Há filmes a que, por razões óbvias, o título original basta como identificação — ninguém esperava que Titanic fosse lançado como “A saga do paquete que foi ao fundo”. Ainda assim, há uma lição bizarra que o espectador atento às convulsões do mercado foi aprendendo ao longo dos anos: quando um filme é lançado apenas com o título original (sem sequer se usar a hipótese de um subtítulo português), é mais que provável que quem o distribui não tenha qualquer empenho, muito menos crença, na sua valorização... Assim acontece com The Pickup, uma realização de Tim Story (responsável pela versão de Shaft, com Samuel L. Jackson, estreada em 2019), disponível na Prime Video, sem ter passado pelas salas. Infelizmente, reencontramos um sintoma do esgotamento de fórmulas e formatações em que se transformou a actividade de Eddie Murphy, brilhante figura do “stand-up” norte-americano e, na década de 80, ator de várias comédias de contagiante sofisticação — a começar, claro, por 48 Horas (1982), de Walter Hill —, aqui, uma vez mais, na dupla condição de ator e produtor. Aliás, na melhor das hipóteses, The Pickup poderá ser encarado como uma tentativa de reativar o modelo da dupla burlesca que Murphy construiu na companhia de Nick Nolte em 48 Horas e 48 Horas – Parte II (1990), sempre sob a direção de Hill. Neste caso, a dupla é constituída por dois empregados de uma firma de transportes especializada em entregas (nomeadamente de dinheiro) que exigem medidas de alta segurança. Russell, a personagem interpretada por Murphy, é um veterano que sai de manhã para o trabalho, prometendo a sua mulher Natalie (Eva Longoria) que, desta vez, não faltará aos seus deveres conjugais, ou seja, o jantar de celebração dos 25 anos do casal. Nesse mesmo dia, Russell acolhe, com evidente má vontade, um novo companheiro de trabalho, Travis (Pete Davidson), especialista em criar confusões mais ou menos comprometedoras... O modelo é conhecido e convenhamos que todos os seus lugares-comuns se vão cumprindo com duvidosa eficácia, ainda que as personagens femininas — além de Natalie, há também Zoe (Keke Palmer), uma figura susceptível de confundir a moralidade de tudo o que está a acontecer — contribuam, pelo menos, para baralhar um pouco os dados iniciais. Seja como for, a execução geral de The Pickup reflete uma lógica cada vez mais influente (e, a meu ver, negativista) em zonas da produção de Hollywood instaladas na repetição de regras que poucos arriscam repensar e reinventar. Ironicamente, as entidades produtoras — Davis Entertainment, Eddie Murphy Productions e The Story Company (fundada pelo realizador) — não deixam de ser símbolos daquilo que é, ou poderia ser, uma produção genuinamente independente.