O elenco de estrelas de The New Look: Juliette Binoche (à direita), Ben Mendelsohn (centro), Nuno Lopes (atrás), John Malkovich (à esquerda), Maisie Williams (no degrau).
O elenco de estrelas de The New Look: Juliette Binoche (à direita), Ben Mendelsohn (centro), Nuno Lopes (atrás), John Malkovich (à esquerda), Maisie Williams (no degrau).

The New Look: a moda que sobreviveu à guerra

Chega amanhã à Apple TV+ outro olhar, em episódios, sobre os grandes nomes da moda na Paris dos anos 1940. The New Look centra-se em Christian Dior e Coco Chanel, interpretados por Ben Mendelsohn e Juliette Binoche, mas também traz Balenciaga por Nuno Lopes.
Publicado a
Atualizado a

A 28 de março de 1945 inaugurava-se no Louvre o Théâtre de la Mode, exposição composta por cerca de duzentas bonecas de 70cm vestidas com as criações dos principais estilistas de Paris. Foi uma forma de fazer “renascer das cinzas” a indústria da moda francesa, após a Segunda Guerra Mundial, exibindo o trabalho dessas figuras renomadas da alta-costura e angariando fundos para os sobreviventes. Uma iniciativa que atraiu mais 100 mil visitantes, tendo em dois vestidos desenhados por Christian Dior (1905-1957) as peças de maior sucesso... Ou pelo menos é isso que se diz na série The New Look, de Todd A. Kessler, em estreia amanhã na Apple TV+, um biopic que ganha fôlego sobretudo como visão panorâmica do impacto da ocupação nazi na cena da alta-costura parisiense e, em especial, dos modos de sobrevivência nesse período negro, que definiram os lugares na história dos criadores Dior e Coco Chanel (1883-1971). 

Essa rivalidade é assinalada logo no primeiro episódio, que se passa em 1955, quando Chanel tenta restabelecer a sua imagem junto dos jornalistas, e Dior, de visita à Sorbonne, é recebido em êxtase, surgindo da vasta audiência uma pergunta relacionada com a tal fase sombria. A partir da questão “o que fizeste em Paris durante a ocupação nazi?”, The New Look traça o percurso dos dois designers de moda, num longo flashback que se estende até ao décimo episódio, dando conta da ascensão de Dior, enquanto personagem que procurou uma luz nas suas peças femininas, e da queda lenta de Chanel, cujo dúbio capítulo do colaboracionismo e posterior investigação mostram uma mulher enredada na teia da história, incapaz de não priorizar os seus negócios e vida material, apesar de não ser uma vilã. 

Interpretados por Ben Mendelsohn e Juliette Binoche, Dior e Chanel funcionam assim como duas perspetivas de um período que envolve outros criadores, mas que aqui é aprofundado pelos seus dramas individuais, em particular o da irmã do estilista, Catherine Dior (Maisie Williams), uma integrante da Resistência Francesa que terá sido a grande inspiração por trás dos vestidos Dior do pós-guerra, e a mulher a quem é dedicado o perfume Miss Dior. Todo um retrato humano de glamour contido e repulsa nazi, que vai da presença de Chanel em salões com oficiais de Hitler aos encontros de Christian Dior com as suas amizades de profissão, o espanhol Cristóbal Balenciaga e Pierre Balmain, na troca de ideias sobre como agir perante o inimigo. Um contexto profissional que inclui também o costureiro Lucien Lelong (na composição tranquila de John Malkovich), para quem Dior começou por trabalhar. 

Ao contrário da muito recente série Cristóbal Balenciaga (Disney+), que se assume como um objeto mais devoto do seu protagonista, explorando especificamente a sua arte do design e costura, The New Look contempla uma fatia maior da realidade da época, traduzindo-se numa menor atenção ao trabalho criativo de Dior, este que se pode resumir na simples ideia de beleza associada à esperança: os seus vestidos procuraram trazer um recomeço de talhe feminino a uma sociedade e um mundo em processo de cicatrização. 

Um português entre estrelas

Nos referidos encontros, um Cristóbal Balenciaga encarnado por Nuno Lopes dá-nos o lado da personagem fora da respetiva maison de alta-costura, embora mantenha a sua reserva natural. “A figura de Balenciaga sempre foi envolta de um grande mistério”, começa por lembrar ao DN o ator. “Muito pelo facto de não dar entrevistas – deu duas, e uma delas foi já depois da reforma –, por passar a imagem de alguém muito austero, e porque, acima de tudo, era extremamente privado. Queria que as atenções se ficassem por aquilo que criava. Depois, era católico, de educação humilde e dignidade inata, um ritualista que falava muito pouco, que era muito exigente com os seus trabalhadores, e ainda mais consigo próprio. Mas a questão da privacidade prende-se também com o facto de ele raramente aparecer em público: ao contrário dos outros estilistas, no final dos seus desfiles não vinha agradecer ou falar com os potenciais clientes.” 

Se Nuno Lopes descreve assim o homem que interpreta em The New Look, não se coíbe, porém, de lhe dar uma nuance calorosa numa série que retrata tempos de angústia coletiva – é bonita a cena que partilha sozinho com Dior/Mendelsohn, os dois a deliciarem-se com chocolate suíço... um quadradinho cada um. “O Dior tinha uma admiração profunda pelo Balenciaga”, diz. “É dele a expressão “master of us all”, justamente porque o Balenciaga tinha uma característica única: não se limitava a desenhar, conhecia todos os passos para construir uma peça de roupa, desde a modelação à costura. O Dior dizia que ele era um maestro, enquanto todos os outros costureiros eram membros de orquestra.” 

Personagem bem estudada, como se percebe, este Balenciaga significa também uma experiência única. “Tenho recordações maravilhosas da rodagem da série. Fui muito bem recebido, não só pela equipa técnica e artística mas também pelos protagonistas, as estrelas do elenco”, conta-nos. E entre essas estrelas há uma que ainda não foi referida e que é ainda mais intimidante: Glenn Close. 

A vestir a pele de Carmel Snow, a influente editora da Harper’s Bazaar, Close entra apenas nos episódios finais, mas tem com o Belanciaga de Nuno Lopes aquela que é talvez a sua cena mais longa. Ele em modo de exclusividade com uma das maiores damas de Hollywood. Como foi? “Muitas vezes quando se está a trabalhar numa série de tantos episódios e com tantos atores, como esta, a tendência é não haver grandes contactos. Só nos aproximamos à hora de filmar, e basicamente só estamos juntos nesse momento concreto da rodagem. Com a Glenn Close não foi assim. A nossa cena era enorme, e depois do primeiro ensaio técnico – para preparar a luz – eu perguntei-lhe se não quereria bater texto, e ela não só se mostrou disponível como ficámos imenso tempo a discutir a cena em si. Do género: qual era a função do Balenciaga na série, qual era a função da personagem dela, o tema da própria cena... Tivemos grandes discussões, alegres e construtivas, sobre isso, e acabámos por criar uma relação ótima. Foi muito interessante, durante todo o dia, ver a Glenn Close a pedir-me para a desafiar e a desafiar-me a mim constantemente, ao longo dos takes que íamos fazendo.” Eis a magia dos encontros privilegiados. 

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt