Ramón Galarza: "Sinto orgulho na minha carreira"

O músico e produtor Ramón Galarza está de regresso aos discos em nome próprio com <em>Qu"est-qui se Passe</em>, um álbum que percorre diversos universos musicais, mas sempre tendo o jazz como azimute.
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É um dos mais solicitados músicos e produtores nacionais, como se pode comprovar pela qualidade e diversidade dos artistas com quem já colaborou (de Rui Veloso e Xutos e Pontapés a Rão Kyao ou Banda do Casaco, passando por Doce, Marco Paulo, Dino Meira ou António Pinto Basto) ou pelos trabalhos para alguns dos mais icónicos programas da história da televisão em Portugal. Mas Ramón Galarza é também um artista em nome próprio, com uma carreira iniciada apenas em 2009, com o "cinemático e ambiental" Herr G - 51.11, em que se reuniu com uns amigos para realizar o sonho de fazer um álbum a solo. Mais recentemente, em 2018, agregou à sua volta um naipe de músicos de luxo, composto por Bernardo Fesch (baixo e coros), António Mão de Ferro (guitarra e voz), Diogo Santos (piano, sintetizadores e acordeão), Moisés Fernandes (trompete, flugel e coros) e a japonesa Ryoko Imai (Marimbas e percussão) para formar a Ramón Galarza"s Band, com a qual tem dado forma a um universo musical muito próprio, onde se cruzam jazz, funk e pop, como acontece em Qu"est-qui se Passe, segundo registo de originais do grupo, editado no último dia de 2021.

Como caracterizaria a Ramón Galarza"s Band? É um projeto em nome próprio, mas não parece ser um simples trabalho a solo, concorda?
Sim, a banda tem o meu nome e eu estou na essência do projeto, que nasce de temas que faço sozinho, mas no disco anterior juntei um grupo de músicos e como nos demos todos muito bem, decidimos fazer uma banda. E ainda bem que assim foi, porque para mim é ótimo ter a opinião e a contribuição de outros músicos, porque senão o trabalho torna-se muito individual e solitário.

O que é que eles trouxeram aos temas? O que se ouve no disco é diferente das suas composições originais?
Normalmente quando componho já me aproximo muito do resultado final. Mas como componho apenas com instrumentos virtuais e eles são de facto muito bons músicos, quando gravam com os instrumentos reais os temas ficam muito mais ricos, não tem nada a ver. É a parte orgânica da música, pronto, que neste caso representa uma enorme mais-valia para as minhas ideias. E depois há todo o espírito de amizade e companheirismo que conseguimos criar entre nós, de pontos comuns de interesses e de gostos. Acho que tem sido uma experiência mesmo muito boa.

Como é que a pandemia influenciou ou alterou essa experiência?
Apenas ao nível dos processos, que na verdade até podem ser divididos em dois momentos. Este disco tem 14 faixas e três delas já são fruto do nosso trabalho conjunto enquanto banda, nos ensaios ou de outra forma qualquer. E esse também é um dos meus objetivos, chamar os outros meus colegas para o processo criativo e tornarmo-nos mesmo numa banda, o que nem sempre é fácil porque todos eles têm vidas muito ocupadas, mas temos vindo a conseguir. O maior obstáculo é mesmo o facto de o nosso guitarrista e cantor, o António Mão de Ferro, viver no Porto. Quando começámos a pensar neste disco ainda não havia pandemia e quando esta chegou optámos por ir lançando alguns singles, que é uma estratégia muito comum hoje em dia. Lançámos esses três temas e o objetivo era ir trabalhando os restantes entre nós, até termos o álbum pronto, mas entretanto veio a pandemia baralhar-nos um pouco os planos, porque apesar de todos os membros da banda serem bastante hábeis em termos tecnológicos, não é a mesma coisa estar cada um a trabalhar em sua casa e a falarmos apenas por Zoom. E isso acabou atrasar um pouco o processo, que só retomou o seu curso natural quando nos começámos a poder encontrar novamente.

Isso influenciou, de alguma forma, a sonoridade final do álbum?
Talvez possa ter acontecido, mas apenas em termos muito subjetivos e em momentos pontuais, porque o convívio é muito importante e as nossas melhores ideias surgem sempre quando estamos todos juntos, muitas vezes sem estarmos a pensar nela. Eventualmente, a esse nível, até poderia ter corrido melhor, mas estou muito contente com o resultado final, mesmo não sendo perfeito. Mas também, o que é isso de perfeição, não é? Poderíamos ter melhorado algumas coisas, mas fiz questão que o disco saísse ainda durante o ano de 2021 e se calhar aí até fui um bocado quadrado. Foi mesmo no último dia, para acabar o ano e encerrar este ciclo. Houve quem me aconselhasse a esperar mais um pouco, porque poderia passar despercebido, entre tantos lançamentos natalícios de nomes mais da primeira liga, mas, por outro lado, eu também nunca quis competir com eles, porque esta é uma música mais alternativa, direcionada para um nicho de mercado.

Já há datas para a apresentação ao vivo do disco?
Vai ser na Casa da Música, no Porto, mas a data ainda não está definida. E depois o objetivo é levar o disco para a estrada, não só porque nos dá muito gozo, mas também porque os meus músicos precisam de trabalhar. E modéstia à parte, acho que tocamos mesmo muito bem e sinto que existe público e espaço para nós. Vi alguns concertos de bandas estrangeiras desta área e fiquei impressionado de ver miúdos de vinte e poucos anos a trautearem as melodias de temas instrumentais. Isso é a prova que há cada vez mais pessoas a fugir ao mainstream e atentas a outros tipos de música.

Editou o primeiro álbum a solo, Herr G - 51.11, apenas em 2009 e foi preciso esperar mais nove anos até à estreia da Ramón Galarza"s Band, porque é que a sua carreira em nome próprio tem sido tão espaçada?
Esse primeiro álbum foi feito completamente sozinho e como não tinha banda, optei por convidar alguns músicos com quem trabalhei ao longo da carreira, que também são meus amigos, como o Rui Veloso, o Zé Nabo ou o Zé Pedro. E também por isso foi um projeto muito especial. E só aconteceu nessa altura porque até aí, como se costuma dizer, não tinha tempo nem para me coçar, não só tinha muito que fazer como era completamente workaholic e deixei sempre essa minha faceta e esses meus sonhos de lado. Mas entretanto os tempos mudaram e hoje não tenho nem de perto nem de longe esse volume de trabalho, nem o aguentaria. E como tenho muito mais disponibilidade, estou a usá-la para concretizar estas minhas ideias. Como aconteceu há cerca de um ano, com o álbum Symetrix, no qual explorei um lado mais sinfónico e clássico, que em breve terá um segundo volume. Sempre fui bastante criativo, adoro aquilo que faço, tenho a sorte de ter os meios à minha disposição e esse lado mais pessoal acabou por se tornar um hobby que me dá muito prazer. Apesar de continuar a trabalhar bastante, gostaria que esta reta final da minha carreira fosse um bocadinho mais egoísta, no sentido de fazer coisas que gosto e me deixam orgulhoso.

Foi em tempos uma espécie de quinto elemento dos Xutos e Pontapés e colaborou com gente tão diferente como Rui Veloso ou Marco Paulo, mas este trabalho musical a solo acaba por se afastar um pouco do universo mais pop-rock no qual vagueou durante muito tempo.
Sempre tive um gosto musical muito abrangente, gosto de pop, de rock, de jazz, de música clássica... Mas são fases, não estou a ver agora a fazer um disco de hip-hop ou de música de dança, que também gosto e eventualmente até o poderia fazer, porque não? Mas como não posso nem quero fazer tudo, optei por esta via. Neste momento estou completamente dedicado à banda e depois há uma série de projetos instrumentais que também quero levar em frente, porque me dão muito gozo.

Também trabalhou muito para televisão, em novelas, com o Herman José ou os Gato Fedorento, que lhe garantiram um lugar na memória coletiva de várias gerações, apesar de muita gente nem o saber.
A esse nível fiz coisas de que me orgulho muito, uma delas foi a Rua Sésamo. Foram sete anos de trabalho muito intenso, mas também muito satisfatório. Foram uns tempos muito loucos, porque além da Rua Sésamo tinha também em mãos um projeto muito grande para a Disney e continuava a produzir discos. Nessa altura era normal trabalhar 14 horas por dia, às vezes mais.

Continua a produzir outros artistas?
Sim, ainda há muita gente que recorre a mim e tenho tropeçado em muito talento. Existe uma nova fornada de jovens músicos e compositores a fazer coisas muito interessantes. Comparativamente à minha geração, por exemplo, são pessoas com uma formação muito melhor, porque há muito mais escolas de música, e boas.

Mas depois o mercado continua a ser demasiado pequeno para absorver todo esse talento.
Tenho muita pena que isso aconteça, porque da maneira que o mercado está, é cada vez mais complicado viver-se em exclusivo da música em Portugal. Os músicos vivem cada vez mais dos concertos, porque os discos já não se vendem e com a pandemia tudo isso piorou. Claro que vai passar, mas não será um processo assim tão rápido e mesmo quando passar não vamos deixar de ser o país que sempre fomos, onde existe uma total falta de apoios e uma fala de interesse por parte dos poderes em relação à cultura.

O que é que ainda lhe falta fazer?
Mais coisas a nível do cinema. Essa é uma das minhas grandes frustrações. Fiz muitas bandas sonoras incidentais para telenovelas e documentários, mas uma banda sonora só fiz uma, para o filme Tempestade da Terra, de Fernando D"Almeida e Silva. É algo que gostaria de fazer mais, porque sempre adorei cinema, desde miúdo. E as bandas sonoras sempre me influenciaram muito. Aliás, os amigos mais próximos costumam dizer que as minhas composições são muito cinematográficas, o que talvez seja resultado dessa minha paixão pelo cinema. Mas pode ser que um dia destes ainda me liguem de Hollywood [risos]. Mas mesmo assim sinto-me muito orgulhoso daquilo que fiz e muito agradecido pelas oportunidades que tive ao longo da minha carreira. Tenho um respeito imenso por todos os artistas com quem trabalhei, sejam eles de área forem, porque além dos amigos que fiz, aprendi muito com todos eles. Enfim, sou uma pessoa feliz.

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