Um modo íntimo de estar no fado
Acredita que, em música, menos é mais. Carlos Leitão, 42 anos, fadista desde que se conhece, mas com uma incursão longa no jornalismo, acaba de lançar o seu quarto disco (aquele de que gosta mais, admite) e, não por acaso, deu-lhe o título de Simples. Isto porque, esclarece no texto de introdução, "ser simples é a coisa mais difícil que existe. E quase sempre também é a mais bela de todas as coisas." Ao todo, são 11 temas, todos escritos pelo intérprete, à exceção do último, À Bia, com letra de Tiago Torres da Silva e música de Paulo de Carvalho. Um tema que homenageia um nome grande do fado, Beatriz da Conceição (1939-2015), exemplo das virtudes artísticas que Carlos preza: simplicidade, recato e parcimónia na interpretação.
Tudo começou na infância: "O meu pai, Emídio Leitão, cantava fado como amador, o meu avô tocava requinta, que era uma guitarra portuguesa mais pequena do que a tradicional. Nasci a ouvir fado em casa, fosse o meu pai, fosse porque era o que tocava no gira-discos. Muito cedo comecei a apaixonar-me por vozes como a do Carlos Ramos, que me impressionava muito pelo timbre." Ao longo da adolescência, este amor foi convivendo com o sonho de ser jornalista, em particular relator desportivo, na rádio: "Quando eu era miúdo, não se transmitiam tantas partidas de futebol na televisão e passava as tardes de domingo colado ao rádio." Ao som da música para os seus ouvidos que eram os golos do Benfica, ia escrevendo letras para fados. A primeira, aos 15 anos, "era uma letra dedicada ao Alentejo, toda a minha família é de Arraiolos."
Para além disso, sentia-se muito bem no ambiente das casas de fado que começara a frequentar com o pai: "Quando tinha desgostos de amor ia para os fados, quando não tinha também ia. Tudo era pretexto para estar ali." Uma escolha musical que não o tornava muito popular entre o pessoal da sua idade, mais dado ao pop-rock: "Eu tendia a falar pouco do assunto mas, certa vez, o diretor da escola convidou-me para cantar na cerimónia da entrega dos prémios aos melhores alunos, um dos quais era eu, o que, à partida, já não me tornava muito popular. Fartaram-se de rir e eu só queria sair dali depressa."
Concluído o curso de Jornalismo, trabalhou durante dez anos na imprensa escrita, incluindo o DN, e uma passagem pelo Alentejo das suas raízes. Foi aí que, sob o estímulo do músico Custódio Castelo, começou a "levar a música mais a sério" e gravou o seu primeiro disco de originais, Quarto, publicado em 2013. Seguir-se-iam Sala de Estar e Casa Vazia. E agora, no que parece ser o rescaldo da pandemia, este Simples.
Dos 10 anos de jornalismo, trouxe Carlos "o grande cuidado com as letras". Cada vez mais importante, sublinha, num tempo em que "há uma preocupação excessiva com tudo o que deveria ser acessório na música, que são as roupas, os penteados, as redes sociais. Confesso que o acting de muitos artistas tende a irritar-me muito." Com referências exigentes (José Carlos Ary dos Santos, Pedro Homem de Mello ou João Dias), procura que este disco (produzido também por si) expresse aquilo que pensa dever ser o fado: "Há muita coisa a nublar a simplicidade da música. Acredito que, em primeiro lugar, deve vir a palavra até porque este é o género musical que nos distingue no mundo. Mas muitas vezes são os próprios arranjos musicais que tolhem a atenção. Se tiver que haver um flic-flac, que seja muito bem feito ou que se enquadre naquilo que está a se está a passar. A letra não pode falar dum tremendo desgosto amoroso e a música sugerir um vira."
Cultor do património histórico do género que elegeu (ao longo da conversa, falará várias vezes de Amália, mas também de Carlos Ramos, Carlos do Carmo e, como já vimos, de Beatriz da Conceição), procura sempre que este seja celebrado em condições propícias. No Clube do Fado, em Alfama, onde canta há cerca de 10 anos, procura que os espectadores, ainda respeitem a velha, mas nunca desusada, regra: silêncio, que se vai cantar o fado. "Também parte de nós, artistas, fazermos uma certa pedagogia: A quem não sabe, tento explicar que não se bate palmas ao som do fado ou que não se conversa. Tal como acontece em Espanha, com o flamenco, ou na Argentina com o tango."
Na próxima 3.ª feira, dia 15, o fadista sobe ao palco do Teatro Maria Matos, em Lisboa, para apresentar este Simples. É um momento que reconhece ser especial, não apenas porque se trata duma sala grande, em tudo diferente do intimismo da casa de fados, mas também porque é a mesma em que, ainda miúdo, cantou num concurso de talentos da Rádio Renascença chamado Lugar aos Novos. Seguir-se-á a Áustria (onde já cantou várias vezes) e o que mais aparecer. Com o recato e a simplicidade de que gosta.
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