Teresa Andresen, arquiteta paisagista, nascida em 1957, no Porto, é a primeira galardoada com o Prémio Gonçalo Ribeiro Telles para o ambiente e paisagem, atribuído pelo Instituto Superior de Agronomia, pela Causa Real, pela Ordem dos Engenheiros e pela Associação Portuguesa de Arquitetos Paisagistas. "Temos de falar sobre Ribeiro Telles", diz, perante o interesse no seu percurso. É engenheira à força - suspenderam o curso de Arquitetura Paisagista meses depois de ingressar no Instituto Superior de Agronomia. Anos mais tarde, viria a fundar o curso na Universidade do Porto. Ensinou até há cinco anos. E foi, diz, "a última governanta" do Jardim Botânico da cidade, que chegou a pertencer à sua família (é sobrinha de Sophia de Mello Breyner). Hoje preside à Associação Portuguesa de Jardins Históricos e desfruta da concretização de um "sonho" com duas décadas: o Parque das Serras do Porto, que une Gondomar, Paredes e Valongo. Tinha 15 anos quando pela primeira vez ouviu falar de Gonçalo Ribeiro Telles. Nunca trabalharam juntos..Porque acha que foi escolhida? Tem de perguntar ao júri. Agora, há coisas de que tenho consciência, que tenho mais de 60 anos, que a vida me deu muita saúde e muitas oportunidades. E escolhi uma profissão maravilhosa: a arquitetura paisagista. Não me vejo com outra senão esta. É uma profissão que nos permite trabalhar com muitas escalas. Do jardim doméstico ao grande parque público como a paisagem total - uma região ou um concelho. Estamos sempre a ver o território e a paisagem é o resultado da nossa ação. A paisagem é o rosto do território. O arquiteto paisagista lê a paisagem. Vemos a paisagem romana, medieval, a paisagem do século passado, e até vemos a paisagem que está para vir..O trabalho do arquiteto paisagista é ser o menos visível possível? Acho que tive sorte no percurso profissional, porque comecei com projetos muito difíceis depois de me ter formado - um exercício muito difícil de urbanismo, o plano de urbanização do Porto nos anos 1980, e, simultaneamente, na EDP quando estava em curso a construção de várias barragens, nomeadamente uma que ficava a dez quilómetros do Porto, onde tinham feito uma escavação monumental para colocarem a central. Toda essa rocha, que nunca tinha visto o sol, foi deitada pelas encostas. Havia linhas de água e toda uma dinâmica naquela paisagem que tinha de ser reorientada depois daquela brutal ferida que se tinha feito. Foi um desafio muito grande. Eram taludes com 100 metros de altura. Dez anos depois, a EDP convidou-me para acompanhar a visita de uma empresa inglesa ao local. Perguntaram-me: "O que é que fez aqui?" Foi a melhor pergunta que me podiam ter feito! O paisagista procura atuar com as leis da natureza, ir ao seu encontro. Deixar a natureza funcionar..Como é que tudo começou para si? Foi uma luta para existir um curso de Arquitetura Paisagista no Instituto Superior de Agronomia. O curso quando é formado, em 1941, pelo professor Francisco Caldeira Cabral, nasce como curso livre, um estatuto que havia na universidade portuguesa. Quando entrei para o Instituto Superior de Agronomia, em 1976, tinha sido criada uma licenciatura de Arquitetura Paisagista, mas só durou quatro meses. O ministro da Educação Sottomayor Cardia suspendeu todas as novas licenciaturas criadas e eu voltei à estaca zero. Ingressei no curso de Engenharia Agronómica e frequentava o curso livre de Arquitetura Paisagista. Um funcionava até às seis da tarde e o outro das seis da tarde até às oito da noite e ao sábado de manhã. Era intensivo, mas muito fascinante..O que a levou para o curso? Acho que desde sempre que sou jardineira. A minha mãe, com quem jardinei muito, era uma mulher muito sensível, muito inteligente. Era pianista, mas fez parte daquela geração que no dia em que se casou deixou de tocar piano. Era muito atenta à vida, com grande gosto pelas artes e gostava de jardinar. Um dia disse-me que eu devia ser arquiteta paisagista como um senhor chamado Gonçalo Ribeiro Telles, que tinha feito uns jardins lindos no Algarve. Foi assim que conheci a arquitetura paisagista e o nome do Gonçalo Ribeiro Telles. Tinha 15 anos..E depois? Levei o curso de Económicas até ao fim para entrar na Faculdade de Economia do Porto e depois, em 1974, fui estudar um ano para os EUA, onde definitivamente decidi que queria ser arquiteta paisagista. Num fim de semana para conhecer a Universidade de Delaware, uma aluna, a quem contei o que queria estudar, apareceu-me com um livro que tinha custado 1 dólar. Chamava-se Design with Nature, do Ian McHarg, porventura o arquiteto paisagista mais influente do século XX a nível mundial. Fascinou-me! Temos de estar atentos aos sinais que a vida nos põe à frente. Quando regressei frequentei o serviço cívico numa escola primária em Espinho, o que me deu tempo para estudar as disciplinas para ingressar no curso do Instituto de Agronomia, onde se lecionava Arquitetura Paisagista..Quando é que veio a conhecer o arquiteto Gonçalo Ribeiro Telles? Em ambiente familiar, já em Lisboa, quando vim estudar. Acabei por nunca ser aluna dele, porque quando eu estava em Agronomia Gonçalo Ribeiro Telles estava a criar um curso na Universidade de Évora. Nunca trabalhei com ele, mas cruzámo-nos e mantivemos sempre uma relação cordial. Depois de publicar em inglês a monografia de Francisco Caldeira Cabral, sou convidada a preparar a exposição sobre ele e a primeira geração de arquitetos paisagistas portugueses, de que Ribeiro Telles é referência. Conheci bem aquelas figuras, fui aos ateliês e, no final, esse trabalho foi para o Forte de Sacavém [onde funciona o SIPA - Sistema de Informação para o Património Arquitetónico] para salvaguarda da memória de uma profissão. Falei, então, muitas vezes com o arquiteto Ribeiro Telles. Perguntei-lhe: qual foi o projeto que mais gostou de fazer? A pergunta não devia ter sido essa, mas foi a que fiz. Ele disse-me: "O último." Foi uma lição para a vida. É a inquietação da aprendizagem que se fez e do que se acrescentou. Creio que ele me marca por isso. É um homem de uma vida longa, uma vida ativa longa, que manteve sempre essa frescura. É um homem extremamente rico, um sábio, que sabe muitas coisas e sabe articular esses muitos saberes..Diz que jardinou muito... E jardino..Tem uma mão verde? Não tenho muito green finger. Não tenho muita sorte nas minhas reproduções, mas gosto muito de plantar, gosto muito de tratar das plantas, de mexer na água, na terra, de estar na sombra, gosto de olhar o jardim, de me sentir envolvida pelo jardim, de crescer com o jardim..É como se fosse a sua maqueta? É um laboratório. Os jardins são verdadeiros laboratórios. É uma manifestação artística muito antiga na história da civilização humana - o Antigo Testamento começa num paraíso -, acompanha o homem há muito muito tempo. São lugares de aclimatação das plantas fundamentais para a nossa procura de resposta em relação às alterações climáticas. Lisboa é a grande mostra disso com as suas árvores de arruamento, a grande maioria espécies exóticas que se adaptaram ao stress, à falta de água, à poluição..Que jardins a surpreendem? A Quinta do Loureiro, em torno de Viseu, uma cidade que tem jardins extraordinários, talvez um dos melhores best kept secrets que temos. E o Parque Terra Nostra, nos Açores. É talvez dos parques mais belos e mais curiosos do mundo, construído numa cratera, com vegetação extraordinária. Há circuitos de água quente, vapor de água, ambiente de humidade, banhos, é um ambiente extraordinário. São dois redutos de jardins extraordinários. E, naturalmente, Sintra..E que paisagens devemos preservar? Todas! Todas as paisagens culturais entendendo como tal aquelas em que está instalada uma relação sustentável do homem com os elementos naturais. A grande prioridade para a intervenção na paisagem é reinventar o modelo de posse da terra - o problema da paisagem é o abandono a que está votada. Precisamos de uma revolução..Ribeiro Telles tem 97 anos. Como é que vai ser interpretado o que ele fez? Como alguém que esteve sempre na vanguarda. Há quatro instituições às quais ele está ligado, de forma diferente, que se congregam para o prémio, e vou desafiá-las a preservar o legado de Ribeiro Telles como os americanos fazem com Ian McHarg, continuando a promover a arquitetura paisagista. Pode ser uma boa oportunidade de reinventar a apropriação do território português..Artigo publicado originariamente na edição impressa do DN de 18 de janeiro