Rui Catarino: “Reprogramação do PRR pode dar mais dois a 5,5 milhões para obras no D. Maria II”
A que é que se deveu este atraso de quase dois anos nas obras do Teatro Nacional D. Maria II?
O atraso não é bem de dois anos. Ou seja, uma primeira estimativa ainda antes de termos o projeto de execução apontava para 12 meses de obra, que rapidamente, quando fomos desenvolvendo o projeto de execução da obra, foi expandido para 16 meses. Portanto, o que foi a concurso da empreitada foram 16 meses de obra. A empreitada foi lançada no início de 2023, quando fechámos o teatro, e teve algum atraso porque houve a questão do timing do visto do Tribunal de Contas, houve uma impugnação do resultado do concurso, que depois foi dirimido em tribunal e, portanto, a obra começou só em junho de 2023, e os 16 meses apontariam para outubro de 2024 para o término da obra. O que sucedeu foi que, assim que a obra começou, as demolições etc., e apesar das sondagens que tinham sido feitas e todo o planeamento muito aturado e de revisão do projeto, fomos encontrando muitas novidades de que não estávamos à espera, o que obrigou a muitos trabalhos complementares e muitas coisas que não estavam planeadas. E isso fez derrapar o prazo inicial dos 16 meses para mais um ano. E, portanto, em vez de 16 meses de obra, vamos ter 28 meses de obra. Estamos à espera de terminar a obra em outubro de 2025, em vez de outubro de 2024, para depois reabrirmos o teatro no início de 2026.
Em julho de 2024, a Comissão de Acompanhamento do PRR considerava “preocupante” a execução da obra. No novo relatório, a avaliação será diferente?
Esse relatório tem muitas coisas em consideração, e em particular tem em consideração a execução financeira da obra e não a execução física. E há sempre um delay entre a execução física e a execução financeira, porque a execução física vai sendo feita, vai sendo faturada, as faturas têm que ser todas visadas, etc., e até chegarem ao sistema de informação do PRR há um hiato temporal. E, portanto, eu não me revejo inteiramente nessa avaliação de preocupante, porque na altura que o relatório saiu, nós já sabíamos que havia este atraso, estava identificado, e que tem a ver com estes imprevistos de obra que foram surgindo.
O investimento é de 9,6 milhões de euros. Se não fosse o Plano de Recuperação e Resiliência, seriam feitas estas obras ?
Antes de haver PRR, já estávamos a trabalhar num projeto de obras, muitíssimo menos ambicioso do que este que estamos a fazer, que só acontece nesta escala porque existe PRR. Estávamos a trabalhar já no que é o centro desta obra, que é a reconversão da sala de cenografia em espaços de trabalho, que era o elemento central que precisávamos de fazer. Já estávamos a trabalhar muito antes, algum tempo antes da pandemia, a elaborar projetos e, na realidade, à procura de financiamento para essa intervenção, que estava estimada em quatro ou cinco milhões de euros. Portanto, na altura em que surge o PRR, nós andávamos à procura de dinheiro para fazer essa intervenção mais limitada. Quando surge o PRR Cultura, nós dizemos, ‘alto lá, temos aqui um projeto que queremos executar e se há mais dinheiro há outras coisas que nós precisamos de fazer’. Na altura o projeto era menos ambicioso, porque íamos à procura do financiamento para o realizar.
E estão neste momento na expectativa de uma reprogramação do PRR que vos permita fazer ainda mais algumas coisas?
Sim, ou seja, o processo de projeto e preparação desta intervenção decorreu naquele período temporal em que houve um aumento significativo do aumento dos custos de construção, dos materiais, de mão de obra, etc., com a pandemia e as disrupções nos sistemas de fornecimento a nível internacional. E, portanto, a ideia original do projeto foi sendo reduzida em função destes 9,6 milhões de euros que tínhamos disponíveis. A orçamentação deste projeto, em seis meses, durante o período de projeto, aumentou dois milhões de euros por causa do aumento dos custos de construção. E tivemos que reescalonar o projeto e retirar alguns elementos que, sendo importantes, eram relativamente autonomizáveis da empreitada geral, porque já não tínhamos dotação suficiente para os executar. O que sucede é que, com esta reprogramação que está em curso, nós sinalizámos junto da nossa tutela a possibilidade ainda de execução de mais verba do PRR para estes elementos que foram retirados da empreitada geral e estamos otimistas quanto à possibilidade de ainda podermos repor uma parte daquilo que tinha sido retirado.
E qual poderá ser o montante adicional de financiamento?
Fizemos o projeto numa perspetiva modular, ou seja, com vários níveis de ambição. Se nós conseguirmos nesta reprogramação obter mais dois milhões de euros, há mais uns elementos de obra que podemos fazer – fatiámos alguns projetos até aos cerca de 5,5 milhões de euros. Portanto, entre dois e 5,5 milhões, dependendo do que for possível, temos projetos para executar sem pôr em causa o prazo definido para a reabertura do teatro.
O teatro deverá reabrir exatamente em que mês de 2026?
Estamos a apontar para o início, primeiro trimestre de 2026, não temos ainda uma data fechada.
E o que é que as pessoas podem esperar quando entrarem no teatro renovado? Ou não vão ver muita coisa, porque a obra é sobretudo nos bastidores?
É isso mesmo. Ou seja, uma grande parte desta intervenção passa-se em espaços técnicos e que não são, em grande medida, acessíveis ao público. O que não quer dizer que não haja elementos que vão ser imediatamente visíveis. Já se vê, as fachadas do teatro estão muitíssimo mais branquinhas, da cor do lioz que reveste o teatro, porque foram todas limpas e restauradas. A livraria vai ser substancialmente diferente, os elementos técnicos da sala vão ser menos visíveis, a sala vai estar mais limpa, porque todos os têxteis vão ser substituídos, a sala vai ser novamente repintada, ficando com uma cor um bocadinho diferente, realçando os dourados que são também restaurados. E, portanto, há uma dimensão desta intervenção – sendo o D. Maria um monumento nacional classificado – que tem a ver com a preservação patrimonial e com a reintegração de elementos originais com a sua maior visibilidade. Mas, na realidade, não vai ser uma diferença descomunal em termos da experiência estética por parte do público. Vai ser mais confortável, porque o ar condicionado vai ser muito mais adequado e mais energeticamente eficiente. A iluminação dos espaços públicos, no átrio, no salão nobre, vai ser melhor. A bilheteira vai ser mais acessível a pessoas com mobilidade reduzida. Aliás, a acessibilidade é toda uma preocupação em relação a esta intervenção. Mas, na realidade, uma grande parte do que é novo no teatro é em zonas de escritório, zonas técnicas que não são habitualmente acessíveis ao público.
Que modelo de programação defende para o teatro quando reabrir?
Quando se fala do D. Maria, as pessoas pensam no edifício. No frontal, nas colunas, no lioz que reveste as fachadas. O que nós queremos, a visão que temos para o futuro, é que, quando se fala do D. Maria, se pense mais numa instituição que está em muitos sítios diferentes, a fazer muitas coisas diferentes, em vez de se pensar primeiro no edifício. Não quer dizer que não temos muita vontade de voltar para o edifício. Em 2023 fechámos o teatro e não programámos nada em Lisboa. Lançámos um projeto que se chamou Odisseia Nacional e que levou o D. Maria a trabalhar em 2023 com 90 municípios diferentes. Quase um terço dos municípios portugueses, que são 308. E não fizemos nenhuma programação em Lisboa, de forma absolutamente intencional. Ou seja, o teatro fecha, o D. Maria é um teatro nacional e, portanto, vai mesmo ser o mais nacional que alguma vez foi. Muito rapidamente nos apercebemos que esse papel de coesão territorial pela cultura, que já sabíamos necessário, não só era necessário, mas era fundamental que continuasse, independentemente de reabrirmos o teatro.
Em 2024 continuamos com a Odisseia Nacional em 58 municípios, e em Lisboa também. O que nos leva à programação de 2025, que continua pelo território nacional, com um bocado menos de municípios, 37, porque o tipo de trabalho que vamos fazendo com os municípios vai mudando e vai-se aprofundando.
Ou seja, em 2023 foram 90 municípios que nos permitiram fazer um mapeamento do que está no território, dos bons exemplos, dos sítios onde temos que investir mais, dos sítios onde fazemos mesmo muita falta. Em vez de serem projetos mais pontuais que fazemos em muitos sítios, fazemos projetos mais continuados em menos sítios, onde achamos que podemos fazer mais a diferença. Porque a lógica nunca foi a de... Nós não gostamos da palavra descentralização, porque dá a ideia do centro para as margens, e não é isso que queremos fazer. Em vez de sair do centro, queremos procurar outros centros que existem no território, alguns com exemplos absolutamente incríveis de trabalho de municípios com poucos recursos, mas com uma enorme vontade de trabalhar e que têm impacto nas suas populações.
A atividade fora de portas pelo país continuará em 2026?
O que prevemos para o futuro é este modelo novo, um modelo híbrido, em que claro que temos o Rossio e programamos as duas salas que temos. Claro que queremos relacionar-nos com a nossa vizinhança imediata, com as outras instituições de Lisboa. É uma escala de cidade, até uma escala mais micro, das nossas vizinhanças mesmo, das comunidades que habitam o Martim Moniz, o Largo de São Domingos, a Rua do Benformoso, as pessoas sem abrigo, que têm muita presença aqui na Baixa. Queremos relacionar-nos com elas todas, nessa micro escala. Mas também queremos a macro escala de trabalhar para todo o país, internacionalmente também, mas em particular com parcerias com as redes de teatros e cineteatros que existem, com os municípios, com os governos regionais dos Açores e da Madeira, para que o D. Maria seja uma instituição nacional e que seja reconhecida enquanto tal pela população, tanto de Lisboa como da Guarda, de Portalegre, de Lamego ou Loulé. E isso é um objetivo, não é um objetivo, é uma missão, no fundo, de ter uma presença verdadeiramente nacional.
Foi reconduzido agora como presidente do D. Maria II. Quais são as suas três prioridades para este mandato que agora inicia?
As três prioridades, eu diria, para este mandato, são terminar a empreitada, naturalmente, reabrir o teatro, com uma grande festa. Aprofundar o trabalho territorial, de coesão territorial pela cultura que nós fazemos. E aprofundar não quer necessariamente dizer estar em mais sítios, quer dizer trabalhar de forma mais impactante e, com isso, agregar mais alianças, públicas ou privadas, do terceiro setor, ao trabalho que vamos fazendo. Acho que essa é uma dimensão absolutamente essencial. Hoje em dia é trabalharmos cada vez mais em, não são parcerias, porque as parcerias fazem-se e desfazem-se, são alianças verdadeiras entre instituições públicas, privadas, governo central, autarquias, CCDR, etc., para criar mais impacto na vida cultural das pessoas, para que seja mais relevante para as suas vidas.
E há um terceiro objetivo que é muito interno e em que temos vindo a trabalhar, que tem a ver com uma modernização da estrutura do Teatro Nacional D. Maria II e valorização dos seus incríveis recursos humanos. Quando cheguei em 2016, e já passei por muitas instituições culturais diferentes, pensei que nunca vi uma equipa tão profissional como esta. Fiquei mesmo verdadeiramente impressionado. E acho que daí para cá temos conseguido construir ainda mais em cima disso.
E isso significará o quê para os trabalhadores do D. Maria?
Estamos a desenvolver um novo sistema de carreiras, que ainda não fechámos. Temos um sistema de carreiras já muito antigo, que é muito desconexo, que não faz muito sentido, que não cria muita margem de progressão das pessoas dentro da estrutura do teatro, e estamos a trabalhar com um parceiro externo para repensar todo esse sistema de carreiras e o sistema de avaliação de desempenho que lhe está associado, para que possamos negociar com os sindicatos esse acordo da empresa, que há de plasmar todos estes princípios que queremos implementar no teatro. E também de uma forma de gestão mais horizontal, mais democrática, menos em silos, mais matricial, que achamos essencial, face ao tipo de trabalho que desenvolvemos.
Estiveram sem administrador financeiro desde julho de 2024. Que impacto teve essa situação na vossa atividade?
A ausência do administrador com o pelouro financeiro, obviamente que faz com que os outros dois membros do conselho de administração tenham um bocadinho mais de trabalho, mas não sinto que tenha tido um impacto significativo na nossa operação. A equipa da Direção Administrativa Financeira, que era tutelada por essa administradora que saiu, é uma equipa de enorme qualidade e assegurou - em condições não muito fáceis, porque para além da saída da Sónia Teixeira, administradora do pelouro financeiro - em final de julho tivemos a saída também do nosso diretor administrativo e financeiro e, portanto, sem essas duas figuras tutelares, a equipa da direção administrativa e financeira fez um excelente trabalho na preparação do Plano de Atividades e Orçamento para este ano, no acompanhamento da execução orçamental e da atividade, e na preparação do fecho do ano de 2024. Entretanto, já temos, outra vez, a diretora administrativa e financeira, desde dezembro do ano passado, e desde a semana passada, a nova administradora com o pelouro financeiro.
Já têm o Plano de Atividades 2025 aprovado?
Fizemos a proposta do Plano de Atividades, nos tempos normais, em setembro, e a aprovação da tutela ocorre no início do ano. A informação que temos é que está prestes a ser aprovado pela tutela. Tem que ser aprovado pelas Finanças e pela Cultura.
Qual é o vosso orçamento, como é que tem evoluído?
O nosso orçamento ronda os sete milhões de euros, e tem tido acréscimos. Temos tido a felicidade, com os vários executivos com que temos trabalhado, de haver, de facto, uma preocupação de um aumento da dotação orçamental que nos permite também alavancar financiamento privado. Ou seja, é o facto de o Estado e o Governo fazerem um investimento na missão de serviço público do Teatro Nacional D. Maria II e do reconhecimento que isso, julgamos, tem vindo a ter, que nos permite alavancar também financiamento privado.
Em 2025 tiveram um aumento da dotação?
Tivemos um aumento da dotação da ordem dos 7% que nos permite manter o orçamento de programação, acomodar os aumentos salariais que aplicamos, que são os mesmos da Administração Pública. Portanto, os 2,15% com o mínimo de 56 euros e qualquer coisa. E, ainda assim, ter um ano de programação atípico. Porque continuamos com o teatro fechado.
Qual é o impacto financeiro desta programação pelo país fora?
Tem impacto financeiro, naturalmente, ou seja, a nossa dotação orçamental cresceu em função também desta nova missão do teatro, programar em 90 municípios diferentes em 2023 de uma forma que seja económica para os municípios, não fazendo impender todos os custos de nos acolherem no município, mas havendo, no fundo, um cofinanciamento. O nosso modelo é muito simples: os municípios, em geral, suportam os custos de transporte, de alojamento das equipas e refeições, e o D. Maria trata de tudo o resto, de toda a produção artística, a criação dos espetáculos, das atividades, contratações. O que faz com que seja relativamente acessível a teatros e cineteatros de pequena e média dimensão acolher a programação do D. Maria.
Qual é o peso nas vossas receitas totais da bilheteira e das parcerias que têm com a AGEAS, la Caixa e NTT Data?
São as três parcerias do âmbito do mecenato. Em termos da distribuição da receita, anda mais ou menos nos 82%, a indemnização compensatória, e o restante é receita de bilheteira - que nos últimos anos decaiu muito, porque estamos a fazer programação fora do nosso teatro, mas que em 2026, com a reabertura, voltamos a retomar, embora naturalmente tenhamos um critério de preçário que tenta assegurar uma acessibilidade muito transversal em termos económicos. Portanto, estava a dizer que os restantes 18-20% são receita de bilheteira, mecenato e patrocínios, parcerias programáticas e financiamentos europeus.
Quanto receberam dos parceiros privados em 2024?
Investimento que não é da esfera pública, nem de governo, nem de municípios, portanto, privado, foram 650 mil euros em dinheiro vivo, digamos assim. Mas as parcerias que temos, por exemplo, a nossa parceria com a NTT Data, tem uma componente grande de serviços pro bono que eles nos prestam.
Idealmente, a receita de bilheteira deveria aumentar, assim como o peso das parcerias? Qual é a estratégia ao nível do financiamento?
A nossa estratégia de financiamento é a de assegurar um crescimento da indemnização compensatória, porque entendemos que, em primeiro lugar, um teatro nacional público deve ser financiado pelo Estado, pelos impostos de todos nós, e por isso também é que queremos estar em todo lado, porque os impostos de alguém que está em Freixo de Espada à Cinta também pagam o Teatro Nacional D. Maria II, e não temos que os obrigar a vir a Lisboa ver aquilo que os seus imposto também (15:33) pagam. Eu sei que isto é um bocadinho populista, mas é um bocado isso também. Na realidade, toda a população portuguesa paga para que o Teatro Nacional exista.
Tentamos fazer o nosso trabalho de convencimento das nossas tutelas de que faz sentido um investimento maior no Teatro Nacional D. Maria II, pelos resultados que traz em termos de serviço público de cultura, alargamento de públicos, populações carenciadas, diversidade e inclusão, etc. E com isso tentamos alavancar também o financiamento privado. Ou seja, também queremos que o financiamento privado aumente. Não queremos que o financiamento privado substitua o investimento público. Porque, na realidade, a relação é inversa. É o facto de termos mais investimento público que nos permite alavancar o financiamento privado. Porque o financiamento público é o que garante que o teatro existe e causa impacto.
O financiamento privado o que vem a fazer é aumentar e amplificar esse impacto em determinadas áreas, que obviamente são negociadas em termos dos interesses dessas parcerias privadas. E, portanto, tendencialmente, o que nós gostávamos era que o grau de dependência do financiamento público vá decrescendo, e tem vindo a decrescer ao longo dos anos, à medida que nós vamos aumentando a nossa capacidade de financiamento privado, mas que isso não se traduza numa redução do investimento público.
Em relação ao mecenato, há alguma nova parceria em vista?
Temos uma relação super privilegiada e empática com os nossos três principais mecenas, que são o Grupo AGEAS Portugal, a Fundação la Caixa-Banco BPI e a NTT Data. Não gostamos de parceiros que passam um cheque e depois esquecem que nós existimos, porque isso é meio caminho andado para essa relação não funcionar e não se renovar. Gostamos que as equipas dos nossos parceiros, e as nossas equipas, estejam em parceria nos projetos que desenvolvemos. Não queremos só quem financia, queremos quem nos ajuda a desenvolver, quem pense connosco, quem traga perspetivas diferentes. Os parceiros que nós queremos são aqueles que se envolvem connosco de uma forma profunda. E andamos à procura sempre de parceiros para projetos. Há mais parceiros em vista, estamos muito empenhados em aumentar o nível de financiamento privado, não só por causa do financiamento, mas porque gostamos de perspetivas diferentes sobre aquilo que nós fazemos e podemos fazer.
Quais são as maiores dificuldades, os maiores desafios atualmente na gestão do teatro, além de terminar as obras dentro do prazo?
O principal desafio neste momento também é, naturalmente, terminar a empreitada e reabrir o teatro, mas agora estamos bastante confiantes que vamos conseguir, que vamos cumprir. A obra agora está a correr muito bem, depois daquela fase inicial, das tais novidades que foram surgindo ao longo do tempo.
Mas há muitos desafios na gestão de um equipamento cultural. A adequação, muitas vezes, dos normativos legais ao tipo de atividade que nós desenvolvemos, em que temos que andar constantemente a encontrar soluções. Mas acho que há um desafio muito mais transversal, e se calhar um bocadinho abstrato, mas que tem efeitos muito concretos, que é estarmos numa sociedade em que a economia da atenção é muito desigual.
Ou seja, nós sentimos que para tentarmos estabelecer um contrato com os nossos públicos, da relevância que a sua vida cultural deve ter na sua vida em geral, que estamos a lutar com armas muito desiguais em face das redes sociais, do doomscrolling, dos choques de dopamina a cada três segundos, porque o nosso tempo e o tempo da cultura não é o imediato e superficial. Portanto, combater com esta monetização do tempo de atenção das pessoas, todos os segundos do tempo de atenção das pessoas, é um desafio enorme para as instituições culturais clássicas.
Isso é algo que nós tentamos trabalhar de múltiplas formas. Obviamente, estando onde as pessoas estão também, temos redes sociais e é uma ferramenta importante de alcance de públicos, mas também temos que ter uma outra visão das coisas, de um outro tempo das coisas, de quase procurar as pessoas individualmente e estabelecer uma conversa com elas e dizer-lhes que vir ao teatro pode ser uma coisa super interessante na sua vida. Quando nós olhamos para os números...
Culturalmente os portugueses não vão muito ao teatro.
Era aí que ia chegar, a participação cultural dos portugueses. O estudo do Instituto de Ciências Sociais feitos para a Gulbenkian, que julgo tem dados de 2019, diz que só 16% da população portuguesa assistiu a um espetáculo de qualquer género, festividade popular, um concerto nas festividades populares gratuitas ou um concerto de rock, ou um festival de música, ou uma peça de teatro, ou ópera, só 16% no ano 2019.
E, portanto, isso é um bocadinho preocupante, mas também é possível ver o revés da medalha, que é que temos muito trabalho que podemos fazer ainda com 84% da população. E, portanto, o que devemos fazer é encontrar estratégias...
Que tipo de estratégias para levar as pessoas mais ao teatro?
Temos investido muito numa diversificação das nossas atividades, para combater até um bocadinho o estigma que existe, os múltiplos estigmas que existem em relação à atividade teatral. Ainda há esta ideia de que o teatro não é para toda a gente. Essa ideia antiquada do teatro declamado e de coisas super intelectuais e que as pessoas não compreendem os códigos, ou que as pessoas não sabem o que vestir para ir ao teatro, ou se é muito caro ou se não é. As pessoas acham que o teatro é caro. Não é! Um bilhete de teatro em Portugal é barato. Nós fazemos espetáculos em muitos teatros municipais com um preço de quatro, cinco euros ou seis euros, menos do que um bilhete de cinema. Em Lisboa é um bocadinho mais caro, mas ainda assim bastante acessível, em face das alternativas.
As estratégias para procurar público passam por desmistificar e dessacralizar esta ideia da experiência teatral, sair das salas e emancipar-nos dos edifícios também. O D. Maria não é um edifício muito convidativo. É muito fechado. Uma pessoa nem sequer percebe muito bem para onde é que se entra, porque não se entra pela frente, entra-se pelo lado. Não é muito transparente. Estamos todos os dias a lutar contra isso e a trazer pessoas para dentro do teatro. Às vezes, uma a uma.
O que interessa é o processo de envolvimento de comunidades e população na criação artística, seja do que for. Uma utilização de ferramentas artísticas para outras coisas. Utilizar o teatro para fazer uma assembleia sobre democracia, a importância da democracia, por exemplo. E, portanto, as instituições culturais hoje em dia têm que se munir de muitas competências, de muitas estratégias, para fazer face a este contexto no qual nós de facto lutamos com armas desiguais, face ao mundo altamente comercializado e colonizado pelas grandes marcas e pelas grandes redes e cada vez mais, e de forma muito perniciosa. E nós temos que ser um bocadinho o antídoto a isso. Às vezes usando também as ferramentas deles para chegar aos nossos públicos.
A Ministra da Cultura instituiu agora umas reuniões trimestrais com os responsáveis pelas 12 entidades que fazem parte do Ministério. A primeira reunião foi na passada semana. Acha útil estes encontros?
Acho muito útil, acho mesmo muito útil, porque temos a oportunidade de trabalhar, de perceber os desafios e o trabalho que os nossos colegas das outras instituições públicas nacionais estão a fazer, e o número de pontos de contacto é tão grande que conduz à possibilidade de criação de alianças, para que o todo seja mais do que a soma das partes. E, portanto, numa primeira reunião que já tivemos, que foi muito introdutória, em que falamos sobre o ano 2025, os desafios, um bocadinho de balanço do que está para trás, foi logo possível identificar possibilidades de colaboração entre várias instituições nas coisas que estão em curso, em cada uma delas. Quanto mais, quando este trabalho puder ser mais aprofundado, e houver um contacto mais recorrente, digamos assim, com os nossos colegas das outras instituições, que nos permitirão isso que eu dizia, que é desenvolver relações de trabalho mais duradouras e que causem mais impacto neste serviço público de cultura que todos estamos a fazer, seja na área das artes performativas - obviamente que temos uma proximidade muito grande com os outros teatros nacionais, trabalhamos muito de próximo com o Teatro Nacional São João, com o Teatro Nacional de São Carlos e com a Companhia Nacional de Bailado, uma parte -, mas há projetos, desde logo, na celebração dos 500 anos de Camões, com o comissário Diogo Ramada Curto da Biblioteca Nacional de Portugal, em que houve logo ali cruzamento, 'ah, mas nós estamos a fazer isto, eles estão a fazer aquilo, se calhar podemos fazer um programa conjunto', e, portanto, é muito natural estas reuniões permitirem essas colaborações que rentabilizam mais os recursos públicos que as instituições têm, e que nos permitem trabalhar de uma forma mais impactante.
Acho mesmo que há um desafio gigante das instituições. Grande parte da responsabilidade dos pífios índices de participação cultural que temos em Portugal é das instituições culturais e dos artistas. Muitas vezes dizem, ah, pois, mas o sistema educativo, ai, mas as famílias, ai, mas não sei o quê.
Não, acho mesmo que somos nós, primeiro, instituições culturais, que temos que provar que aquilo que fazemos, para e com as comunidades, pode ser muito relevante nas vidas delas. Acho que cada vez mais, tendo em consideração o curso que as coisas levam em muitos países em relação à liberdade de criação artística, à censura, etc. etc., que está na nossa mão - uma vez mais, com armas muito desiguais, com uma falta de recursos endémica, precisamos de mais recursos - mudar esse estado de coisas.