Postais de Natal da Islândia 

Entre o humor e os afetos perdidos,<em> Echo - Mosaico de Natal</em>, de Rúnar Rúnarsson, é a proposta alternativa ao conto de época. Um filme feito de vinhetas que montam o grande retrato da sociedade islandesa através de pequenos retratos humanos nas vésperas de Natal e no Ano Novo. Estreia em sala.
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Há qualquer coisa de refrescante num filme que pega na mais comercial época do ano para a converter num jogo de simetria humana sem medo da morte. Num dos primeiros momentos de Echo - Mosaico de Natal, um agente funerário atende com ligeireza o telemóvel pouco depois de ter aberto e ajeitado cuidadosamente as bordas de tecido de um imaculado caixão branco onde jaz um menino. Noutro, uma avó diz para o neto, em frente à campa do avô e sem qualquer desconforto: "Todos morreremos e seremos enterrados aqui." Mais perto do fim, em jeito de epílogo humorístico, um anúncio à beira da estrada que dizia "15 pessoas morreram este ano. Pôs o cinto?" é substituído por "Ninguém morreu este ano."

Para cada referência à morte há uma sentença de vida no filme do islandês Rúnar Rúnarsson. Sendo a mais bela e possante de todas aquela em que se assiste ao nascimento de um bebé - um momento documental que, precisamente pela ausência de ficção, ganha uma força maior no "mosaico" existencial do realizador. Echo compõe-se de 56 vinhetas, sem relação narrativa entre si, que dão conta da fauna islandesa em tempos de quadra natalícia (a apanhar também o Ano Novo). E nessas breves cenas, captadas em planos fixos, há um gosto invernal que vai crescendo em significado à medida que se acumulam.

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Isto porque nem todas são capazes de produzir o mesmo impacto ou, por vezes, corresponder a mais do que uma composição estética. Mas o filme aceita o próprio desequilíbrio para ir ajustando, no efeito de acumulação, aquilo que será um retrato vário da sociedade islandesa a partir de pequenas especificidades que ecoam numa época de espírito universal. Telefonemas entre familiares, conversas sobre a neve lá fora e os baixos salários, a compra atabalhoada de uma árvore de Natal, a ação do Banco Alimentar e da Linha 112, os cânticos de rua e os abraços, a missa, o trânsito, o ginásio, um teatro de escola que junta Reis Magos e o Pai Natal na mesma peça - a lente de Rúnarsson passa por todas estas situações e lugares como que a recolher amostras irónicas do(s) modo(s) de vida plasmado(s) pela modernidade.

Porém, os melhores "quadros" são ainda aqueles em que as emoções surgem trabalhadas por conflitos simples, como uma menina que vai passar o Natal a casa do pai e se sente diminuída pela meia-irmã que se põe a mostrar os seus dotes de pianista; a neta atenciosa que visita o avô no lar e não obtém mais do que a expressão de um rosto enfastiado perante as perguntas da praxe e conversa trivial; ou a mãe com o filho ao colo, no aconchego do sofá, a olhar os pássaros através da janela e a comentar com o bebé o frio que eles devem sentir na neve.

Primeiro estranha-se, depois entranha-se: quando a empatia acontece em Echo - Mosaico de Natal já estamos por dentro de uma musicalidade secreta de gestos, com potencial de ficar a ressoar. Um simpático cartão de visita de um realizador que ainda não tinha chegado ao circuito da distribuição portuguesa.

*** Bom

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