Shirley Jones. A mãe da Família Partridge
Proveniente de uma cidadezinha na Pensilvânia, cedo a menina Shirley revelou qualidades vocais invulgares, sendo aconselhada a prosseguir estudos de canto. O professor escolhido pelos pais, encantado com o seu potencial, depressa identificou nela a possibilidade de enveredar por uma carreira lírica, coisa que ela educadamente declinou. Acabaria por aceitar a música clássica apenas para trabalhar nas aulas, mas alternando com o vasto repertório do teatro musical, então em voga, com que se identificava mais.
Terminado o liceu - e nunca sonhando com uma carreira artística - Shirley optou por fazer o curso de veterinária. Mas antes da entrada na faculdade, estando de férias com os pais em Nova Iorque, aproveitou para se encontrar com um amigo pianista, com quem gostava de cantar precisamente as canções da Broadway, ficando a saber por ele que estavam abertas audições para as produções musicais da célebre dupla de criadores Rodgers & Hammerstein. Renitente, acaba por aceder a candidatar-se.
Sem nunca ter representado a sério nem saber exatamente o que era uma audição, ou sequer quem eram os respeitáveis autores/produtores, a jovem de 19 anos foi de ânimo leve apresentar-se perante o diretor de casting. Este, segundo ela contou reiteradamente ao longo da vida em inúmeras entrevistas, depois de escutar algumas canções, foi chamar o compositor Richard Rodgers (1902-1979) para que a ouvisse também. Este, por sua vez, quis igualmente que o seu parceiro, o letrista Óscar Hammerstein (1895-1960), a escutasse, apesar de entretanto o pianista acompanhador ter tido que sair para apanhar um avião. Disseram-lhe que não havia problema nenhum, pois tinham uma orquestra a ensaiar num dos seus teatros do outro lado da rua, que a acompanharia.
Imagine-se o maravilhamento desta miúda, que desde criança tinha um fascínio pelo teatro musical! Estava realmente a viver um sonho, mas ao mesmo tempo receava criar falsas expectativas no júri, uma vez que não tinha estudos teatrais e, além disso, nunca tinha ouvido uma orquestra ao vivo, muito menos tinha cantado com uma.
A verdade é que acabou por ser selecionada para um pequeno papel no musical South Pacific (1953), integrando no ano seguinte o elenco de Me and Juliet em Chicago. Por essa altura recebeu o convite dos autores do enorme sucesso Oklahoma! - os mesmos Rodgers & Hammerstein - para entrar no filme homónimo que os próprios iriam produzir em Hollywood, mas agora como cabeça de cartaz.
Estava assim lançada a carreira de Shirley Jones como atriz/cantora que, entre 1955-1970, entrou em dezoito filmes e em pelo menos seis produções teatrais, para além de participar em inúmeros programas de televisão e gravações de discos. Durante este período namorou e casou-se com aquele que seria o amor da sua vida - o ator/cantor Jack Cassidy (1927-1976) - com quem teve três filhos: Shaun, Patrick e Ryan.
A Família Partridge
Enquanto as crianças eram pequenas, sempre que possível Shirley mantinha-as perto de si durante os longos períodos de filmagens ou digressões teatrais, com a ajuda da babysitter, que se ocupava delas enquanto a mãe trabalhava. Mas quando começaram a ir para a escola, a situação complicou-se.
Foi pois com agrado que a artista encarou uma nova proposta de trabalho que lhe permitia ter horários organizados e estar perto de casa, entrando em 1970 numa série televisiva juvenil - contra os conselhos de todos os amigos e familiares - para desempenhar o papel da Sra. Partridge [perdiz]. O enredo centra-se nesta mãe de cinco filhos, entre os 7 e os 16 anos, que se entretêm a tocar numa banda na garagem. Com a entrada da progenitora para o grupo, como vocalista, o reconhecimento do potencial musical surge rapidamente e a Família Partridge é contratada para uma digressão pelos Estados Unidos. Viajam num autocarro personalizado - cujo exterior, pintado pelos próprios, lembra vagamente obras do pintor Mondrian (1872-1944) - e apresentam uma nova canção em cada episódio cidade.
Transformado em estrondoso fenómeno contra as expectativas de muitos críticos, A Família Partridge acabou por se revelar um modelo de enorme sucesso - com quatro temporadas ao longo de cinco anos consecutivos - não só pelos parâmetros do gosto americano, mas igualmente nos mais de setenta países para onde foi exportada. O sítio eletrónico da RTP confirma que “foi nos anos setenta um grande sucesso em Portugal”.
A adesão em massa do público deveu-se também à presença de David Cassidy (1950-2017) no elenco - por acaso, enteado de Shirley, que ela mal conhecia (vivia na costa leste com a mãe) - um jovem em início de carreira e com ambições de se tornar num ator sério. Jamais pensara em ser cantor. Não obstante, acabou por aceitar entrar no programa, apesar de não se identificar com a música comercial que ali cantaria, nem com o nível demasiado básico dos diálogos. Mas a perspetiva da estabilidade financeira com um salário regular… falou mais alto.
Shirley Jones, já com um invejável curriculum como atriz/cantora e já premiada com um Óscar, era a única intérprete que deveria realmente cantar no programa - gravado em estúdio com músicos profissionais, peritos na criação de sucessos comerciais - devendo todos os outros fingir apenas que cantavam durante as filmagens, mexendo os lábios em sincronia com a música.
Mas a produção, entretanto informada dos dotes de David como cantor e guitarrista, rapidamente o promoveu a vocalista principal - no papel de Keith Partridge, o filho mais velho - o que lhe granjeou um súbito protagonismo, deixando Shirley um pouco na sombra.
David Cassidy
Não abdicando da música de que mais gostava, nomeadamente blues e rock, David iniciava também uma fulgurante carreira a solo. Tornado em superestrela aos 20 anos, David/Keith Partridge era idolatrado por multidões de miúdas que o perseguiam e desejavam, numa escala absolutamente inimaginável, só comparável com o que tinha acontecido décadas antes com Elvis Presley (1935-1977) e pouco mais tarde com os The Beatles (1960-1969).
Mas em pouco tempo David começava a sentir-se asfixiado com a total falta de privacidade e, herança paterna ou não, reconhecia que tinha um problema com o consumo de álcool. Por outro lado o seu brutal ritmo de trabalho, devido à vida dupla - gravando para a televisão todo o dia e dedicando-se à carreira a solo de noite e madrugada - deixava-o num estado de exaustão que cobraria o seu preço na saúde do cantor.
Se contou com a adorável madrasta para o apoiar e suprir o desapego do pai, e com os três irmãos mais novos, que o adoravam, tal não foi suficiente para evitar os muitos altos e baixos que o levariam a uma morte precoce, aos 67 anos apenas.
Nota final
Após os anos de Família Partridge, as crianças/atores de 1970 eram quase todas adolescentes, e os adolescentes, adultos. Alguns deles mantiveram atividade na área da representação ou da música, outros nem por isso. Dos mais velhos - os mais famosos a seguir a David - Laurie Partridge/ Susan Dey (1952) seguiu uma carreira de atriz, tendo recebido um Globo de Ouro em 1988. Danny Partridge/ Danny Bonaduce (1959) dedicou-se ao boxe e luta livre, para além de atividades menos lícitas que o levaram reiteradamente à prisão, mas manteve uma longa carreira na rádio, televisão e cinema, tendo-se retirado em 2023, após uma cirurgia ao cérebro (aparentemente bem sucedida).
Shirley Jones continuou a fazer cinema depois da Familia Partridge - apenas um filme por década até ao século XXI, mas entrando num total de dezoito produções cinematográficas até 2018 - e largas dezenas de participações em programas de televisão. No teatro entrou em mais dez espetáculos, entre os quais Love Letters (1994, 1995) com o comediante Marty Ingels (1936-2015), seu segundo marido, 42nd Street (2004) aos 70 anos, com o ator e cantor Patrick Cassidy (1962), seu segundo filho, tal como The Music Man (2012), agora já perto dos 80. Numa família tão ligada profissionalmente ao mundo do espetáculo, o filho mais velho, Shaun Cassidy (1958), tornou-se igualmente músico e ator, dedicando-se também à produção e à escrita. Ryan Cassidy (1966), o mais novo, renitente em seguir as pegadas dos pais, após algum tempo a trabalhar em cenários para televisão acabou por sucumbir também à arte da representação.
A mãe Jones, para sempre confundida com a mãe Partridge, teve ainda ocasião de escrever um livro de memórias autobiográfico, Shirley Jones. A memoir (com Wendy Leigh, 2013), uma obra impagável pela graça e pela franqueza com que relata a sua vida e muitos episódios passados com outras estrelas de Hollywood e da Broadway, por vezes mais do que picantes. Atualmente está retirada da esfera pública, tendo surgido nas redes sociais, em 2023, num retrato de família rodeada pelos seus três filhos e respetivas famílias.
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