Decididamente, o mercado cinematográfico, nacional e internacional, tão afetado pela situação de pandemia, não desiste de dar a ver a maravilhosa pluralidade do cinema. Saudemos, por isso, a regularidade com que, entre nós, vamos podendo reencontrar títulos essenciais na preservação de memórias tanto mais sedutoras quanto ressurgem em cópias digitais restauradas 4K. Assim acontece agora, a partir desta quinta-feira, com a obra de Wong Kar-Wai, nome essencial na história do cinema de Hong Kong de quem vamos poder ver ou rever cinco momentos emblemáticos da sua filmografia..Nascido em Xangai, em 1956, Wong Kar-Wai viria a tornar-se um dos principais símbolos da internacionalização da produção de Hong Kong. No imaginário popular, Hong Kong foi, durante muito tempo, a "pátria" dos filmes de artes marciais. Wong Kar-Wai e os cineastas de uma enérgica "nova vaga" (em que se incluem também, por exemplo, John Woo e Tsui Hark) vieram superar os limites dessa imagem, além do mais obtendo importante reconhecimento nos mais importantes festivais de cinema..O filme de abertura do ciclo, In the Mood for Love, seria um marco decisivo nesse processo, arrebatando dois prémios - melhor ator (Tony Leung) e Grande Prémio da Comissão Técnica - na edição de Cannes de 2000 (ano em que a Palma de Ouro foi atribuída a Dancer in the Dark, do dinamarquês Lars von Trier). Wong Kar-Wai afirmava-se como um experimentador capaz de reinventar o impulso romântico do clássico melodrama..YouTubeyoutubedWVDZ98AFhI.Vale a pena recordar que a sedução poética do título original (menosprezada pelo "racionalismo" do título português, Disponível para Amar) provém de um dos temas incluídos na banda sonora: I"m in the Mood for Love, standard da canção popular dos EUA (composto pela dupla Jimmy McHugh/Dorothy Fields, em 1935) que surge na versão de Bryan Ferry incluída no seu álbum de 1999, As Time Goes By. Dito de outro modo: o envolvimento musical, em particular através de canções com esta aura, é sempre fundamental nas narrativas de Wong Kar-Wai..A relação do par interpretado por Maggie Cheung e Tony Leung - um amor "suspenso" pelas convulsões dos respetivos universos conjugais -, surge, assim, como um verdadeiro bailado de desejos e afetos que tem também um elemento decisivo nas cores densas e sensuais das imagens de In the Mood for Love. Neste aspeto, importa destacar a importância da aliança artística de Wong Kar-Wai com o australiano Christopher Doyle, director de fotografia dos cinco títulos deste ciclo..Se Chungking Express (1994), Anjos Caídos (1995) e Felizes Juntos (1997), vogando entre drama e policial, constituem sugestivos exercícios de "preparação" para a sofisticada austeridade de In the Mood for Love, o derradeiro título do ciclo, 2046, lançado em 2004, decorre de uma aposta ousada. A saber: contaminar as matrizes melodramáticas por elementos ligados ao imaginário da ficção científica. Não será dos momentos mais perfeitos do trabalho de Wong Kar-Wai, mas não deixa de ser um sintoma do seu gosto por experimentar e transfigurar linguagens que provêm da paisagem clássica do cinema. Ironia amarga: esta cópia restaurada de In the Mood for Love estava programada para ser a abertura da secção de Clássicos do Festival de Cannes de 2020... O festival não aconteceu, mas o filme aí está..Lisboa, Porto, Setúbal, Figueira da Foz, Braga, Coimbra.3 Dezembro.IN THE MOOD FOR LOVE / Disponível para Amar (2000).10 Dezembro CHUNGKING EXPRESS (1994).17 Dezembro FALLEN ANGELS / Anjos Caídos (1995).24 Dezembro HAPPY TOGETHER / Felizes Juntos (1997).31 Dezembro.2046 (2004)