Reinventar o romantismo com o cinema de Wong Kar-Wai

Graças a<em> In the Mood for Love,</em> filme premiado na edição do ano 2000 do Festival de Cannes, Wong Kar-Wai afirmou-se como nome fulcral de uma certa "nova vaga" do cinema de Hong Kong - esse filme integra agora um ciclo de cinco títulos do cineasta, todos em cópias digitais restauradas.
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Decididamente, o mercado cinematográfico, nacional e internacional, tão afetado pela situação de pandemia, não desiste de dar a ver a maravilhosa pluralidade do cinema. Saudemos, por isso, a regularidade com que, entre nós, vamos podendo reencontrar títulos essenciais na preservação de memórias tanto mais sedutoras quanto ressurgem em cópias digitais restauradas 4K. Assim acontece agora, a partir desta quinta-feira, com a obra de Wong Kar-Wai, nome essencial na história do cinema de Hong Kong de quem vamos poder ver ou rever cinco momentos emblemáticos da sua filmografia.

Nascido em Xangai, em 1956, Wong Kar-Wai viria a tornar-se um dos principais símbolos da internacionalização da produção de Hong Kong. No imaginário popular, Hong Kong foi, durante muito tempo, a "pátria" dos filmes de artes marciais. Wong Kar-Wai e os cineastas de uma enérgica "nova vaga" (em que se incluem também, por exemplo, John Woo e Tsui Hark) vieram superar os limites dessa imagem, além do mais obtendo importante reconhecimento nos mais importantes festivais de cinema.

O filme de abertura do ciclo, In the Mood for Love, seria um marco decisivo nesse processo, arrebatando dois prémios - melhor ator (Tony Leung) e Grande Prémio da Comissão Técnica - na edição de Cannes de 2000 (ano em que a Palma de Ouro foi atribuída a Dancer in the Dark, do dinamarquês Lars von Trier). Wong Kar-Wai afirmava-se como um experimentador capaz de reinventar o impulso romântico do clássico melodrama.

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Vale a pena recordar que a sedução poética do título original (menosprezada pelo "racionalismo" do título português, Disponível para Amar) provém de um dos temas incluídos na banda sonora: I"m in the Mood for Love, standard da canção popular dos EUA (composto pela dupla Jimmy McHugh/Dorothy Fields, em 1935) que surge na versão de Bryan Ferry incluída no seu álbum de 1999, As Time Goes By. Dito de outro modo: o envolvimento musical, em particular através de canções com esta aura, é sempre fundamental nas narrativas de Wong Kar-Wai.

A relação do par interpretado por Maggie Cheung e Tony Leung - um amor "suspenso" pelas convulsões dos respetivos universos conjugais -, surge, assim, como um verdadeiro bailado de desejos e afetos que tem também um elemento decisivo nas cores densas e sensuais das imagens de In the Mood for Love. Neste aspeto, importa destacar a importância da aliança artística de Wong Kar-Wai com o australiano Christopher Doyle, director de fotografia dos cinco títulos deste ciclo.

Se Chungking Express (1994), Anjos Caídos (1995) e Felizes Juntos (1997), vogando entre drama e policial, constituem sugestivos exercícios de "preparação" para a sofisticada austeridade de In the Mood for Love, o derradeiro título do ciclo, 2046, lançado em 2004, decorre de uma aposta ousada. A saber: contaminar as matrizes melodramáticas por elementos ligados ao imaginário da ficção científica. Não será dos momentos mais perfeitos do trabalho de Wong Kar-Wai, mas não deixa de ser um sintoma do seu gosto por experimentar e transfigurar linguagens que provêm da paisagem clássica do cinema. Ironia amarga: esta cópia restaurada de In the Mood for Love estava programada para ser a abertura da secção de Clássicos do Festival de Cannes de 2020... O festival não aconteceu, mas o filme aí está.

Lisboa, Porto, Setúbal, Figueira da Foz, Braga, Coimbra

3 Dezembro

IN THE MOOD FOR LOVE / Disponível para Amar (2000)

10 Dezembro
CHUNGKING EXPRESS (1994)

17 Dezembro
FALLEN ANGELS / Anjos Caídos (1995)

24 Dezembro
HAPPY TOGETHER / Felizes Juntos (1997)

31 Dezembro

2046 (2004)

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