Peter, Paul and Mary, o trio fotografado em 1970.
Peter, Paul and Mary, o trio fotografado em 1970.D.R.

Peter, Paul & Mary – de Nova Iorque para o mundo

Quinze anos passados sobre o desaparecimento de Mary Travers (1936-2009) – voz do icónico trio de música folk Peter, Paul & Mary – que vestígios subsistem do ambiente em que esta jovem mãe, divorciada aos 23 anos, tentava sobreviver em Nova Iorque quando milagrosamente surgiu o projeto que a salvou?
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Filha única de pai ausente e mãe jornalista no ativo, Mary tinha passado uma infância nada comum, tornando-se com a idade cada vez mais desajustada na escola. No entanto tinha grandes capacidades intelectuais, era devoradora de livros e, sim, adorava as aulas de música. Na adolescência foi convidada pelo professor de música para cantar num coro que ele dirigia fora da instituição, o que lhe permitiu ser selecionada para participar depois na gravação de discos de Pete Seeger (1919-2014), o grande impulsionador do movimento folk nos anos 50/60.

Mary cresceu e vivia na Greenwich Village, o bairro boémio de Nova Iorque então considerado «a maior e mais célebre comunidade» de músicos folk na América (David Hajdu: Positively 4th Street, 2001), onde confluíam jovens de toda a parte tentando fazer carreira.

Era o caso de Peter Yarrow (n.1938), que ganhava a vida a cantar no Café Wah? acompanhando-se à guitarra, onde o ouviu Albert Grossman (1926-1986) – empresário experiente que se tornaria lendário por lançar Bob Dylan – que o desafiou a diferenciar-se dos colegas que se apresentavam em idêntico modelo (voz e guitarra), aconselhando-o a formar um trio que incluísse uma cantora.

Num encontro de ambos no emblemático Folklore Center, Peter reparou no retrato de uma rapariga loira entre as dezenas de fotografias de músicos folk que o proprietário – Izzy Young (1928-2019), um apaixonado pelo folk e grande apoiante dos jovens músicos – tinha afixadas numa parede. Grossman disse-lhe que era Mary Travers, uma cantora (quase) nativa do bairro, a qual seria uma boa aposta para cantarem juntos. Assim aconteceu e em breve Mary desafiava Noel Paul Stookey (1937) a juntar-se-lhes, um comediante com imenso sucesso que tinha também um enorme talento musical e uma voz excelente, com quem aliás ela cantava pontualmente no Café Gaslight.

Blowin’ in the Wind – a afirmação

Com o entusiasmo dos primeiros ensaios e a aprovação do empresário, os três deram início a sete intensos meses de trabalho diário, com supervisão de um diretor artístico, criando um som próprio e montando o repertório necessário para atuar em público. A estreia oficial foi num dos clubes da Village, o Bitter End.

O passo seguinte foi, naturalmente, a gravação de um primeiro álbum. Lançado em 1962, o autointitulado LP entrou de imediato para o nº1 das tabelas, um feito raro na música folk. Exatamente um ano depois, PP&M era galardoado com um Grammy pelo single dele extraído, If I Had a Hammer, uma canção de protesto de Pete Seeger.

Com ventos favoráveis, o trio lançou no ano seguinte dois novos álbuns, dos quais In The Wind (0ut. 63) se tornou na pedra de toque que confirmou a solidez e qualidade do projeto, dando nome internacional a Peter, Paul & Mary. Além de incluir canções originais do grupo e música tradicional com arranjos dos próprios, incluía temas de Bob Dylan, à época um jovem desconhecido. A explosão deu-se justamente com Blowin’ in the Wind, a canção que Dylan tinha gravado sem qualquer reconhecimento público, agora convertida em single de PP&M, em nº1 e premiada com dois Grammys, levantando voo para circular pelo mundo inteiro.

A partir daqui o grupo não parava, numa espiral de trabalho com ensaios, gravações e digressões, chegando a fazer duzentos a trezentos concertos por ano, segundo referem. Mas ao fim de quase uma década sem vida pessoal, sem disponibilidade sequer para refletir sobre o próprio trabalho, foi de comum acordo que resolveram pôr fim ao projeto em 1970, distribuindo agora o tempo entre carreiras a solo, em música ou televisão e, claro, casa e família.

Segundo o grupo, “A música folk e o ativismo convergem” (Peter Paul and Mary: fifty years of music and life, 2015). A verdade é que, depois da separação, a participação esporádica mas convicta de PP&M em espetáculos por causas sociais relevantes e o prazer de fazerem música juntos, levaram à decisão de voltar a trabalhar em grupo.

Agora mais velhos e maduros, equilibrando um reduzido número de concertos por ano com a vida pessoal, mas mantendo o seu caraterístico ativismo, em 1978 retomaram o projeto Peter, Paul & Mary por mais tinta anos, até à morte de Mary, com leucemia (16 set. 2009). Num exemplo de coragem e superação, a cantora fez questão de manter até ao fim a sua participação no grupo que, certamente, terá sido uma vez mais a sua tábua de salvação.

Recentemente – Peter, Paul & Baez…?

Depois do desaparecimento de Mary, companheira de uma vida inteira, Peter e Noel Paul continuam a atuar juntos pontualmente, tocando e cantando em pequenos recintos onde, como sempre, são adorados pelo público.

Em abril de 2024 integraram o primeiro lote de homenageados pelo Folk and Americana Roots Hall of Fame, em Boston, juntamente com muitas outras celebridades, entre elas, Joan Baez. Na cerimónia pública, quando esta octogenária terminava a sua curta apresentação musical a solo, os quase nonagenários Peter e Noel subiram a custo os degraus até ao palco e juntaram-se à colega com quem tantas vezes tinham partilhado microfones, músicas e causas e, como de costume, harmonizaram as vozes: The answer, my friend, is blowin’ in the wind

Juntos comprovavam que a vida é realmente um círculo – atual, ultrapassado, atual de novo – e que o difícil é manter-se coerente e fiel aos seus princípios. Como aliás eles, Peter, Paul & Mary, fizeram ao longo da sua carreira, não ignorando todos os novos géneros, tendências e estilos que foram surgindo sucessivamente, mas sem abdicar das suas convicções e do meio que melhor lhes permitia partilhá-las com o público: a música folk.

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