Em tempo de celebração do centenário de Carlos Paredes, a Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) expõe ao público vários objetos que o artista lhe deixou em testamento, desde as condecorações que recebeu a uma guitarra de concerto, construída em 1963. Por coincidência feliz, o homenageado e a entidade que lhe faz essa (devida) vénia são da mesma idade, já que a SPA comemora, em maio próximo, 100 anos de incessante atividade em prol dos direitos dos autores das mais diversas disciplinas criativas.Como sublinha, porém, o seu presidente (desde 2010), o escritor, jornalista e cantautor José Jorge Letria, muito mais se fará para assinalar a efeméride, “quer em termos festivos, quer em termos de reflexão sobre os tempos inquietantes que estamos a viver.”Com o logótipo do centenário, concebido pelo artista plástico José Guimarães, afixado em tela gigante no edifício da Rua Gonçalves Crespo, em Lisboa (em substituição do retrato de Salgueiro Maia, de Alfredo Cunha, que lá esteve durante 2024, para assinalar os 50 anos do 25 de Abril), o programa de celebrações terá como ponto alto uma gala no Centro Cultural de Belém, a 29 de maio, “apesar de esta ter tido agora um duro revés com a morte do músico Renato Júnior, que a estava a organizar com Tiago Torres da Silva”, diz José Jorge Letria. Mas haverá ainda a assinalar a edição de um livro com a compilação dos textos que, ao longo dos anos, celebraram datas especiais como Dias do Teatro, Música, Poesia e do Autor, que se chamará Em Nome dos Autores. A 22 de maio, será comemorado o Dia do Autor Português com a entrega das Medalhas de Honra e dos prémios Consagração de Carreira e Vida e Obra à Associação 25 de Abril e ao cantautor Luís Cília, respetivamente. Em paralelo, os CTT lançarão uma emissão de dois selos comemorativos.No entanto, nem só de festa se fazem estas celebrações. Como Letria refere, “ao longo destes 100 anos, a SPA tem sabido lidar com realidades socioeconómicas muito diferentes no país e no mundo.” Neste momento, o desafio maior, identifica, “são as questões que a Inteligência Artificial coloca aos direitos autorais. Fomos a primeira sociedade de defesa desses direitos a promover um encontro sobre esta realidade, que nos assusta, mas também nos obriga a agir, antes de mais com medidas do ponto de vista legislativo, tanto em Portugal, como na União Europeia.”Esse encontro aconteceu em maio do ano passado e dele resultou o livro Inteligência Artificial e Cultura (edição Gradiva), com as participações de Daniel Innerarity, Carlos Fiolhais, Javier Gutiérrez Vicén, José-Barata Moura, José Pacheco Pereira, Patrícia Akester e Pedro Abrunhosa.Para Letria, importa não fechar os olhos às mudanças radicais que se prefiguram: “Estamos num mundo desafiante e temos de estar à altura das metamorfoses, como sempre estivemos ao longo destes 100 anos. Eu dirigi durante quatro anos o Comité Europeu das Sociedades de Autor e não cessámos de debater assuntos que antecipavam já a discussão filosófica e científica sobre a Inteligência Artificial.”Embora inquieta, a SPA está viva e de boa saúde, segundo o seu presidente. “Fazemos uma reunião mensal e, em cada nova reunião, temos cerca de 60 novos autores a querer aderir, porque estão conscientes de que este organismo lhes permite ter um suporte financeiro quer como complemento de reforma, quer nas suas necessidades de saúde. Neste momento, estamos tranquilos, temos um resultado líquido muito bom.”Os números, aliás, falam por si: no ano passado, a SPA cobrou direitos de autor no valor de cerca de 76,6 milhões de euros, com um resultado líquido na ordem dos 5,5 milhões e capitais próprios de cerca de 10,4 milhões.Com 167 funcionários espalhados pelo território continental e regiões autónomas, a SPA aposta muito na sensibilização junto de escolas, com a deslocação de autores de diversas disciplinas a vários pontos do país, na edição de obras sobre o mundo autoral e também no apoio a organismos homólogos nos PALOP: “Com Cabo Verde temos uma ligação muito boa. Já patrocinámos a criação de uma sociedade para a área musical, que hoje já está a cobrar direitos, ao mesmo tempo que assumimos a formação dos quadros deles. Com Angola também patrocinámos uma sociedade, que está ativa e faz cobranças em todo o território.”A SPA foi fundada em 22 de maio de 1925 por um conjunto de homens ligados ao teatro: Mário Duarte, autor e tradutor teatral, juntamente com Júlio Dantas, Henrique Lopes de Mendonça, Félix Bermudes, André Brun, João Bastos, Ernesto Rodrigues e os compositores Alves Coelho, Carlos Calderón e Luz Júnior. Na sua primeira forma, o nome era Sociedade de Escritores e Compositores Teatrais Portugueses, com sede na Praça dos Restauradores, n.º 13 (sede da Revista De Teatro, de que Mário Duarte era diretor) com o objetivo de proceder à “… união dos escritores teatrais e compositores musicais portugueses para a defesa dos seus direitos e melhoria dos seus interesses (…).”O seu primeiro presidente foi Júlio Dantas (sim, o homem que inspirou o Manifesto Anti-Dantas a Almada Negreiros), mas o mais emblemático, nesses primeiros tempos, seria Félix Bermudes. Presidente entre 1928 e 1960, data da sua morte, colaborou na revisão das leis sobre propriedade intelectual e a sua adaptação ao texto da Convenção de Berna, tendo representado os autores portugueses nos congressos internacionais de Copenhaga (1933), Sevilha (1935) e Estocolmo (1938).