Sandra Faleiro atira-se de cabeça ao universo de Costa Amarante
Mergulhar numa comédia de equívocos com fleuma queer e gestão de melodrama sobre a solidão. É a proposta de Diogo Costa Amarante em Estamos no Ar, o seu filme de estreia nas longas, após uma série de curtas onde se destaca Cidade Pequena, Urso de Ouro na Berlinale. Depois do IndieLisboa, o Curtas apresenta em antestreia um dos bons filmes portugueses da próxima fornada e onde se destacam atores como Valerie Braddell, Anabela Moreira, Carloto Cotta e, sobretudo, a protagonista, Sandra Faleiro, radiosa como mulher solitária em crise de idade. Ouvimo-la encantada a falar desta diversão sensorial. Mas domingo há outra longa a meter-se por entre as curtas, a primeira exibição em Portugal de A Pedra Sonha dar Flor, de Rodrigo Areias, a partir de A Morte do Palhaço, de Raul Brandão. Será a matiné antes da final do Euro e terá música ao vivo de Dada Garbeck.
Quem é esta mãe solitária num Porto entre idas ao lar de terceira-idade para visitar a mãe e sonhos com o vizinho polícia?
Ela é uma mãe solteira profundamente solitária com alguma dificuldade em usufruir das coisas boas, enfim, uma mulher punida pela vida e em crise de meia-idade. Sente-se muito sozinha mas uma paixão platónica por um polícia vizinho vai operar uma grande transformação na sua vida. Chega ao médico e diz-lhe que não sente nada - é aquela coisa de as pessoas estarem adormecidas ou anestesiadas, como muitos de nós onde já não há aquela capacidade de sentir alguma coisa ou vontade de sonhar. São as pessoas que já não sabem ser audazes e viverem. O que é muito bonito e poético é a maneira como o filme aborda o isolamento das pessoas.
Foi buscar o quê da sua vida privada?
Vou sempre buscar coisas que vi , senti ou vivi. Todos nós sentimos muitas coisas e somos várias coisas.
Um filme que fala da solidão nas grandes cidades…
Sim e há uma cena lindíssima com as duas amigas na piscina rodeadas por prédios… É um filme que fala mesmo muito sobre a solidão. Uma solidão inerente ao ser humano. Mesmo acompanhados não há hipótese de fugir dela. Outra coisa muito bonita são os universos paralelos que se constroem - a mãe e o filho na mesma casa mas cada um no seu lado, o mundo da ficção e o mundo da realidade, o mundo do sonho e o mundo da crueza.
Depois há o lado da comédia de equívocos…
É verdade, há ainda esse lado clássico. Estamos no Ar é claramente uma comédia de equívocos mesmo com todo esse lado trágico-poético.
Este é um filme que lhe dá o chamado “papelaço” - será que o cinema de autor nacional, afinal, ainda gosta de atores?
Espero que sim mas devo dizer que gosto também do cinema com não-atores. Enfim, gosto de tudo. O importante é o cinema e os bons realizadores - eles façam o que quiserem e com condições para trabalhar. Mencionava um papel apetecível mas curiosamente o que gostei neste convite não foi do papel em si, foi de toda a proposta, sobretudo do realizador e do argumento. Não foi mesmo de todo só o meu papel. Senti essencialmente que o Diogo Costa Amarante tinha uma visão, uma poética naquele guião. Entusiasmaram-me muito estas histórias paralelas e os seus universos alternativos. Quis fazer parte deste grupo!
Sente-se bem tratada pelo cinema português?
Apesar de tudo sinto-me privilegiada, já tive alguma sorte: consegui fazer papéis muito profundos, desafiante e giros em cinema, mesmo apetecendo-me fazer muito mais. Mas compreendo que isto aqui é tudo pequenino, tudo é pouco. Falta sempre tudo na cultura. É um problema que atravessa as artes todas. Mas não me posso queixar e fui sempre muito acarinhada pelas pessoas com quem trabalhei. Diz-se também que os atores não são escutados, comigo isso não aconteceu. Tive sempre muito diálogo com os meus realizadores.
Tem feito só cinema em versão longa-metragem, gostaria de experimentar o formato da curta?
De uma forma geral gostava de fazer mais cinema, ponto final.