Terras sem Sombra no país das uvas
Não foi à toa que Fialho de Almeida (1857-1911) chamou a Vila de Frades, onde nasceu, "o país das uvas". No cosmopolitismo do Chiado, que frequentava com Eça de Queirós e Ramalho Ortigão, o escritor nunca esqueceu os rituais e os ritmos da vinicultura da sua infância alentejana. Será essa tradição, preservada pelos locais desde o tempo dos romanos, que o Festival Terras sem Sombra vai celebrar no próximo fim de semana, o segundo desta temporada de atividades.
Na tarde de sábado, 14, o encontro está marcado para as 15 horas, no Centro de Interpretação do Vinho de Talha, em Vila de Frades. "Do Saber-Fazer ao Saber-Provar: O Vinho de Talha, Património Cultural da Humanidade" é o mote para descobrir a milenar cultura do vinho de talha, um processo de vinificação desenvolvido pelos romanos e que tem, neste concelho alentejano, um dos mais ativos guardiões. A necessidade de preservar e salvaguardar a herança cultural e patrimonial ligada ao processo de vinificação artesanal do vinho de talha - incluindo as adegas, talhas, utensílios e artefactos -, levou ao processo de candidatura à classificação de Património Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO, projeto liderado pelo município da Vidigueira e que envolve 22 municípios e sete entidades.
A técnica de fermentação na talha (recipiente de barro, doliae) tem passado de geração em geração, de forma quase imutável. Porém, existem interessantes variações regionais e, até, locais, como se poderá constatar na prova de vinhos a fechar o evento. Guiados por peritos e vitivinicultores, esta constitui uma oportunidade para se perceber a razão pela qual o vinho de talha, herança da Antiguidade, é, cada vez mais, valorizado.
À noite, ainda em Vila de Frades, na Igreja de São Cucufate (às 21,30), haverá um concerto do ensemble português Cupertinos, com entrada gratuita. Sob o título "Mater Amabilis: O Culto de Maria na Polifonia Portuguesa dos Séculos XVI e XVII", o programa reúne obras de música sacra de compositores portugueses de renome mundial, como Duarte Lobo, Frei Manuel Cardoso, João Lourenço Rebelo ou D. Pedro de Cristo. Construído no reinado de D. Pedro II (1683 - 1705), este monumento possui excecionais condições acústicas para a interpretação da música vocal e tem acolhido alguns dos mais importantes concertos do Terras sem Sombras, que já vai na 18.ª edição. Nascido no seio da Fundação Cupertino de Miranda, de Vila Nova de Famalicão, em 2009, o grupo Cupertinos, com direção de Luís Toscano, dedica-se quase em exclusivo à música portuguesa dos séculos XVI e XVII e foi distinguido, em 2019, com o prémio na categoria de Música Antiga, dos Gramophone Classical Music Awards.
Na manhã de domingo (15, às 9.30) a proposta é fazer uma excursão na serra do Mendro. Inserido na unidade geomorfológica mais antiga da Península Ibérica, localizado entre Vidigueira e Portel, este conjunto de elevações bastante significativas separa o
Baixo do Alto Alentejo, prolongando-se pela Serra de Portel. Fortemente arborizada, a serra atinge a altitude máxima de 412 metros na Vigia. Orientados por José Falé (engenheiro agrónomo), Dinis Cortes (fotógrafo de Natureza) e Manuel Carvalho (artista plástico), entre outros guias locais, os participantes, para além da oportunidade de desfrutarem dos amplos horizontes que se avistam do Mendro, poderão conhecer alguns aspetos notáveis da sua geomorfologia, fauna e flora, bem como a biodiversidade no montado e na vinha, recentemente cultivada em patamares, à imagem do que se faz no Douro vinhateiro.