Plataforma do Cinema defende um sistema misto: todos devem pagar taxa ao ICA

Ouvidos no Parlamento esta manhã, os representantes da Plataforma do Cinema estão preocupados com o "esvaziamento do orçamento" do instituto que é "o único garante de diversidade real" do cinema em Portugal.
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As operadoras internacionais de video on demand que estão atualmente no mercado português (como a Netflix e HBO) não precisam de uma obrigatoriedade para investir no cinema em Portugal: "Já vivemos num mercado plural. O mercado está aberto e nada impede estas empresas de intervir, encomendar e produzir em Portugal. Isto já acontece", afirmou o realizador João Salavisa, um dos representantes da Plataforma do Cinema, que foi ouvida esta manhã na Comissão de Cultura e Comunicação da Assembleia da República.

Esta audição aconteceu no âmbito da apreciação na especialidade da proposta de lei que transpõe a Diretiva 2018/1808, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de novembro de 2018, que se deveria ter realizado na terça-feira mas acabou por ser adiada a pedido do PS que invocou a necessidade de ouvir, novamente, os vários representantes do setor do cinema e audiovisual que se manifestaram a favor e contra o projeto de lei. Assim, esta quarta-feira a comissão parlamentar de Cultura e Comunicação está a ouvir a Associação de Produtores de Cinema e Audiovisual (APCA), os subscritores da carta aberta "Ganhar uma oportunidade histórica para o cinema e audiovisual português", a Plataforma do Cinema e, por fim, os representantes do Movimento "Pelo cinema português".

As preocupações da Plataforma do Cinema em relação ao projeto de lei que está em cima da mesa ficaram bem claras e prendem-se com duas questões: por um lado, o "esvaziamento orçamental do Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA)" e, por outro lado, a "ilusão" que está a ser criada sobre o impacto que o investimento direto dos operadores e plataformas vai ter no tecido cinematográfico português.

Por esse motivo, esta plataforma - que representa, entre outros, os festivais IndieLisboa, DocLisboa, Curtas de Vila do Conde, a Portugal Film e a Agência da Curta-Metragem - defende um sistema misto, no qual estes operadores deveriam ter obrigações de investimento mas também de pagamento de uma taxa, contribuindo assim para "o bolo do orçamento do ICA".

Sobre o orçamento do ICA, Salavisa criticou o facto de a lei apenas prever a taxação da publicidade nos pacotes de televisão de cabo. "A publicidade na televisão está em queda, esse é um movimento que já estava a acontecer antes da covid-19 e que se acentuou este ano", disse o realizador. Isto significa que as expectativas em relação ao orçamento do ICA, anunciadas pelo secretário de Estado, já não estão atualizadas e deverão sofrer uma quebra de 15% a 20%.

Como se isso não fosse suficiente, João Salavisa sublinhou que o projeto de lei apenas prevê a taxação sobre pacotes de televisão por cabo - um mercado que atingiu o seu limite (chega já a 90% dos portugueses) e que, tal como acontece noutros países, irá entrar em recessão: "Muitas pessoas estão já a abandonar estes pacotes e a assinar pacotes apenas com internet - e esses não vão ser taxados", sublinhou também o realizador João Nicolau. E isto é preocupante porque a taxa de exibição "representa metade do financiamento do ICA". Portanto, "a não ser que os novos intervenientes sejam obrigados a contribuir para o ICA", o que vai acontecer é efetivamente "um esvaziamento do orçamento" do instituto.

A Plataforma do Cinema acredita que o ICA é "o único garante de diversidade real"do cinema em Portugal, ao mesmo tempo que deve ser responsável por "uma política cultural pública". Acreditar que estas operadoras se vão preocupar com os artistas, criadores e produtores portugueses é uma "ilusão", dizem. Poderão fazê-lo mas apenas se puderem manter a sua liberdade e garantir os lucros a que estão habituados. As suas preocupações serão sempre comerciais.

O produtor Luís Urbano sublinhou que a Netflix, por exemplo, prefere ter produtos exclusivos, originais, e, portanto, precisam que eles sejam atrativos em vários mercados - por isso, muito dificilmente irá investir em produtos portugueses, apostando mais em coproduções com vários países europeus. Já a HBO, que tem uma abordagem diferente, tem vindo a comprar vários filmes e séries portugueses - essa é a forma ideal de estes operadores intervirem, defendeu.

Ou, como perguntou a deputada do PCP, Ana Mesquita: "Se as multinacionais tiverem liberdade para investirem como bem entenderem irão efetivamente investir em autores e produtores portugueses ou podem fugir ao investimento no nosso país?" Esta deputada acredita que em vez "de fazer florescer a produção nacional", a intervenção destes operadores vai "atropelar tudo o que lhe aparecer à frente" e colocar ainda mais dificuldades à produção de cinema português.

No ar ficou ainda a preocupação da Plataforma com a defesa do cinema português em oposição ao audiovisual (televisão) - que é a área onde atuam, maioritariamente, os operadores em causa.

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