Para redescobrir a aura de Rita Hayworth
Ruiva, deslumbrante, de lábios bem desenhados e silhueta perfeita. Rita Hayworth (1918-1987) não é um mito feito só de atributos físicos, mas estes ditaram uma parte substancial da sua celebridade enquanto estrela da Hollywood dos forties. Era "a mais desejada". Isso mesmo testemunham os cartazes com a sua imagem que se veem em Ladrões de Bicicletas (1948) ou Os Condenados de Shawshank (1994), símbolos de uma mitologia incontornável do cinema.
De todos os referidos atributos, apenas um não correspondia ao ADN da atriz: a farta cabeleira ruiva que definiu o seu perfil glamoroso era, na verdade, pintada. Ora a mudança de visual da jovem morena Rita deu-se logo no princípio da carreira a conselho do primeiro marido, Edward Judson, que era igualmente seu agente (empenhou-se em trabalhar o melhor possível uma aparência sedutora junto da imprensa).
E esta pequena curiosidade do foro cosmético reflete uma evidência mais profunda: se Hayworth foi uma figura "produzida" para o estrelato, não é menos certo que a sua espontânea linguagem corporal se tenha revelado um genuíno espetáculo de erotismo... O centenário do nascimento daquela que ficou conhecida como a femme fatale de Gilda e de A Dama de Xangai, assinala-se a 17 de outubro, mas é já neste início de setembro que a Cinemateca lhe presta homenagem.
As propostas do ciclo não trazem nenhum mistério, a não ser o que é representado pela própria Hayworth. Digamos que são escolhas necessárias para conhecer a quintessência da atriz. De filme a filme, vemo-la em personagens que, por um lado, contribuíram para a construção da lenda feminina, e, por outro, se fundaram nessa mesma lenda.
O título mais antigo dos cinco que compõem a lista, Paraíso Infernal (1939) - a ser exibido no dia 4 - é um excelente exemplo dos que encaixam na categoria da "construção do mito". Pois que nesta obra-prima de Howard Hawks, uma história de aviadores com Cary Grant, Hayworth é ainda uma personagem secundária, chamando pela primeira vez as atenções da crítica, nessa alvorada da carreira, depois de uma série de papéis em filmes muito longe de lhe fazerem justiça.
Também a sua presença na comédia Uma Loira Com Açúcar (1941), de Raoul Walsh (passa no dia 14) corresponde somente ao avolumar de um magnetismo. Aqui ela é a mulher açucarada para quem se voltam todos os olhares masculinos, incluindo o de um simples James Cagney, que acaba nos braços de uma mais honesta e bem-comportada Olivia de Havilland... E o que dizer de Gilda (1946)? Programado já para esta segunda-feira, o noir com assinatura de Charles Vidor que a revestiu de glória, é um caso extraordinário. Não só pela dupla agressiva e romântica que formou com Glenn Ford (ele interpretando um jogador contratado pelo proprietário de um bar; ela, na pele de Gilda, a esposa desse proprietário), mas por toda a voluptuosidade ímpar que concentrou na personagem. Inolvidável é a sua fulgurante performance da canção Put The Blame On Mame:
Nascida numa família de bailarinos (pai espanhol e mãe irlandesa), Rita Hayworth teve justamente na dança a sua maior escola. Não é por isso de estranhar que alguns dos seus melhores momentos de cinema sejam aqueles em que pôs diante da câmara os dotes de dançarina - e apetece evocar vários desses momentos, desde Nunca Serás Rico (1941), onde contracena, em passos coreografados, com Fred Astaire, até à dança fogosa de Calypso, a Feiticeira (1952). Por sua vez, o que será mostrado no dia 5 é do único filme que, neste ciclo, nos apresenta a estrela em cores vívidas: Salomé (1953), de William Dieterle.
Nesta história, muitas vezes adaptada ao cinema a partir de Oscar Wilde, Hayworth interpreta a personagem titular, que executa uma dança erótica para o padrasto Herodes (Charles Laughton), tendo como intenção evitar a morte de João Baptista - embora a consequência do feitiço seja a contrária... Confirme-se então como este épico Technicolor, de raro visionamento, nos dá uma estonteante oportunidade de apreciar a inteligência performativa da femme fatale:
Finalmente, A Dama de Xangai (1947), agendado para o dia 7, surge como um dos mais sofisticados filmes desta triagem, na amarga fronteira entre a realidade e a ficção. O noir realizado e protagonizado por Orson Welles, que aqui é um marinheiro atraído por uma mulher esfíngica (Hayworth), tem as marcas do fim do próprio casamento desse par de estrelas.
E, desta vez, o marido Welles pediu-lhe para pintar o cabelo de loiro.