Quentin Dupieux, o cineasta mais “trendy” do momento em França.
Quentin Dupieux, o cineasta mais “trendy” do momento em França.Tiziana FABI / AFP

Quentin Dupieux, o cineasta que abre Cannes com gargalhadas 

De hoje a dia 25 o 77ª Festival de Cannes volta a impor-se como o maior acontecimento mundial de cinema. Abre com uma comédia do surrealista Quentin Dupieux, 'Le Deuxième Acte'. O cineasta esta semana estreia em Portugal o seu anterior, esse adorável 'Daaaaaali!'. O DN falou com o novo mago francês... em Veneza. 
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É quase inédito o caso Quentin Dupieux, cineasta de nicho que filma incessantemente e que agora ganha finalmente o peso da consagração em Cannes, sobretudo com o estatuto de “filme de abertura”. O filme chama-se Le Deuxième Acte e assume-se como comédia. Espera-se absurdo e a secura habitual do estilo do realizador - uma abertura fora-de-competição também para mostrar que a indústria do cinema francês ainda produz estrelas: Vicent Lindon, Louis Garrel, Léa Seydoux e a coqueluche Raphael Quenard dão uma passadeira vermelha bem respeitável para consumo interno.

O que é impressionante no caso de Dupieux, anteriormente famoso na sua persona de músico como Mr. Oizo, é o ritmo de trabalho. O ano passado teve dois filmes em dois grandes festivais: Yannick em Locarno e Daaaaaali!, no Festival de Veneza. Mais duas comédias a trote de um humor só dele, quase sempre a desafiar as convenções e a apostar em fantasias insólitas.

E foi em Veneza que o DN chegou à fala com Dupieux, precisamente numa altura em que o seu estatuto de pop star do cinema francês atingia os píncaros e que a crítica fazia vénias a Daaaaaali!, a fábula divertida sobre uma tentativa de documentário/entrevista a Salvador Dalí, a partir de quinta-feira nas salas de Portugal. Um filme cujo humor e bizarria é um salvo-conduto para entrar na loucura do artista.

Vários atores a dar vida a Dalí mas todos eles a respeitarem uma ideia de maneirismo concreta... Eles são os seu Salvador Dalí.
Sim, o Dalí com o qual me identifico, a falar francês. Sem esse sotaque seria muito estranho... ou então até poderia ser uma grande ideia cada um falar diferente. Mas todos os atores estão diferentes e esse era o jogo para que conseguíssemos ver diferentes partes do artista.

Entre os atores houve algum tipo de competição para alguém ganhar o trofeu de melhor Dalí?
Tentei que houvesse um pouco esse espírito de disputa. O filme começa com o Dalí de Edouard e quem começasse teria mais dificuldades mas ele é brilhante. Depois, para os outros atores, mostrei essas imagens a picá-los... A verdade é que todos tiveram acesso à minha investigação sobre Salvador Dalí.

Daaaaaali!, divertimento entre a homenagem e a farsa a Salvador Dalí.

E não lhes mostrou I’m Not There, de Todd Haynes, onde vários atores fazem de Bob Dylan?
Nunca vi esse filme! Mas sei que é diferente. Primeiro quis encontrar o Dalí perfeito, mas percebi que nenhum ator era capaz de o encarnar na perfeição. Ao fim de quinze minutos, com o mesmo ator, as pessoas acostumam-se e eu não queria isso. Acho que estar sempre a trocar de ator deixa o público sempre entusiasmado.

Sente que o seu legado ainda está no ar?
Ele vai continuar a marcar durante muito tempo, tal como Picasso. Aliás, acho mesmo que viverá para sempre. Explorei muito o seu trabalho para ganhar inspiração e acho que todos conhecem de cor as suas maiores obras, como os relógios moles que agora são quase uma piada. É como se fosse uma marca, está em todo o lado. Se esquecermos isso e concentrarmo-nos na arte, percebemos que é ainda relevante. E foi sempre uma personalidade interessante. Eu que faço tantos filmes e tenho de dar entrevistas sei o que isso é... Não é fácil! Dalí era uma figura cativante. Poderia estar duas horas a ver entrevistas dele na boa. A sua intensidade e o seu nonsense eram arrebatadores. Sinto-me muito conectado com a sua liberdade mas na indústria de cinema alguém dizer que é livre soa-me a vaidade, mesmo assim, vou tentando.

Quer falar de Daliland, de Mary Harron, o outro filme sobre Salvador Dalí, que vai estrear em Portugal em breve?
Vi umas fotos e não quis ver o filme. Sejamos honestos: passámos tanto tempo a tentar respeitar o mundo de Dalí e sermos exatos nos objetos da sua casa, bem como em todo o guarda-roupa, e o que vi desse filme é uma treta absoluta! Nada faz sentido naquelas fotos que vi... E um amigo disse-me que o filme era aborrecido, um daqueles biopics clássicos e que eu nem tinha de o ver. Li também algumas críticas que diziam que era um mau filme.

Ter vindo da música ajuda-o na forma como decide a montagem dos seus filmes?
Sim, muito, em especial porque na música eletrónica joga-se imenso com os “loops” e podemos ter uma decisão de manter o mesmo “loop” durante uns cinco minutos para tentar criar algo. E o difícil aí é decidir quantos “loops” queremos colocar. No começo do filme, jogo com algo parecido na cena do corredor do hotel quando vemos Salvador Dalí a chegar. Dessa forma, filmei muitos planos do Edouard Baer a andar e a dizer as suas linhas de diálogo e, mais tarde, tornou-se um pesadelo na montagem conseguir que esse efeito resultasse. No cinema sou atraído por esses pequenos truques de magia.

E quis trabalhar com o Thomas Bangalter (Daft Punk) na partitura musical, mas curiosamente não lhe pediu som eletrónico...
Pois, falámos previamente muito. A música foi deveras intelectualizada, algo que nunca faço. Como estávamos a filmar Dalí queríamos criar um som que o definisse e foi aí que o Thomas se lembrou daquele som das guitarras velhas dos anos 1940... Eram também necessárias várias gamas de emoções. Por exemplo, precisava do som para a loucura, mas também para o suspense. felicidade e outros registos mas sempre tudo numa única peça com diversas variações. O que ele criou com a mesma melodia e vibração foi brilhante. Que músico tão poderoso!

E você também é músico.
Não sou nada como ele, era incapaz de fazer o que ele fez aqui.

Em Cannes

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