Trudy Ederle.Em 1926, ela foi a heroína americana
Foram 14 horas e 31 espantosos minutos que ficaram registados nos anais do desporto, a 6 de agosto de 1926. Antes de Gertrude Ederle (1905-2003), nenhum nadador conseguira alcançar esta marca temporal na travessia a nado do Canal da Mancha - muitos nem chegavam a meio do caminho, impedidos pela força das correntes ou em virtude de outros infortúnios. E porém, uma jovem americana de 20 anos, contra todo o sistema de expectativas da época, fez o impossível e teve direito ao maior desfile em homenagem a um atleta na história de Nova Iorque - as imagens de arquivo no final de A Jovem e o Mar comprovam-no, e é simplesmente impressionante que hoje em dia o seu nome seja tão desconhecido.
“Fiquei chocado por não conhecer esta história, porque foi um evento mundial quando aconteceu, há quase 100 anos. E, em muitos aspetos, provavelmente mudou o desporto feminino para sempre!”, começa por dizer o realizador Joachim Rønning, em jeito de espanto partilhado, na conferência de imprensa virtual onde o DN marcou presença.
O filme com selo Disney, que já está disponível no seu serviço de streaming, é uma daquelas produções salutares para ver em família, que cumprem o desígnio de traduzir uma narrativa extraordinária em momentos mais ou menos convencionais, imbuídos de uma robustez inspiradora e comovente. Basta que se note, por exemplo, como o facto de Gertrude, ou Trudy, ter sobrevivido a um caso grave de sarampo em criança se conjuga com as suas proezas como adulta, entre muitas vitórias nacionais e uma grande frustração olímpica.
Tudo isso estava no livro Young Woman and The Sea, de Glenn Stout, e ganha agora uma feliz expressão dramática pela mão do norueguês, que antes assinou para os estúdios do Rato Mickey Piratas das Caraíbas: Homens Mortos Não Contam Histórias e Malévola: Dona do Mal, depois da aventura marítima Kon Tiki - A Viagem Impossível.
Diz o próprio: “A Jovem e o Mar é um filme que concentra o que procuro como realizador: é obviamente um drama, mas tem muito afeto, emoções, humor e, num certo sentido, é assustador. Tudo isto estava nas páginas do maravilhoso argumento do Jeff Na- thanson [que adaptou Glenn Stout]. E sinto-me muito honrado e orgulhoso de ter feito parte do projeto, de ter tido a oportunidade de contar a história de Trudy às minhas filhas, que são adolescentes, e também às outras filhas por esse mundo fora.”
Interpretada por Daisy Ridley, Trudy é mesmo um ser estimulante: “É a personagem mais jubilosa que já interpretei, o que proporcionou alegria no trabalho. É uma jovem tão determinada, que, honestamente, não vê as barreiras que toda a gente conhece - está apenas na sua jornada, no seu caminho para fazer aquilo que adora. Mas, para mim, o todo foi maior do que apenas a parte de interpretá-la”, sublinha a atriz britânica, num painel que conta ainda com o produtor veterano Jerry Bruckheimer, sempre preocupado em referir o esforço físico de Ridley, a nadar em águas de muito baixa temperatura...
E ela reconhece: “Acabamos por ter uma compreensão momentânea daquilo que a Trudy fez. Quer dizer, deve ter sido tão difícil e solitário... Da minha parte, ficava feliz só por poder sair [da água] e aquecer-me de tempos a tempos.” Palavras de quem se preparou para a personagem treinando com a medalhista olímpica Siobhan-Marie O’Connor.
O fator família
Apesar da sua heroica trajetória dentro de água, A Jovem e o Mar não se resume ao feito maior de Trudy Ederle. Trata-se de um biopic que procura dar contexto à personalidade desportiva focando um lar gerido e sustentado por pais imigrantes alemães. “Quis contar a história de Trudy pelos olhos da sua família”, esclarece Rønning. “Porque a verdade é que eles estiveram sempre com ela. Além de que representam diferentes papéis na sociedade da época, com a opressão, os céticos, etc. Acho que a família é tão importante quanto a aventura e a façanha em si mesma.”
Ideia corroborada por Ridley, que faz questão de realçar a natureza de qualquer filme based on a true story: “É uma versão do que aconteceu. O nado é real, mas claro que há aqui licenças criativas. Ou seja, tive uma oportunidade incrível de interpretar alguém que existiu, mas sobre a qual não havia informação suficiente para conhecer em detalhe as dinâmicas familiares. Como qualquer espectador saberá, o funcionamento interno de uma família é difícil de entender do lado de fora. Nesse sentido, explorei o que é real e documentado, com margem para imaginar como eram estas relações.”
Sendo certo que, fora do ninho familiar, a estupenda personagem de Stephen Graham, o nadador Bill Burgess, foi de facto quem treinou Trudy na muito bem-sucedida travessia do Canal da Mancha. “Ele é o grande choque de energia do filme”, diz Ridley. E nós concordamos plenamente.