Pedro Proença: "Somos uma geração pouco solene, marcada pela revista Tintin"

<em>O Riso dos Outros</em> é o título da exposição de Pedro Proença e mais seis heterónimos na Fundação Eugénio de Almeida, em Évora. É inaugurada no sábado e fica até 31 de março.
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Artista plástico, escritor, músico, tipógrafo, nas artes plásticas explora caminhos na pintura, na ilustração, na instalação, e outros que se calhar não têm nome próprio. As gargalhadas fazem parte do vocabulário deste filho da Guerra Colonial - nasceu em 1962 em Sá da Bandeira (hoje Lubango), Angola - porque o pai fora mobilizado para a guerra logo no início. Quando viajou para Lisboa, onde continua a morar, ainda nem sabia andar e nunca mais lá voltou: não reconhece em si raízes africanas. Com Pedro Portugal e Manuel João Vieira, o núcleo central do movimento homeostético, lançou uma carta sobre a situação dos artistas em Portugal, entregue nesta semana ao primeiro-ministro com mais de 200 assinaturas. Foi companheiro de escola e de aventuras de Babush, ou seja, António Costa.

A pesquisa à sua volta passa sempre pelo árbitro Pedro Proença.

É verdade. Ele chama-se Pedro Garcia, na verdade, é primo de uma namorada minha e foi colega da minha ex-mulher na escola.

Faz parte da família?

Não faz parte da família, é uma coincidência. Eu já existia e ele aproveitou-se um bocadinho dessa situação. Ou não. É uma boa marca.

É artista plástico e escreve, tem vários livros publicados. E toca guitarra.

Faço música e toco guitarra, mas normalmente não falo disso.

Porquê?

Não sei.

O Riso dos Outros é uma exposição sua com mais seis heterónimos, incluindo Sandralexandra e Soniantónia, da música pop, Pierre Delalande, um teórico, Bernadette Bettencourt, uma antropóloga budista, e mais John Rindpest, que é quem?

É um artista muito súbito, surgiu há uns dez anos.

E a Rosa Davida?

É uma tipógrafa e artista.

Li no seu Facebook que nunca se divertiu tanto - e provavelmente nunca trabalhou tanto - como a fazer esta exposição. Porquê?

A verdade é que me tenho divertido sempre ao longo da vida, mesmo nos momentos mais difíceis. No caso da exposição, foi um trabalho divertido, foi perceber uma série de coisas que tinha feito de forma ligeira mas insistente ao longo dos anos - algumas destas personagens existem desde 1987, mais ou menos desenvolvidas. Houve uma altura em que fiz não sei quantos blogues com algumas destas e outras. Depois há muito mais gente aí espalhada.

Há outras que ficaram de fora da exposição?

Há. Havia uma personagem, o Jorge Judas, que ia mostrar mas desisti porque não sabia exatamente o que ia fazer. Primeiro tive de perceber o que tinha, e aí comecei a construir um bocadinho mais as personagens que já existiam. Foi perceber o que está feito, inconscientemente ou de uma forma natural. E depois perceber que tipo de trabalhos eles já tinham e poderiam ser feitos e outros que eu poderia fazer. Foi um processo de reorganização da minha mente, perceber que há uma série de filões que posso expandir como um universo e que estão aí para surgir. Fui há um ano e tal com o Manuel João Vieira à feira de Basel e lá no meio pensámos fazer umas coisas conceptuais. Mal cheguei, ainda em junho, comecei a inventar uma série de livros, sobretudo do John Rindpest. Trabalhando com Photoshop consegui inventar exposições que não existiram, no sítio que me apetecesse, e isso foi uma espécie de explosão. Depois recriava livros de pessoas outras.

Tudo isto está no catálogo da exposição?

É um catálogo-livro. Há dois livros. O catálogo e um livro complementar do Pedro Eiras sobre isto, o que de repente dá um ar de legitimação a toda esta explosão que se tornou mais feroz e louca.

Nasceu no Lubango, então Sá da Bandeira, em 1962, numa altura em que estava estava a começar a Guerra Colonial. Viveu pouco tempo em Angola?

Eu sou um filho da guerra. O meu pai foi mobilizado para Angola em 1961, fez Nambuangongo, foram primeiro para Luanda, e depois deve ter feito o resto em Sá da Bandeira. Nasci lá acidentalmente, estive lá sete ou oito meses.

Não se sente angolano?

Não me sinto angolano, é uma parte da minha vida mas não tenho qualquer sentido de identificação com esse espaço. Mas é curioso, se algum dia for lá se calhar sinto.

Nunca foi a Angola depois?

Nunca mais voltei.

Nem tem curiosidade?

Tenho.

Por aquilo que percebi, tem curiosidade, ou espanto, com a arte africana. Estudou-a?

Estudei todo o tipo de artes e fui influenciado por todas, sobretudo a de Angola. O caso mais gritante na arte portuguesa, que também teve alguma repercussão sobre mim, é o Joaquim Rodrigo, que copiou uma recolha antropológica feita pelo José Redinha, que depois determinou um bocadinho da sua produção. Eu também fiz umas coisas influenciadas por isso. Fiz uma exposição em 1985 no Porto, no Jornal de Notícias, e saíram umas críticas que diziam que aquelas obras revelavam a minha nostalgia africana... às vezes há uns equívocos. Mas se calhar ficou qualquer coisa por trás.

Tendo nascido em Angola, vai ter à arte africana por outro caminho, mais intelectual?

Não sei se é intelectual, é sempre sensual, formal, de empatia.

O seu pai era médico psiquiatra e psicoterapeuta. Morreu quando o Pedro tinha 9 anos e deixou uma forte marca em si.

Acho que sim. Tive uma infância muito variada, em Lisboa. O meu pai estava muito ligado a um círculo do mundo literário. A certa altura vivíamos ao lado do Alçada Baptista. Estavam ligados à revista O Tempo e o Modo, intelectuais católicos, o Nuno Bragança, a Maria Belo, minha madrinha. Foi um período em que aconteciam coisas. Havia uma certa liberdade, não tão clandestina quanto isso, neste meio, onde havia pessoas que andavam a tentar libertar-se dos seus excessos. O meu pai estava ligado à psiquiatria, não diretamente, e também à psicoterapia, a coisas mais alternativas que ainda são marginais, não propriamente Freud, nem Jung, nem essa gente toda - a terapia Gestalt e outras coisas diferentes ligadas à escola de Palo Alto. Herdei a biblioteca e serviu-me para estruturar coisas que têm que ver com o meu trabalho - uma delas, a maneira como gerir paradoxos. Criei com o meu grupo o pós-paradoxal, porque o paradoxo também tem os seus limites. Mas esse jogo de tensões que o paradoxo provoca e a forma como depois lhes escapamos sempre me divertiu, uma espécie de pós-carnavalesco.

Fez o curso de pintura da Escola Superior de Belas Artes de Lisboa. Tinha-se candidatado a arquitetura mas não conseguiu entrar. Isso foi um alivio?

Cresci também no meio da arquitetura, pelo lado da minha mãe. Não era arquiteta mas esteve à frente do SAAL e a casa estava sempre cheia de arquitetos, nessa fase. As casas para o povo, o trabalho com os moradores, vivi isso de uma forma muito intensa.

Como se chama a sua mãe?

Maria Proença. O lado da minha mãe é mais da culinária, da gastronomia. Teve um programa de culinária na televisão e teve um centro de artes culinárias [no Mercado de Santa Clara, Lisboa]. Há aqui várias coisas: psiquiatria, arquitetura e gastronomia.

Frequentou também os cursos livres da Sociedade Nacional de Belas-Artes, onde conheceu o pintor João Vieira.

Não aconteceu só comigo, há uma entrevista do Julião Sarmento em que ele diz que o João foi um bocadinho um pai. Ele disse-me logo quando cheguei: você ou é artista ou vai para publicidade ganhar muito dinheiro. Não tenho apetite pelo mundo publicitário. Funcionou muito como um "pai" no mundo das artes. Conhecia vagamente o filho dele, o Manuel João Vieira, e no ateliê do pai passámos a ser grandes amigos. Isso reforçou esse lado de cumplicidade e de paternidade. Quando cheguei às Belas-Artes já tinha ideias feitas. Na SNBA aprendi o que tinha a aprender, nas Belas-Artes não aprendi nada. A primeira coisa que fiz foi criar um grupo neocanibal. Escrevi um manifesto sobre a situação da arte em Portugal - ainda hoje é atual. Juntei-me ao Pedro Portugal e ao Manuel João Vieira, depois ao Xana e ao Ivo. Fizemos uma revista, a Homeostética, estávamos sempre a fazer coisas. Eu tocava música com o Manuel João, andámos a viajar, coisas de adolescência tardia. O Manuel tem também uma propensão para o paradoxo e criou-se um clima de grande divertimento. O Pedro Portugal estava sempre a tirar fotografias, a documentar tudo. As coisas quando são documentadas têm outra realidade, e como era tudo um bocado falso para a fotografia, criámos uma espécie de pseudos eufórico que corresponde um bocado à verdade mas é uma encenação constante.

Aí está essa duplicidade sempre: o que é e o que parece?

A encenação e a realidade misturam-se, o pseudos e o verdadeiro.

A sua obra está altamente premiada. Primeiro recebeu o Prémio Nadir Afonso, em 1983, e depois uma série de prémios internacionais.

Nada de especial. Nas artes plásticas não temos muito a relevância do prémio.

A propósito do seu interesse pela banda desenhada, vi que foi leitor da revista portuguesa Tintin [1968-1982], dirigida pelo Dinis Machado, que tratava os leitores por tintinzinhos.

Foi uma revista supermarcante para a minha geração, para a mentalidade de muita gente, incluindo o nosso primeiro-ministro, que foi meu colega de carteira na secção da Francisco Arruda no Conservatório. Depois passou a ser Fernão Lopes, na Calçada do Combro. Andámos por uns palácios, estávamos sempre a mudar de sítio. Ele chumbou um ano, depois chumbei eu. Continuei a dar-me com ele no Liceu Passos Manuel, com algumas colaborações políticas numa perspetiva independente. Há um sentido de humor que deriva não tanto do Hergé mas sobretudo do Goscinny, um escritor genial que fez coisas de antropologia da cultura que não foram publicadas cá. Deu-nos um certo humor que acabou por ter as suas consequências menos gloriosas porque somos mais ligeiros, levamos as coisas com um certo humor.

Isso não é bom?

Para a nossa vida é ótimo. Não fazemos é coisas tão existencialistas.

São pouco solenes?

É toda uma geração que é pouco solene.

A geração que floresceu depois do 25 de Abril? O Pedro tinha 12 anos em 1974.

Foi o entusiasmo revolucionário, vivemos isso tudo em versão adolescente. Eu fazia bandas desenhadas. Havia bandas desenhadas muito engraçadas que saíram nessa altura, como a revista Visão, que tinha também um lado de crítica e que associou isso tudo. Uma espécie de pop-revolução em versão adolescente.

Olhando para a sua obra de ensaio e para a sua criação artística, é tudo muito ponderado, muito enraizado na cultura clássica.

No meu caso, sim.

Podemos estender os clássicos até ao Tintin?

Faz parte, sim, já começam a ser clássicos, há muita gente que não sabe. Numa aula universitária fala-se sobre os Beatles e há miúdos que não sabem. A cultura pop torna-se clássica pela sua antiguidade. A revista Tintin apareceu no ano em que eu comecei a ler e tinha coisas fascinantes, cores maravilhosas. Fiquei fascinado com o mundo das imagens e também com as enciclopédias ilustradas e os dicionários. Ainda hoje. E isso tem que ver com a exposição que estou a fazer.

Tentou traduzir alguns livros do Antigo Testamento, da Bíblia de Ferrara. Conseguiu?

Há uma tradição ibérica que normalmente é menosprezada, ao longo da Idade Média, mesmo antes do Renascimento, de traduções feitas por hebreus. Prefiro chamar hebreus do que judeus. Hoje estão recolhidas. Em Portugal há poucos sinais. A Bíblia de Ferrara é muito criticada porque é uma tradução palavra a palavra, a ordem da sintaxe está esquisita, normalmente é dada como ilegível. Tentei fazer o mesmo em português. No fundo, aquilo já é um português espanholado.

O ladino?

Sim, meio medieval. Percebi que se colocasse algum ritmo e se fosse recitado em voz alta, é só dar espaço às palavras e torna-se entendível, com uma fidelidade textual que mesmo hoje é difícil encontrar nas traduções da Bíblia, mesmo as mais informadas.

Chegou a publicar essa tradução ou foi só um exercício?

Não. Não tenho a obsessão de publicar. Tenho sobretudo o prazer de fazer.

Fez letras tipográficas?

Sim, fiz fontes.

Quais?

Eles não estão aí, são pessoais. Fiz um livro muito tipográfico há sete ou oito anos, chamado Intitulados Títulos, porque era uma salada de fontes, e depois passei a usar algumas. Era esta vontade que todos temos de ter uma coisa mais personalizada. Também porque havia coisas que não encontrava e não queria gastar dinheiro. Não tenho isto, faço. Obviamente que às vezes não têm o perfeccionismo de algumas fontes, estão lá perto, porque fui um autodidata. Mas a certa altura tinha recursos que mais ninguém tinha e isso facilita-me a vida porque, a partir dessas fontes, algumas que não eram fontes de letras mas sim imagens, compus obras de arte. Criei metodologias em que as obras de arte surgem quase como uma brincadeira de criança, carregar numas teclas ao calhas. É um jogo de crianças.

Também tem livros para crianças.

Ilustração, sim.

E fez um tarot?

Sim. Mas o baralho de cartas que fiz antes para a Fundação Gulbenkian deu-me mais trabalho. Gosto de fazer muitas coisas diferentes. Inventei também outros sistemas pseudodivinatórios. Gosto imenso de criar sistemas, sou muito barroco nesse sentido, gosto da arte combinatória. Criei uma espécie de I Ching grego, depois uma coisa baseada num sistema ternário. Estou sempre a inventar pequenas coisinhas.

Que exposição é esta, O Riso dos Outros?

Está em montagem. Uma das coisas que tive de fazer foi um catálogo pré-exposição. Obviamente que há coisas no catálogo que não estão lá, é como se fossem documentais. Fiz muitos livros de algumas personagens como o Pierre Delalande, que já tinha uma obra... Fiz, por exemplo, um livro que é uma autobiografia, porque ele canibaliza outros autores, vai-se misturando com outros autores. É um homem em permanente remix.

Como o Pedro Proença?

Só que ele tem um estilo aticista, de frases curtas, e as frases curtas facilmente se recombinam. Tentei transmitir o que são estas personagens e isto abriu várias pistas de leitura que interagem umas com as outras. Sou eu, não posso escapar a ser eu, nem às minhas limitações. Isto abriu muito algumas limitações que eu ia tendo. Um artista desenha e tem uma série de objetos internos - há maneiras de se libertar disso, copiar umas coisas, é um trabalho de reciclagem difícil de avançar. Acontece também com os escritores, há uns temas que são recorrentes.

De quem partiu a iniciativa, foi da Fundação Eugénio de Almeida?

A Fundação convidou-me e era o que eu estava a fazer, porque todos os dias quase que fazia um livro. Tenho um sítio onde os ponho online, no Issuu. Neste ano acabei noventa e tal livros. Entretanto parei porque estou a fazer a exposição.

Nunca chegam a ter presença física?

Às vezes têm. Fiz uma exposição no início deste ano, na Fundação para as Telecomunicações, que era um dos livros que passaram para a exposição. A materialização de uma coisa que era um devaneio em Photoshop de repente dá um carácter de realidade, dá espessura. Neste caso é o mesmo, algumas coisas foram criadas expressamente, outras pesquei noutras que tinha feito, mas surge como uma exposição de múltiplas personalidades que tem qualquer coisa de jubilante e divertido.

Esse lado jubilante e divertido é essencial para si?

Acho que toda a gente que tem uma vontade de ser mais do que é, ou de progredir nalgum sentido... como diria o Espinoza, a nossa propensão de crescimento é a alegria. O riso é o motor da heteronomia, mesmo no caso do Pessoa. A alegria e o riso são subjacentes ao facto de estar em expansão.

O Riso dos Outros. Quem são os outros? Os heterónimos?

Sim, e também podem ser os outros. Os títulos têm sempre o seu lado de ambiguidade.

Vai entregar ao primeiro-ministro um documento sobre a situação das artes, agora numa situação formal.

A situação é dramática para os artistas, porque há dez anos que o mercado de arte não existe, e o mercado de arte é o motor das coisas, não há mais nenhum apoio. Não sei se é preciso contar com apoios de outro género, mas há uma série de coisas que é preciso reordenar e é preciso estimular. As instituições deixaram de comprar. Havia o BES, havia as coleções do Berardo, algumas que deram escandaleiras mas que existem, as coleções estão lá e é importante que sejam vistas.

Algumas não estão a ser vistas, como a coleção da Fundação Ellipse.

Exatamente. Depois há outras coisas importantes, como os espólios dos artistas, outra das coisas de que nós falamos. Os artistas desaparecem, não há neste momento um museu que mostre artistas contemporâneos ou das gerações um pouco anteriores com alguma consistência. As obras estão a degradar-se. Há uma série de problemas e nós temos de alertar. Se pudermos trabalhar com o governo ou com quem quer que seja - não eu pessoalmente porque quero estar a trabalhar em obras de arte -, mas que se tomem passos, definitivamente, no sentido de estas coisas serem vistas: termos um museu de arte contemporânea portuguesa, não é vamos fingir sempre que não temos ou que se esconde. E que se equacione o que se pode fazer com esses espólios. A haver incentivos ao mercado ou uma política de compras, que não sejam disparatados. As compras que Serralves faz são a artistas de fora do país. Em tempos de não crise, faz todo o sentido, mas, num momento catastrófico do mercado de arte, é preciso que as compras sejam vocacionadas para não deixar que isto desapareça. As novas gerações têm estado tramadas.

Porque parece que têm mais acesso a exposições mas depois há um bloqueio?

Não há grande possibilidade. A gente continua a resistir. Continuamos a fazer exposições... Eu fiz umas poupanças e não tenho estado horrivelmente. Mas se não as tivesse andava aí a pedir na rua.

Este documento foi subscrito por muitos artistas?

Mais de 200 artistas. Isto foi uma iniciativa minha, do Pedro Portugal e do Manuel João Vieira, o núcleo dos Homeostéticos. Tivemos apoio da Maria da Graça Carmona e Costa na organização disto, porque os artistas desconfiam. Pelo menos 200 pessoas relevantes das artes plásticas estão presentes. Haverá gente que está de fora, eu percebo perfeitamente porque também sou um bocado desconfiado nestas coisas. Mas isto é basicamente um alerta e um alerta positivo para ver se se faz alguma coisa, porque andarmos para aí a bradar, faz-se muito barulho e se calhar tem efeitos bons, mas o que nós queremos é ter propostas construtivas para que haja soluções e um incentivo ao mercado e às instituições. E que o Estado providencie para que a situação melhore, nem que seja um bocadinho. Se for um bocadinho já é bom, excelente.

Como trabalha? Todos os dias? De várias maneiras? Em várias plataformas? É caótico?

Trabalho compulsivamente. Acordo a trabalhar, estou na cama e já estou a ter ideias.

Levanta-se de noite com ideias?

Já me aconteceu. Nesse sentido, tenho um lado do meu pai, um lado pulsional. Acordar e resolver logo a questão, ir para a frente.

Nas Belas-Artes não aprendeu mesmo nada?

Nada.

Foi um tempo de estar com amigos?

Foi maravilhoso.

O que faziam?

Fazíamos coisas. Fazíamos obras de arte nos corredores. Às vezes não havia espaço nos corredores, organizávamos exposições.

Não ficaram a sofrer em silêncio?

Não, não. Quando temos um bom grupo e temos vontade de fazer, é fazer. Não vou ficar à espera de que alguém venha ter comigo e me diga como deve ser, ou que alguém me dê legitimidade.

Poderia ter sido arquiteto se tivesse entrado no curso. Poderia ter sido outra coisa?

Eu gosto de fazer muitas outras coisas. Como o meu filho diz, sou muitas outras coisas, além de artista. Também sou escritor, sou um pouco músico, tenho atividade ligada ao ioga, sou tipógrafo. Espero que ainda outras coisas aconteçam porque a vida é só uma e é bom experimentar várias coisas.

Não foi calceteiro mas fez uma calçada portuguesa para a Expo'98. A dimensão daquilo é diferente do habitual.

Adoro grandes dimensões.

Essa calçada, perto do Oceanário e com monstros marinhos, teve de imaginá-la em função da maneira como as pessoas a veem?

A calçada portuguesa vê-se da altura de uma pessoa. Naquele caso também se vê muito bem da entrada do Oceanário, tem uma visão panorâmica engraçada. A calçada portuguesa tem essa característica.

Não voltou a fazer?

Haja oportunidade e eu faço.

O que vai fazer hoje?

Tenho de correr para Évora, tenho de ir buscar umas coisas.

Está a fazer tudo naquela exposição? É artista, curador, faz a montagem?

Há uma equipa de montagem contratada, vou orientá-la, mas fiz a produção e a curadoria, e isso permitiu-me ter o controlo em todos os aspetos. Às vezes é bom ter alguém de fora para dar uma opinião. Neste caso não tive, se calhar seria bom que tivesse. Mas sinto que a responsabilidade é minha. É um bocadinho como antigamente se fazia arquitetura. Gosto muito de ter a responsabilidade dos conteúdos, não gosto de delegar. Aconteceu esta estranha situação de ter pedido um texto ao Pedro Eiras - não gosto muito de pedir textos - e ele em vez de escrever um textozinho para o catálogo escreveu um livro. E não o conheço, nunca estive frente a frente com ele.

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