Quem é que deverá vencer na Eurovisão?
Com a Ucrânia grande favorita na final deste sábado em Turim, não tanto por a canção ser destacadamente a melhor mas devido ao contexto político de guerra naquele país, importa analisar também outras canções com potencial para serem a surpresa no final desta noite.
A Ucrânia é a grande favorita para vencer o Festival Eurovisão da Canção 2022 que decorre, neste sábado, em Turim. Não porque a canção seja destacadamente a melhor de um pequeno lote resultante de opiniões e apostadores internacionais, mas porque o fator político da atual conjuntura de guerra na Europa está a ter uma influência determinante, a tal ponto que anteriormente a Rússia foi banida do concurso e muitos têm falado da canção da televisão ucraniana (UA:PBC) como a mais bem posicionada.
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Stefania é uma canção interpretada pela KalushOrchestra e foi selecionada no Vidbir 2022, o festival nacional ucraniano. O tema é irreverente, usa todo o palco para uma performance vibrante, mas não comete os vícios do espalhafato mais comum nestes festivais, para além de nos trazer uma fusão de sonoridades locais (folk) com música urbana internacional (hip hop) e um excelente arranjo instrumental. Aliás, a mesma fórmula é escolhida pela Moldávia, com Trenuletul, numa fusão de folk e rock"n"roll e que na letra diz: "Um velho país, um novo país / É como um, é como dois / Ambos separados, ambos juntos". Será política? Será a tentativa de reconciliação da Moldávia com a vizinha Roménia?
Estes são dois exemplos de como os direitos de existir como povo e nação correm pelo palco de Turim.
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A poucas horas da final, o que importa analisar, também, são as hipóteses de algumas outras canções, à luz de uma roda de fatores que, nos últimos anos, têm sido basilares na escolha da vencedora, numa temática que extravasa a música, para se situar num campo analítico diverso. Até poderá acontecer que, face ao esmagador apoio à Ucrânia, tal se revele contrário a um fator cada vez mais manifesto e que dá vida à própria organização, ou seja, o efeito de surpresa à beira da decisão.
Assim sendo, defino dois tipos de canções: as que têm uma performance em palco total, baseando-se, ou não, em géneros musicais desgastados ou inspirados no passado, e as que têm uma carga intimista e arrebatadora e também beleza de texto e música (em simbiose), sendo estas canções quase sempre produtos originais e preciosos. Em qualquer dos universos, há quem possa destronar a Ucrânia, se a surpresa surgir logo à noite.
No primeiro universo, a canção da Espanha (RTVE), SloMo, foi feita para Jennifer Lopez, que nunca respondeu ao autor da canção. Por consequência, este ofereceu-a a Chanel, que venceu o BenidormFest 2022 e conseguiu o passaporte para Itália. Chanel é uma cantora charmosa e uma dançarina sensual. A canção tem um toque de reggaeton latino-americano, mas faz parte de um foguetório próprio para esquecer os males e animar as hostes no final apoteótico de um Festival. Bem refere um dos versos da canção: "Si tengo un problema, no es monetary". A Espanha tem, de facto, um problema: há muito tempo que não vence. E se Chanel empolga o público e certamente os jurados, a canção escolhida internamente pela BBC intitulada Space Man e cantada por Sam Ryder também enche o palco, mas é mais surpreendente e as capacidades vocais do cantor são arrebatadoras. No ano passado, a política relacionada com o Brexit talvez tenha ajudado a relegar o Reino Unido para o último lugar. Em 2022, porém, a estratégia foi escolher uma estrela viral nas plataformas digitais e uma produção musical que parte das inspirações em Space Oddity, de David Bowie, e em Rocketman, de Elton John, para nos dar uma mensagem em "voo de pássaro", através do desejo de uma conquista espacial, mas cuja consciência de que a Terra é a nossa casa nos obriga a voltar sempre, para valorizarmos o que já temos.
No segundo universo de canções, temos uma boa novidade proposta pela Polónia. River é um rio que corre pela voz admirável de Krystian Ochman, que representa a TVP a partir do festival nacional (Tu bije serce Europy! Wybieramy hity na Eurowizję!), uma balada potente e interpretada em inglês, género e idioma que também nos chegam na proposta grega, Die Together, na voz de Amanda Tenfjord e escolhida a partir de uma seleção interna na ERT, com um excelente arranjo em crescendo musical para um fim apoteótico. Da Polónia e da Grécia para os Países Baixos, vamos ao encontro de De Diepte, uma balada envolvente, cujo timbre da voz de S10 é notavelmente positivo, para além de uma linha melódica que se alia ao poema para criar uma história, uma emoção e uma canção selecionada por escolha interna na NPO. Os Países Baixos ganham talvez uma vantagem em relação à Polónia e à Grécia, porque a sua canção foi escrita na língua nativa, reforçando a diversidade que deve voltar a ter este evento de canções e que tem acolhimento.
Um Festival eurovisivo não dispensa, porém, os representantes dos dois mais afamados festivais nacionais.
A Itália (RAI), com Brividi e o duo Mahmood & Blanco (vencedores do Festival di Sanremo 2022), pode ficar como a balada do ano: interpretação, melodia e arranjo perfeitos e uma letra que explora as inseguranças de pessoas com dificuldades de amar, entre os amores "impossíveis" e o romantismo intemporal, com um registo contemporâneo e na língua materna, por sinal a mais bela do mundo. Porém, espera-se até ao final da canção que haja uma solução para este desejo - "E ti vorrei amare, ma sbaglio sempre" (Eu gostaria de te amar, mas estou sempre errado) -, mas ela não surge. Pelo contrário, a canção da Suécia dá-nos uma resposta ao inquietante fim de uma relação amorosa. Hold Me Closer e Cornelia Jakobs foram as escolhas da estação televisiva SVT, através do afamado concurso nacional (Melodifestivalen). Mais uma vez a Suécia faz parte dos favoritos, desde logo por ser a Suécia, mas também pelo facto de ter uma mensagem reconhecidamente disseminadora e que faz pensar - "Can"t you see that you found the rightone at the wrong time?" (Não poderás ver que encontraste o caminho certo na hora errada?). Duas canções que falam de amores e desamores, talvez um clássico que já se torna pouco surpreendente, não fossem estes os países em questão e as duas produções com traço de excelência.
Portugal também faz parte do pequeno grupo de canções que carregam mensagens edificantes sobre amar as coisas e as pessoas que nos pertencem.

Saudade, Saudade, de Maro e Joh n Blanda, tem uma característica polifónica perfeita, que ajuda a ouvi-la e é própria da paz que a canção irradia.
Pelas projeções internacionais mais recentes, Saudade, Saudade dificilmente entra no grupo dos 10 primeiros classificados, mas espero que se enganem, porque a canção de Maro e John Blanda tem uma característica polifónica perfeita, que ajuda a ouvi-la e, essencialmente, é própria da paz que a canção irradia. Em simultâneo, Maro e as suas vozes de acompanhamento também transmitem doçura e calma. A canção e as intérpretes defendem uma saudade, não saudosista, mas do futuro, e trazem um pouco da diáspora portuguesa. O sorriso de Maro encanta-nos e a sua voz suave quase a desaparecer por instantes tem um timbre único no contexto deste Festival. A Europa está rendida, mesmo que a pontuação não nos leve a uma posição de topo. A canção representante de Portugal (RTP) promoveu-se a ela própria, só as grandes canções e os intérpretes carismáticos o conseguem.
Este é o exemplo de que os autores portugueses começam a transcender os objetivos da RTP (passar à final) e levam a simplicidade do belo à Eurovisão, tal como simples é o amor à vida - "The Sound of Beauty", o lema deste ano.
A arte e o amor não abraçam o que é belo, mas é justamente o abraço entre eles que é belo. É disto que o mundo necessita, e o Festival, mais do que um concurso, deve responder a este desiderato, fazendo com que todos se abraçam por uma causa e, simbolicamente, todos vençam logo à noite.
Investigador em Eurovisiologia
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