Paulo Bragança: "Este álbum significa que estou vivo e consegui fazê-lo"
No dia 10 de junho Paulo Bragança lançou o seu novo álbum Adriano80 numa homenagem sua ao artista Adriano Correia de Oliveira, que faria 80 anos este ano. Com canções carregadas de emoção, o cantor sente-se feliz e orgulhoso com o trabalho final. Em outubro vai lançar Adriano40 a propósito dos 40 anos da morte de Adriano.
Porque é que decidiu lançar este álbum agora?
Foi um processo natural mesmo, muito natural. Pode não parecer, mas foi. Quando eu já tinha decidido fazer o álbum e já estava definido o que ia fazer é que me dei conta da efeméride. Isto é, de 2022 ser o ano em que se celebram 80 anos de vida de Adriano Correia de Oliveira e também 40 de morte, ele faleceu a 16 de outubro de 1982. Não era por isso. Foi por uma questão de ser mais fácil. Se fosse um disco de originais obedecia a recursos humanos, a recursos financeiros, e ia dar-me muito mais trabalho. Este também deu trabalho, obviamente, muito trabalho, mas as canções eu já as tinha no sangue, já as tinha comigo, já faziam parte do meu universo, apesar de emprestado. E daí que achei por bem avançar. Depois então dei-me conta quando resolvi fazê-lo que, coincidência ou não, assim era um vate.
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O que é que este álbum significa para si?
Significa só uma coisa: Estou vivo e consegui fazê-lo. Com a equipa, claro, ninguém faz nada sozinho e estou muito grato a todos os músicos que trabalharam comigo. Ao Luís Coelho, ao André M. Santos, ao André Gomes, ao Alexandre Tavares, enfim, todos eles. Mas acima de tudo poder fazê-lo. Ainda mais quem vem de estar parado, paralisado dois anos e meio, praticamente sem recursos financeiros, sem nada, a fazer omeletes sem ovos como se diz. Fico muito satisfeito e estou muito contente com o resultado. São canções que gosto e que a minha preocupação foi que ficassem bem tocadas e bem cantadas. Sempre há quem cante melhor, mas estou contente com o que fiz. Foi uma prova de fogo. Está lá muita emoção e aí é que está a génese de tudo. No outro dia falava com alguém que dizia que escrevesse um livro só sobre como isto foi feito, com todo o resultado, todo o processo de fazer. Porque o processo também não foi linear, antes pelo contrário. Mas conseguiu-se. Agora vem aí outro, que é o Adriano40 - vamos ver como vai ser.
As músicas deste álbum são dedicadas a Adriano Correia de Oliveira. Qual é a dimensão da sua ligação a este artista?
Para mim é um mistério insondável. Eu sinto que estou próximo dele, eu sinto-me contemporâneo dele. Eu não o conheci, obviamente, quando ele morreu eu tinha 10/11 anos. A voz dele sempre me disse alguma coisa, sempre se me evidenciou, sempre ficou, sempre foi impregnando de... Nada contra José Afonso, por exemplo, não estou a fazer nenhum paralelismo, mas geralmente José Afonso está sempre em evidência. E não estou a fazer paralelismo de qualidade ou o que for. Mas Adriano ficou-me mais, ficou-me sempre. Porquê, não sei. Estou também agora a tentar dissecar, bisturi em punho, o que são as canções. E depois não é só isso. Eu nunca cantei As Mãos. É um tema que eu nem gostava, não gostava mesmo. Era um tema que eu ouvia e achava agressivo na forma dele cantar. Gostava do registo dele mais sweet digamos assim, mais melodioso. Depois, volta e meia, sem querer, estava numa situação em que a Associação Académica de Coimbra fez um arranjo com a orquestra inteira, e pôs Adriano a cantar com o arranjo que fizeram. Eu ouvi aquilo e soou-me totalmente diferente. E então foi um descobrir do tema, da canção e o tão atual que está, e decidi então gravá-la de imediato. Depois os outros não. Erguem-se Muros era uma paixão antiga, A Noite dos Poetas também. Nessa canção Adriano diz "Saltem depressa, comam pessoas", e aí eu senti que devia dizer "Saltai depressa, comei pessoas", o imperativo na segunda pessoa do plural, que eu acho que é mais forte. Isso já vem do Amai, que também é uma citação a amai-vos. Agora, as letras são muito atuais, A Rosinha, por exemplo, não tanto mas tem ali alguma nostalgia de um Portugal que se foi ou que se vem. A obra de Adriano é vastíssima. Isto pode parecer um disparate, mas eu sinto-me como se fosse irmão dele, como se fosse contemporâneo, como se tivesse andado na mesma universidade, lutado pelos mesmos ideais, porque eu acho que hoje em dia Adriano seria mais Adriano ainda. Porque ele é uma pessoa que ainda incomoda muito, não sei porquê mas é evidente.
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Qual é a sensação de lançar este álbum após dois anos tão complicados, ver este álbum cá fora, pronto para o mundo ouvir?
Eu nem acredito, às vezes fico mesmo parvo. Mesmo assim há alturas em que parece que fico mesmo catatónico. Porque não ouvi ainda o CD físico, não tenho leitor de CDs. Às vezes estou a ouvir um tema e tenho de parar, tenho de refletir sobre aquilo, incita-me a essa reflexão, porque depois de ter passado de estar na rua, enfim, é impressionante. E a capacidade que tive para o fazer, ter discernimento para o poder fazer, porque isto foi tão duro. Ao mesmo tempo, sem modéstia alguma nem vaidade exacerbada, fico muito contente por tê-lo feito e saber que, enfim, não suja Adriano, não me suja a mim, nem quem está. Está o que está. Não tem de ser muito nem pouco. É honesto. Vou ter a Festa do Avante, o festival Músicas do Mundo, em Sines, e mais uma ou duas coisas por aí, outros virão. Está tudo muito estranho ainda de modo que o fazê-lo é o mais importante.
sara.a.santos@dn.pt
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