'Super/Homem: A História de Christopher Reeve', herói americano
Era inevitável que a questão da ironia amarga estivesse no centro de um documentário sobre aquele que inaugurou no grande ecrã a era do super-heroísmo: quando, a 27 de maio de 1995, um acidente numa competição equestre o deixou tetraplégico (depois de ter estado à beira da morte), nenhuma parangona conseguiu contornar o facto de ser, precisamente, o homem de capa vermelha que a todos fascinara com a sua proeza aerodinâmica na tela em 1978, a encarnar uma das maiores tragédias ocorridas a uma estrela de Hollywood. Bem consciente disso, como aliás se percebe pelo título, Super/Homem: A História de Christopher Reeve, usa o tema do heroísmo, tão caro à mitologia americana, para explorar o modo como o prefixo “super” se aplicou muito mais ao capítulo da falência física do ator do que à sua celebração como símbolo da cultura popular.
Partindo dessa dimensão humana, e sem nunca a largar, o filme da dupla Ian Bonhôte e Peter Ettedgui revisita então o percurso de Christopher Reeve (1952-2004) confiando sobretudo aos seus três filhos a recordação de momentos que permitem construir uma ideia fidedigna do homem eternamente dividido entre a celebridade de uma personagem (que se colou de forma indelével ao seu perfil) e uma vida familiar repleta de atividades desportivas... Até ao acontecimento fatídico.
É por um de vários vídeos caseiros que entramos nesta história. Mais concretamente, um vídeo com o seu filho mais novo em criança, Will Reeve, a lançar a nota afetiva que depois é esmiuçada pelos dois descendentes mais velhos. O discurso alarga-se ainda aos colegas atores, como Susan Sarandon, Jeff Daniels, Glenn Close e Whoopi Goldberg, entre outras figuras, mas o documentário de Bonhôte e Ettedgui não está tão interessado na carreira de Reeve ator como está na sua luta e ativismo - a ação que definiu os seus dias confinado a uma cadeira de rodas e um tubo de respiração.
Talvez esse seja o único aspeto que desequilibra um pouco a justeza deste olhar: se é verdade que não faltam elementos à narrativa trágica de Reeve (e é preciso elogiar também a relevância dada ao papel da esposa, Dana), o espectador cinéfilo poderá sentir que não foi suficientemente recompensado na curiosidade em relação ao intérprete, aqui evocado quase somente por Superman e um telefilme, Above Suspicion (1995), que se estreou pouco antes do acidente e onde interpreta um polícia paralisado numa cadeira de rodas...
Os factos arrepiantes são muitos. Mas, no meio dos arquivos e entrevistas, o que se capta é a corrente de dor que se procurou sempre combater, destacando-se aí a memória do amigo Robin Williams, que foi fundamental para o ânimo de Reeve. Glenn Close diz a certa altura que, se Christopher Reeve ainda fosse vivo, Williams também o seria... Daquelas frases sinceras que ecoam num documentário de musculatura emocional, onde não se ocultam falhas humanas mas se eleva o heroísmo mais genuíno.