Quem tem medo de Gaspar Noé e do seu Clímax?
O que é isso de ser provocador no cinema nos nossos dias? Gaspar Noé, cineasta de Irreversível e Love, parece estar a ser arrastado por uma onda promocional em França que faz dele um espécime de uma ideia de provocação no cinema comercial. Os seus filmes arrastam fãs que esperam transgressão e experiências extremas. Em Clímax, que é agora lançado em Portugal numa distribuição cirúrgica da Bold (logo a seguir vai estar disponível em Home Cinema), a própria marca do seu cinema parece subordinar-se às expectativas, como se de um contrato com o público se tratasse.
Clímax é baseado numa história verdadeira sobre um grupo de dançarinos que numa noite de festa acaba por ficar isolado num pavilhão sob o efeito de drogas alucinogénicas metidas na bebida. Uma festa que começa em formato de musical realista e que se prolonga como um filme de terror. O que é verdadeiramente exaltante neste objeto é a forma como a câmara sôfrega de Noé opera com bisturi a perceção do espetador cúmplice. Tudo é tão intenso entre sequências de dança e de excesso que não é descabido pensar-se em experiência de confronto físico para o corpo de quem está na sala de cinema.
Em Paris, suado e num castelhano com calão, o cineasta franco-argentino abriu o livro para o DN.
Para um público mais jovem, tem alguma noção daquilo que hoje possa ser transgressão em cinema?
Não, nem sei o que é cinema moderno... Eu continuo a fazer o cinema de que gosto, ponto final. Cresci a ver cinema dos anos 1970 e 80 e sinto que hoje o cinema comercial poderia ser bom mas é dominado pelos americanos que fazem filmes que parecem hamburgers do McDonalds! Claro que há exceções mas os filmes americanos são todos iguais. Infelizmente, o cinema americano que eu gostava desapareceu. Mas também tenho saudades do antigo cinema europeu, em especial o italiano que hoje acaba por não ter qualquer tipo de expressão.
Clímax é um filme para o espetador reagir fisicamente, não é?
Sim! Fiz um filme que é para ser como uma montanha-russa. Tal como numa carruagem dessas, as pessoas ora gritam ora choram. Sou dos que acredita que um filme deve ser como uma montanha-russa e, por vezes, conseguir fazer com que o espetador chore. Quero sacudir as pessoas, o teatro não me interessa. Sou do cinema e quero fazer cinema que seja uma experiência para quem o vê.
E aqui a música torna-se também uma experiência física...
Quase todo o filme foi filmado com música alta nos altifalantes! Filmámos uma história de bailarinos e bailarinos sem música não dá... Claro que não é uma comédia musical! Detesto o género mas há muita dança, sobretudo psicótica! A ideia é deixar o espetador desperto. Quando vamos a uma discoteca e a música é má, não dançamos. Aqui quisemos colocar temas musicais com os quais as pessoas tenham uma relação, são essencialmente clássicos dos anos 70 e 80. Quem nunca dançou Born to be Alive ou algo dos Daft Punk?! Queria esse efeito de reconhecimento.
Em termos de marketing, a chegada de um novo filme de Gaspar Noé ganha quase um efeito de acontecimento. Como se sente como sendo um dos raros cineastas que tem uma base de fãs?
Quando era jovem era fã do Kubrick e do David Cronenberg, cineastas que faziam películas que nos transportavam - isso é tão raro! Filmes que nos colocam perto do paraíso e do inferno. Entendo esse tipo de fascínio. Decidi ser cineasta depois de ver 2001-Odisseia no Espaço, pareceu-me algo natural. Ora, se posso dar o mesmo prazer aos outros, melhor! Mas, sabe, percebo que possam ser fãs da minha obra, mas já não percebo aqueles fãs que querem tirar selfies comigo. Caramba, isso é pesadíssimo! Não me incomoda quando chegam ao pé de mim para dizer que os meus filmes são políticos e psicadélicos, mas agora a tendência é nunca haver diálogo - só pensam no raio das selfies! Sou da opinião que estarem comigo e depois irem a correr para o facebook para postarem a foto é de uma enfermidade mental tremenda. Talvez seja uma coisa geracional, mas fico sem perceber porque raio querem a minha cara!
O seu nome causa paradoxalmente muita alergia a uma certa crítica. Sente-se bem ou mal-amado?
Não quero saber! Faço o que quero. Quando falam mal de mim é sobretudo para afirmarem a sua identidade...Há muita concorrência nas famílias de cinema...Não pertenço à habitual família do cinema francês. Senti isso na pele quando competi para a Palma de Ouro, em Cannes. Senti que em relação a mim havia que tomar uma posição. Quem tem os seus cineastas preferidos em competição acaba por estar contra mim...O cinema aqui em França é uma coisa de grupos.