Festival vocacionado para o documentário, mantendo uma abertura pedagógica às suas múltiplas contaminações pela ficção, o Porto/Post/Doc, dirigido por Dario Oliveira, inicia hoje a sua oitava edição. A cerimónia de abertura realiza-se no Teatro Municipal Rivoli (21h30), com a passagem de Maria do Mar (1930), de Leitão de Barros, na cópia recentemente restaurada pela Cinemateca Portuguesa..Será um acontecimento em formato de cine-concerto: a partitura de Maria do Mar composta por Bernardo Sassetti vai ser interpretada pela Orquestra Sinfonietta de Lisboa, com Pedro Burmestre ao piano, sob a direção musical de Vasco Pearce de Azevedo. O festival terá o seu encerramento também em tom musical, no Coliseu Porto Ageas (dia 30, 21h30), com As Filhas do Fogo, espectáculo interdisciplinar sobre migrantes de Cabo Verde, concebido por um cineasta, Pedro Costa, e o grupo de música barroca Os Músicos do Tejo..Outros locais acolherão também a programação: Passos Manuel, Casa Comum, Planetário e ainda a Sala Estúdio Perpétuo, cinema de bairro que recentemente reabriu as suas portas..A competição internacional tem como grande destaque o mais recente trabalho do ucraniano Sergei Loznitsa, Baby Yar - Context. Entre os dez títulos propostos incluem-se ainda, por exemplo: Beatrix, de Lilith Kraxner e Milena Czernovsky, que se anuncia como uma crónica íntima sobre uma personagem feminina, retomando a herança da obra de Chantal Akerman; Faya Dayi, de Jessica Beshir, sobre os impasses da atual juventude etíope; e I Am So Sorry, de Zhao Liang, um ensaio sobre o uso da energia nuclear na China e os seus efeitos nas relações humanas..Para lá de uma retrospetiva do americano Theo Anthony (que estará no Porto para acompanhar as projeções dos seus filmes), "Cinema Falado" é uma secção que reaparece, divulgando curtas e longas-metragens de produção recente, provenientes de países de língua portuguesa. Também em português e em formato curto se faz a zona "Cinema Novo", neste caso com trabalhos de estudantes portugueses ou estudantes de instituições portuguesas de ensino superior. Entretanto, "Ideias para adiar o fim do mundo" é um rótulo sugestivo para um conjunto de títulos, entre documentário e ficção, refletindo a fragilidade da atual conjuntura geopolítica, com especial destaque para o tema da urgência climática - as suas incidências serão analisadas num espaço de debate designado como Fórum do Real..Arte da Memória, o novo filme de Rodrigo Areias, e Jane par Charlotte, retrato de Jane Birkin pela sua filha Charlotte Gainsbourg (revelado em Cannes), são alguns dos acontecimentos paralelos do Porto/Post/Doc. Sem esquecer o regresso da secção "Transmission", com especial incidência na música: além dos títulos a concurso será mostrado, extra-competição, Laurent Garnier: Off the Record, de Gabin Rivoire, sobre aquele que é um nome lendário das eletrónicas..Dois extraordinários documentários que pudemos descobrir este ano têm assinatura de Sergei Loznitsa. O primeiro, Funeral de Estado, sobre as cerimónias fúnebres de Estaline, estreou nas salas, estando disponível em DVD (Midas Filmes) e em streaming (Filmin). O segundo, Babi Yar. Context ficará, por certo, como um dos acontecimentos maiores desta edição do Porto/Post/Doc..Loznitsa mantém o mesmo método de trabalho. A saber: a recolha de materiais de arquivo sobre momentos históricos marcantes (neste caso, incluindo também documentos fotográficos) para construir uma narrativa que dispensa todas as convenções tradicionais, incluindo o uso "descritivo" de uma voz off..Trata-se de evocar o contexto (como refere o título) de guerra em que ocorreu o massacre perpetrado pelas forças nazis em 29-30 de setembro de 1941 na ravina de Babi Yar, nos arredores de Kiev, matando mais de 30 mil judeus - as investigações históricas concluíram que durante a ocupação alemã da Ucrânia o exército hitleriano matou mais de 100 mil pessoas em Babi Yar..Através de uma metódica revisitação dos factos, Loznitsa refaz as memórias desses crimes - incluindo alguns dilacerantes testemunhos de sobreviventes nos julgamentos de 1946 -, dando a ver as mais contrastadas situações, das paradas triunfantes pelas ruas de Kiev até à acumulação das roupas das pessoas assassinadas. Estamos perante um modelo exemplar de investigação histórica, reorganizando as imagens através do rigor da montagem cinematográfica..dnot@dn.pt