imagem positiva do país por via da música, num contexto competitivo e sempre aberto às novidades. A RTP poderia enfrentar este desafio com mais abertura para ouvir opiniões externas e com a criatividade tonificada para se superar todos os anos.
Há que pensar em alguns pontos referidos por tantos e tantos fãs nas redes sociais, a que "A Voz do Cidadão" deu voz na própria estação do Estado, ou seja, a necessidade de um novo método de seleção prévia, bem como a substituição dos júris formados pela RTP por um júri internacional ou por um sistema triplo de avaliação (nacional, internacional e televoto).
Mais de meio século passado sobre a mudança política em Portugal, o país e os portugueses continuam com dificuldades graves no seu quotidiano. Num tema muito menos importante do que a crise habitacional ou a da saúde, "já não se fazem canções como antigamente", dizem muitos, aquelas que podiam ter vencido se não fossem as externalidades políticas e a dificuldade de organizar o espetáculo, em Portugal, durante as primeiras três décadas e meia de festival (1964-1998). A música é algo que nos acompanha, hoje e sempre.
Passados estes anos e uma vitória, pergunto:
– Onde é que se encontra a música portuguesa mais culta nos programas da manhã e da tarde dos diferentes canais televisivos generalistas?
Salvo melhor opinião, se fosse diferente do que é, isso contribuiria para a educação do gosto e a promoção da cultura musical em Portugal.
Investigador em Eurovisiologia