Se nos dissessem que um drama prisional seria a melhor proposta para os dias quentes de verão não acreditávamos. Mas aí está a produção dinamarquesa que o confirma: Prisioneiro puxa-nos para trás das grades frias com o impulso e confiança da ficção televisiva que sabe transformar um excelente argumento em tensão implacável. Ao longo de seis episódios de 60 minutos, esta série ultra envolvente desenha um complexo mapa humano, que se diria impossível de antever nos seus primeiros minutos. E ao fazê-lo, vai deitando achas numa hipotética fogueira que será a confluência de diferentes linhas de ação individual, cada uma delas marcada por sofrimentos silenciosos, a misturarem-se com o jogo interno de uma prisão... Já se percebeu o nível? Só para que conste, não há aqui um minuto desperdiçado..Em estreia exclusiva na plataforma Filmin, Prisioneiro traz como rosto conhecido a atriz Sofie Gråbøl (protagonista de The Killing), que deixa logo no ar a típica expressão grave da personagem íntegra. Neste contexto, ela é praticamente a única guarda prisional que demonstra compaixão pelos reclusos, e a figura que inspira uma certa dignidade profissional, usando gravata com a farda quando todos os outros colegas se estão nas tintas para esse rigor de imagem....O detalhe da gravata é importante, porque se trata do ponto de identificação com outro jovem guarda que vai integrar a equipa. Ou seja, ao serem apenas os dois que fazem questão de se apresentar segundo as regras, cria-se um entendimento tácito, uma perceção mútua de que as suas abordagens do trabalho pouco têm que ver com as dos restantes colegas, muito menos idealistas, e claramente menos preocupados em fazer o que é correto do que em manter o ecossistema da prisão a funcionar sem grandes chatices para eles próprios (alerta: não se precipite no julgamento desta atitude). O que, na prática, significa que os gangues controlam o espaço, até que alguém venha desestabilizar essa ordem de fachada em que a violência está mais ou menos encoberta..Para além dos referidos guardas, há mais dois que vão emergir como protagonistas, todos eles com os seus problemas pessoais e na vertigem de uma qualquer tragédia indissociável da prisão. Não se espere, portanto, jornadas honrosas: o instinto de sobrevivência reinará numa história tão física quanto simbólica dos modos de cárcere que a vida nos prepara..Uma orgânica perigosa.O nervosismo de um período de avaliação é o que se constitui como o motor dos acontecimentos da série. Depois de a chefe da prisão informar a sua equipa sobre a construção de um novo estabelecimento prisional, cujo financiamento implicará encerrar outro (talvez o seu), a necessidade de unir esforços é inevitável: para fazerem boa figura diante dos inspetores que vão supervisionar as suas práticas, estes guardas apertam o controlo dos reclusos de uma maneira que vai fazer estalar definitivamente o verniz da coexistência num lugar onde, ainda por cima, há falta de pessoal..E é, de facto, brilhante o que o criador e escritor Kim Fupz Aakeson alcançou, baseando-se num romance próprio, motivado pelo interesse num “lugar secreto da sociedade”. Esse espaço que se caracteriza aqui por ser “vivo e orgânico, violento e perigoso, com muito barulho”, nas palavras do corealizador Frederik Louis Hviid, ele que quis reforçar o contraste com a realidade exterior, “muito escura e silenciosa, claustrofóbica, cheia de segredos e tragédias pessoais”. Trata-se da colisão de dois universos que, no fundo, estão intimamente ligados..Seguindo a alta pressão dos episódios e entrando na consciência brutal deste mundo, ficamos agarrados ao seu funcionamento, que inclui também constantes chuvadas e céus cinzentos. Quer dizer, chove torrencialmente na vida destas pessoas – e mais não se deve revelar sobre Prisioneiro e a sua riqueza de pormenores, que servem a perspetiva madura do drama televisivo..Da Dinamarca com amor.É sem dúvida uma ótima aquisição, a acrescentar valor ao catálogo da Filmin, onde se encontram outras três séries dinamarquesas de qualidade, muito diferentes entre si. São elas Cara a Cara, um thriller baseado na lógica dos diálogos tensos como método de investigação; A Orquestra, tragicomédia sinfónica sobre os bastidores da música clássica em Copenhaga; e Memórias de Uma Escritora, drama centrado na autora dinamarquesa Karen Blixen (1885-1962) e na fase em que se entregou à escrita, de regresso do Quénia e com a saúde frágil, para produzir as obras que lhe deram nome, a começar por África Minha. Dito de outra forma: a ficção nórdica está bem e recomenda-se.