Recordar Mastroianni com o drama e o humor de Tchekhov

Através do streaming, podemos reencontrar o maravilhoso <em>Olhos Negros</em>, um filme a meio caminho entre drama e comédia - o italiano Marcello Mastroianni é dirigido por um grande cineasta russo, Nikita Mikhalkov.
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É bem provável que, para a esmagadora maioria dos espectadores mais jovens (digamos, com menos de 30 anos...), seja quase inconcebível o facto de a produção cinematográfica russa - incluindo no tempo da URSS - já ter sido uma presença regular do mercado português. Sublinho: do mercado, da sua dinâmica comercial, não apenas merecedora de atenções jornalísticas e críticas.

Quanto mais não seja para não deixar definhar a memória, vale a pena saudar a "reposição" de Olhos Negros (1987), de Nikita Mikhalkov, numa das plataformas de "streaming" (Filmin) que, felizmente, estão a apostar na diversificação da sua oferta.

Trata-se, aliás, de um filme que reflete a internacionalização da produção soviética da época, tendo resultado da colaboração de entidades da URSS (Sovinfilm) e Itália (RAI), além do mais contando com a participação daquele que era, na altura, um verdadeiro embaixador do cinema europeu: Marcello Mastroianni. A sua performance trouxe-lhe várias distinções, incluindo o prémio de melhor interpretação masculina em Cannes e uma nomeação para o Óscar de melhor ator (que viria a ser ganho por Michael Douglas, em Wall Street).

Estamos mesmo perante um objeto que nasce de um festivo cruzamento cultural, narrando a história do italiano Romano (Mastroianni) que, na transição dos séculos XIX/XX, viveu uma convulsiva paixão por uma dama russa (Yelena Safonova). Há um misto de comoção e desencanto nos detalhes de tal paixão, uma vez que o filme se organiza através de uma teia de "flashbacks", com Romano, a bordo de um navio, a contar as suas memórias a um companheiro de viagem.

Mikhalkov construiu o seu filme a partir de personagens e peripécias cruzadas de alguns contos de Anton Tchekhov, com a ajuda de dois notáveis argumentistas: Alexander Adabashyan, seu colaborador habitual, e Suso Cecchi d"Amico, cujo nome está ligado a vários clássicos italianos, incluindo Ladrões de Bicicletas (1948), de Vittorio De Sica, e O Leopardo (1963), de Luchino Visconti.

Olhos Negros vive do sábio equilíbrio entre as nuances do melodrama e um desconcertante humor, com Mastroianni a mostrar o virtuosismo que, afinal, o tornou um rosto conhecido e admirado por plateias de todo o mundo. Na trajetória de Mikhalkov, este foi um momento decisivo de internacionalização. Alguns anos mais tarde, com Sol Enganador, assinaria um dos seus trabalhos mais complexos e ambiciosos, retratando a repressão estalinista - com ele recebeu o Óscar de melhor filme estrangeiro referente a 1994.

* * * * Muito bom

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