Diogo Wallenstein, Salvador Seabra, Domingos Coimbra e Manuel Palha.
Diogo Wallenstein, Salvador Seabra, Domingos Coimbra e Manuel Palha.

“Temos esta mania de nos juntarmos para fazer música do nada”

Na ressaca de quatro concertos esgotados na Culturgest, em Lisboa, que serviram de apresentação ao aclamado novo disco, Subida Infinita, o agora quarteto, falou ao DN do passado e do futuro e de como a saída de Francisco Ferreira abalou os alicerces de uma das bandas de maior sucesso da música portuguesa
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Onovo álbum dos Capitão Fausto, Subida Infinita, foi editado em março, mas é já um símbolo do passado, por ter sido o último a contar com a participação do teclista Francisco Ferreira, cujo abandono colocou em causa a própria existência da banda, como os próprios reconhecem neste entrevista ao DN. Não deixou por isso de ser surpreendente encontrar o antigo membro fundador em amena cavaqueira com os antigos colegas na nova sede e estúdio da Cuca Monga, a editora fundada pelo grupo em 2014. “Já não tocamos com o Francisco, mas continuamos a trabalhar juntos todos os dias, e, acima de tudo, somos amigos”, esclarecem antes do gravador se ligar. E se a parte inicial da conversa foi dominada pelo tema, também é importante referir como a saída do músico parece ter unido os Capitão Fausto para esta nova fase da banda, eventualmente mais madura. Como, aliás, já se anuncia em Subida Infinita, um trabalho marcado por uma certa nostalgia por algo que termina, mas também por uma espécie de aceitação pelo que terá de mudar.

Como foi esta passagem para quatro elementos, como é que a banda, mas também os amigos, reagiram a saída do Francisco Ferreira?
Tomás Wallenstein: Às vezes ainda não nos apercebemos muito bem disso, porque ele continua aqui, perto de nós.
Manuel Palha: É algo que ainda está a acontecer, não houve propriamente um dia certo para a saída do Francisco. Foi algo com que conseguimos lidar da melhor forma, porque tivemos tempo. Deu para ir digerindo, não foi assim uma estalada repentina. Ele não chegou e anunciou que ia deixar de ir aos concertos, apenas nos avisou de que no final deste disco iria sair para fazer outras coisas. Percebemos perfeitamente essa decisão, falámos enquanto amigos das opções dele e das nossas. E este disco, pelo menos a parte final, foi, aliás, já feito com essa consciência, o que foi bom, pois permitiu-nos ir digerindo e falando sobre todo o processo de largar a coisa. Ele próprio sempre esteve muito empenhado em acabar o disco, portanto conseguimos ir digerindo e ainda estamos a digerir.
T.W.: Mas ainda estamos em período de transição, quando olho para nós os quatro ainda me parece sempre que falta alguém.
Domingos Coimbra: Ainda hoje nas entrevistas eu continuo a dizer ‘nós os cinco’. Ou seja, já são mais de 10 anos de Capitão Fausto e quase 20 a partilhar música e palcos. Obviamente, necessitamos de tempo para nos adaptarmos a essa nova realidade, mas a boa notícia é que não foi uma daquelas ruturas clássicas de banda, em que as pessoas deixam de se falar. Não, foi apenas uma opção de seguir diferentes caminhos para a vida, selada com um aperto de mão e mantendo-nos amigos. Só agora, findo o processo, percebemos o quanto estamos gratos pela forma como tudo aconteceu, porque havia tanta coisa que poderia ter corrido mal e felizmente não foi assim.
T.W.: E continuamos a trabalhar juntos todos os dias na editora Cuca Monga. Lá está, houve uma vontade dele em se afastar da música para se dedicar a outras áreas criativas, como design, vídeo ou ilustração, mas isso não implicou um afastamento físico, pelo contrário. A diferença é que estamos no estúdio e ele está no escritório, mas, fora isso, continuamos a estar juntos. Sim, houve coisas que mudaram muito, mas noutras ficou tudo na mesma.

E como é que  isso se refletiu na música? O Francisco ainda participou no disco, mas a partir de agora como é que isso se reflete, por exemplo, em palco, com menos um elemento?

D.C.: No disco há claramente um antes e um depois. Há um primeiro período em que ainda estávamos a procurar um fio condutor, o que é comum para nós, esse bater com a cabeça na parede no início dos processos. Temos esta mania de nos juntarmos para fazer música do nada e isso pode ter um lado muito bom, mas também tem um custo, especialmente de tempo e em não acertar logo. Depois há o tal segundo momento, que coincide com o anúncio da saída do Francisco, e isso de certa forma ajudou-nos a encontrar o tal fio condutor para o álbum. Não sei se vocês concordam…
T.W.: Temos conversado muito sobre isso entre nós e hoje parece-nos uma situação muito mais simples do que no início, mas é evidente que é algo bastante disruptivo para nós e levantou uma série de questões profundas sobre como continuaríamos, de que forma e até se valia a pena continuar.

Essa questão chegou a ser levantada?

T.W.: Sim, e até mesmo qual seria o futuro de cada um de nós perante uma tal decisão de vida por parte do Francisco. Foi realmente algo que nos levantou muitas questões. Mas agora, olhando para trás, dois anos depois, por vezes dá a impressão de que foi tudo muito simples, mas de facto não foi. A boa notícia é que se resolveu tudo de forma muito saudável e da melhor forma para todos. Portanto, não sei se foi a saída do Francisco que nos deu o tal caminho, como o Domingos referiu, ou se, pelo contrário, isso nos obrigou a repensar todo o disco.
M.P.: Isso liga a outra parte da pergunta inicial, que tem a ver com o palco e que também tem feito parte deste novo processo de descoberta. Julgo que todos concordam comigo quando digo que tem sido muito divertido. Temos agora mais dois músicos a acompanhar-nos, que, além de serem muito talentosos, também são nossos amigos. Tem sido muito divertido explorar esses novos caminhos, não num sentido de substituição, mas de mudança e de exploração.
D.C.: Falámos entre nós e tomámos a decisão que, se em estúdio somos uma banda de quatro, ao vivo há uma nova ideia de reinventar a nossa música através de mais mãos e mais instrumentos, para que os nossos concertos possam ser palco para novas experiências e nos levem um pouco para fora da nossa zona de conforto.

Concordam que, ao ouvir-se o disco, parece pairar no ar, a nível musical, mas especialmente nas letras, uma certa nostalgia por algo que termina, mas também uma espécie de aceitação pelo que terá de mudar?
T.W.: Sem dúvida, porque coincidiu com muitas mudanças. Havia essa questão da mudança interna e nem sequer tentamos fugir a isso, porque é importante refletirmos todos, enquanto banda, sobre o mesmo tema. Muitas vezes, quando escrevo as letras, elas refletem o meu ponto de vista, mas existe sempre uma tentativa de falar por todos, embora isso nem sempre seja possível. Neste caso existia essa fase de transição comum, mas também outros episódios, como o termos saído do nosso estúdio de sempre. É natural que nos questionássemos, porque as coisas simplesmente acabam um dia. E fomos surpreendidos por muitas situações que nos levaram a questionar tudo. Tivemos a morte de uma pessoa muito próxima em condições bastante trágicas, fomos pais, houve casamentos…
Pode dizer-se que este é o álbum mais adulto dos Capitão Fausto?
T.W.: Talvez, até porque é o mais recente (risos).
D.C.: Pelo menos foi o álbum em que tínhamos de deixar de trabalhar às cinco, porque tínhamos de ir buscar as crianças à escola. E isso, parecendo que não, condiciona o trabalho. Talvez não em termos artísticos, mas no sentido em que já não somos os miúdos que podem ir às duas da manhã gravar baterias só porque lhes apetece. Houve o lado de abraçar a rotina e a repetição com o qual todos tivemos de aprender a viver. E é muito engraçado o modo como estes três ou quatro anos tão intensos acabaram resumidos em pouco mais de 30 minutos de música.

Como é que fazem esse trabalho de peneira?
M.P.: Normalmente começamos com rascunhos que alguém traz de casa e depois juntamo-nos e começamos a debater. Este disco foi talvez aquele em que juntámos o maior número desses rascunhos, que nem sequer são músicas. Vamos espremendo e moldando, há partes que se transformam, outras que se perdem…
T.W.: O facto de ser muito peneirado tem a ver com os nossos próprios critérios, que estão cada vez mais aguçados, até para não repetirmos alguns erros que já cometemos no passado. Por outro lado, tem também a ver com o facto de sermos cinco, agora quatro, e de tentarmos sempre encontrar um ponto comum entre todos para cada solução. Isso faz com que demoremos muito tempo a finalizar os processos, mas também leva a este tipo de síntese, de resumir três anos em apenas 30 minutos.
D.C.: Pessoalmente, gosto muito da ideia do formato canção, que a muitos poderá parecer limitadora, mas para mim esse limite é muito útil para a criatividade. A síntese de uma canção é algo que desejo cada vez mais, porque, apesar desses limites, nela podem caber todas as referências do mundo. O facto de este disco ser curto acabou por ser algo muito bem conseguido.

Como é que a vossa relação de amizade sobrevive a isso tudo, às rotinas, às negociações, às ruturas? Não faltam exemplos no mundo da música de grupos de amigos que começam a tocar juntos e acabam de relações cortadas…
T.W.: Acima de tudo todos temos bom feitio. Dantes dizíamos sempre que éramos muito amigos e de facto somos, mas, acima de tudo, já temos muita experiência e muita estrada juntos para sabermos que por vezes as coisas ficam complicadas. O que nos faz continuar é gostarmos muito disto e termos bom feitio e paciência uns com os outros. Se não gostássemos, já estaríamos a fazer outra coisa.
D.C.: E não são só as turras entre nós, é também o estar sempre fora de casa, de ser difícil constituir família quando se passam meses seguidos fora, dormir mal e pouco… Cada profissão tem os seus prós e contras e os stresses da vida de músico não são de facto para toda a gente. Para o Francisco não era, ou deixou de ser. E nós também fizemos essa análise e há claramente uma ideia dos quatro de que queremos continuar a fazê-lo. Nesse sentido profissional estamos alinhados e depois temos a sorte de ser amigos, já o éramos antes de existir a banda e vamos de certeza continuara a sê-lo depois.
M.P.: Não tem só a ver com isso, mas com o termos encontrado um grupo que, no seu conjunto, se consegue exponenciar e amplificar individualmente. Todos ficamos mais fortalecidos quando temos os outros à volta, e isso é muito importante.

E o fator sucesso, que peso tem nisso tudo?
T.W.: Eu acho que ajuda (risos).
D.C.: Claro que ajuda, não há nada melhor, depois destes anos todos e de todo o trabalho que colocámos na nossa música, do que termos os concertos esgotados antes de o álbum sair. Há uma confiança depositada no nosso trabalho e na nossa carreira que nunca nos tinha acontecido antes. Anunciámos os concertos e de repente esgotaram quando ainda só tínhamos lançado um ou dois singles. Depois de o álbum sair e ser tão bem recebido pelas pessoas é um privilégio enorme. É aquele momento em que as canções deixam de ser nossas. No momento da criação somos muito egoístas, porque fazemos a música só para nós, mas depois há esse momento de comunhão com quem gosta de nós. O sucesso, ou pelo menos quando se lida bem com ele, tem de passar por essa comunhão com o público que gosta da nossa música. Isso também nos dá mais vontade de continuar.

Esperavam chegar aqui quando começaram?
Salvador Seabra: Claro que sim, ou pelo menos desejávamos que acontecesse. Imaginávamos como seria fazer carreira na música em Portugal e tivemos a sorte de ter sucesso muito cedo. Sem esse sucesso nada disto teria sido possível, nem que seja pela parte financeira. Sempre quisemos isto, sim.
M.P.: Eu, como jogo xadrez, embora mal, só consigo ver um ou dois passos à frente (risos), e portanto nunca tive uma ideia assim de futuro a longo prazo. Acho que todos fizemos uma espécie de all-in e vamos ver no que isto dá.
S.S.: Mas lembro-me bem de sermos miúdos e de falarmos de como seria a vida de músico, ganhar a vida a tocar por aí. Era algo que admirávamos, não sabíamos era como chegar lá.
D.C.: Sempre que ouvíamos as bandas de que gostávamos, no carro, sonhávamos em conjunto ser um dia como elas. Lembro-me perfeitamente de em 2011 estar com o Tomás em Paredes de Coura, a ver Metronomy, Kings of Convenience ou Pulp, e pensarmos como seria incrível tocar um dia ali. E no ano seguinte tocámos antes dos Ornatos Violeta, quando eles se reuniram para festejar os 20 anos de carreira. De repente, num só ano, e devido ao sucesso do primeiro álbum, conseguimos saltar uma série de etapas. Portanto há um lado do sucesso real que aconteceu e outro que tem a ver com a gestão desse sucesso e a forma como lhe tentamos sempre acrescentar mais trabalho e desafios.
T.W.: Mas há de facto um lado de sorte, porque tudo nos aconteceu muito rápido no primeiro disco. Por outro lado, isso deu-nos confiança e nunca nos abrandou, bem pelo contrário, fez-nos perceber qual seria a direção certa.

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