Presidente da Autoridade Egípcia do Turismo, Amr El-Kady
Presidente da Autoridade Egípcia do Turismo, Amr El-KadyFoto: Paulo Spranger

“Temos as pirâmides, mas também o legado greco-romano, o islâmico, o copta. O Egito é um país muito diverso”

Mais de 15 milhões de turistas visitaram no ano passado o país dos faraós, revela o presidente da Autoridade Egípcia do Turismo, Amr El-Kady, que conversou com o DN em Lisboa, onde veio para a BTL.
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Lembra-se da sua primeira visita à Esfinge e às pirâmides de Gizé?

Eu era muito novo, claro, andava na escola primária, teria uns sete anos, acho, e foi numa visita de estudo com os meus colegas de turma. Estávamos sobretudo a divertir-nos. Não nos apercebemos da magnitude das pirâmides e da sua grandeza.

Normalmente, para um jovem egípcio, a primeira visita às Pirâmides será num grupo escolar?

No passado, sim. Isto era uma prioridade da escola. Os grupos escolares iam visitar um sítio arqueológico próximo.

Mesmo fora do Cairo?

Fora do Cairo, ia-se aos templos, túmulos, etc. Mas, muito recentemente, tivemos um grande espetáculo, um evento, chamado Desfile dos Faraós, no qual transferimos as múmias dos reis e rainhas do Museu Egípcio do Cairo para outro museu no Cairo também. Chama-se Museu Nacional da Civilização Egípcia. Então, transferimos as múmias com um grande desfile, impressionante. Seis meses depois, fizemos outro grande desfile em Luxor, chamado Desfile das Esfinges. Então, todos os egípcios, as famílias, começaram a perceber: "Ah, isto é muito belo". Os eventos foram muito belos. Começamos então a ver cada vez mais famílias a ir aos museus. Hoje, o pai e a mãe levam as crianças e passam algum tempo nos museus, junto das pirâmides, nos templos. As pessoas começaram a perceber que têm tesouros ao lado de onde vivem.

O povo egípcio conhece bem esta civilização faraónica, este legado do passado nacional? É algo que deixa as pessoas orgulhosas?

Sim. Claro que sim. Mas não percebem por vezes que isso é assim tão grandioso, tão impressionante. E isto é, sabe, como quando está habituado a comer peixe e marisco todos os dias. Habitua-se, nada de novo. Mas se vive numa montanha e de repente começa a comer camarão, diz "oh meu Deus, isso é muito bom". Acontece o mesmo a este respeito. Mas ao fazer eventos como este, começamos a lembrar as pessoas, os egípcios, que têm aqui algo grandioso. E não se trata só de monumentos, não se trata só de pirâmides. É sobre os valores que os antigos egípcios tinham para conseguir construir tudo isto. Porque as civilizações são sempre construídas sobre grandes valores. Uma das coisas, por exemplo, na mitologia egípcia antiga, é que quando uma pessoa morria, ia para o inferno ou para o céu. Mas para provar que era elegível para a eternidade, tinha de fazer algumas confissões. Tinha de confessar diante do divino. Numa dessas confissões que foram escritas, e encontradas milénios depois, pode ler-se: “não fiz nada de errado, não estraguei a minha terra, não cortei uma árvore, não contaminei o rio”. É uma mensagem de sustentabilidade ecológica de há 3000 anos. Para ter direito à eternidade, não cortemos as árvores, não mintamos. Estes são os valores daqueles que construíram os grandes monumentos que vemos no Egito.

Qual a importância desta herança faraónica para o turismo egípcio? É de grande importância?

Não em números, porque acho que estamos à volta dos 80-20. 80% vêm ao Egito para desfrutar das praias. E 20% vêm pela cultura. Mas esses 80% de amantes da praia, conseguem combinar alguns elementos culturais na sua estada. Por exemplo, no Mar Vermelho, existe uma bonita cidade chamada Hurghada, com belas praias. Portanto, os alemães estão a ir para lá, os portugueses estão a ir para lá, toda a gente está a ir para lá. Ao lado fica Luxor, a três horas de carro. Assim, acorda-se cedo, apanha-se o autocarro e vai-se para Luxor. Faz-se a excursão e volta-se para o hotel à noite. Então é assim que se combinam turismo de praia e turismo cultural. Mas, aliás, em todo o mundo, o turismo cultural não representa mais de 12%. E o resto são praias, entretenimento, bem-estar, golfe, mergulho, etc.

Mas acha que, mesmo quando os turistas pensam nas praias do Mar Vermelho, a magia do nome Egito faz a diferença na hora de escolher?

Claro, claro. Os monumentos egípcios são muito singulares. Não encontra semelhanças entre os marcos egípcios e os dos países vizinhos. Estou a falar da arquitetura, mas estou a falar também da comida, e da cultura. Os egípcios e os povos dos países do Golfo falam quase a mesma língua. E no Levante, a Síria, o Líbano, a Jordânia, falam a mesma coisa. E no Norte de África, a Líbia também fala árabe. Mas os egípcios têm um país diferente, com monumentos diferentes dos vizinhos. Por que é assim? Porque somos um país que historicamente é um rio no meio de um imenso deserto, então estávamos a focar-nos em nós. A civilização egípcia é a civilização do Nilo. Mas, uma vez mais, não devemos colocar o antigo Egito como o ponto de venda exclusivo do turismo egípcio. Temos, como país, muitas facetas ao longo da história. Temos os antigos egípcios, temos os greco-romanos, temos os coptas, temos os muçulmanos, temos os judeus. Todos esses marcos estão lá. Portanto, temos este tipo de diversidade, e estamos a celebrar essa diversidade.

Qual a percentagem do turismo no PIB? Cerca de 10%?

Sim, mais ou menos, essa é a contribuição direta. Mas a contribuição indireta deve ser muito maior. Contribuição indireta significa material de construção, imobiliário, até mesmo o abastecimento alimentar. Consome-se muito, por isso acho que será mais do que 10%.

É a maior fonte de divisas, acima até do Canal do Suez?

Mais do que o Suez, mas atrás das exportações.

Em termos de turistas, referiu os alemães. A Alemanha é o maior mercado emissor?

Até agora, sim, é o maior mercado. No ano passado, em 2024, recebemos 15,7 milhões. A primeira nacionalidade é a alemã, seguida dos russos. Assim, Alemanha, Rússia e Arábia Saudita, que está pela primeira vez entre os três primeiros. Reino Unido, Polónia, Itália, Estados Unidos, República Checa, França e China seguem-se.

E os turistas portugueses?

Na casa dos 40.000, muito pouco. Podemos dizer que é muito pouco por causa de muitas coisas. Primeiro, a escassez de voos diretos. Segundo, porque têm praias maravilhosas no próprio país. E nas proximidades também tem países lindíssimos, como Marrocos e Espanha. Em terceiro lugar, nós, pela nossa parte, não nos temos esforçado o suficiente para promover o Egito aqui. Porque, pelo que ouvi aqui, os portugueses só conhecem o Cairo, Luxor, Assuão e talvez Hurghada. Mas temos praias mediterrânicas como nenhum outro lugar. Temos desertos, temos montanhas, temos o Nilo, temos lagos, temos cidades, grandes cidades. Por isso precisamos de promover mais o Egito junto dos portugueses . Esse é o nosso trabalho.

Como é que a instabilidade no Médio Oriente afeta o turismo egípcio?

O turismo é muito frágil, muito sensível, em todo o lado. Quem quer viajar, quer viajar com segurança. E não se trata apenas da situação política. Eu vi isso durante a pandemia de covid. Foi complicado para o Egito. Para todos. Toda a gente. Quem, como turista, quiser ir a outro país e ouvir que esse país não é seguro, ou que há uma doença ou que há tempestades, simplesmente faz com que essa viagem aconteça mais tarde. Adia. Portanto, isso é muito compreensível e nós entendemos isso. No entanto, tínhamos a certeza desde o início deste conflito no Médio Oriente de que não seríamos muito afetados. Em primeiro lugar, este conflito não é novo. Aconteceu muitas e muitas vezes. Agora é pior, mas já aconteceu muitas vezes. Cada vez que o conflito acontece desta forma, o papel do Egito é o mesmo. Mediar pela paz e ajudar no auxílio humanitário. É isso. E com um governo forte como o nosso, com um exército e forças de segurança fortes, nunca permitimos que os conflitos externos cheguem ao nosso território. Nós garantimos a segurança. Primeiro para nós, e também para os hóspedes, para os turistas. Portanto, afetou-nos, sim, mas não muito. Outros países da vizinhança têm cerca de 50% de cancelamentos. Nós não.

O Egito sofreu no passado ataques terroristas. Demora muito a reconquistar a confiança dos turistas?

Felizmente, há vários anos que não acontece. Recuperar depende de muitas circunstâncias. Mas o setor turístico egípcio tem-se mostrado realmente resiliente. Quando somos atingidos por algo, voltamos novamente. Depois, se somos atingidos por outra coisa, voltamos novamente. Porque as pessoas de fora têm muita curiosidade sobre o país. E para nós, egípcios, é a nossa vida. Simplesmente é a nossa vida. Temos de lutar para sobreviver. Temos de viver e consertar as coisas. Portanto, sim, o turismo é um setor muito sensível. Mas infelizmente tivemos de nos tornar especialistas em dar a volta por cima.

Referiu a diversidade da herança egípcia. E também referiu que a maioria dos turistas vai para o Mar Vermelho. Mas há também um esforço para promover, por exemplo, a grande arquitetura islâmica, a arquitetura também das igrejas coptas?

Sim. É exatamente isso que fazemos. Porque cada uma das civilizações tem o seu atrativo. Então os monumentos deixados pelos antigos egípcios dar-lhe-ão uma sensação de magnitude. Esta sensação é completamente fora do comum. Já os marcos islâmicos e coptas são vivos. Há pessoas ainda lá a viver, nos mesmos sítios, nas mesmas casas, há milhares de anos, talvez mais. Assim, sente que está realmente a viver a história. Quando se visita o Egito e se pensa nos seus atrativos, é como quando se compara maçãs com mangas. Não funciona assim. Ambas são lindas, ambas são doces. Então é isso que estamos a tentar fazer, a promover a nossa diversidade.

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