Palácio do Cadaval inaugura nova exposição que cruza arte aborígene e marroquina
É justamente fora dos grandes centros urbanos de Portugal que surge uma nova exposição que dá voz a movimentos artísticos que nasceram afastados do cerne da sociedade. A partir deste sábado, dia 3, o Palácio do Cadaval, em Évora, será palco da mostra Insiders/Outsiders, que apresenta obras de artistas aborígenes australianos e representantes da Escola de Essaouira, de Marrocos, a partir da prestigiada coleção da Fundação Yannick e Ben Jakober.
"A nossa missão desde 2018 no Palácio do Cadaval tem sido de tentar descentralizar e trazer grandes exposições internacionais para o interior. Tivemos várias exposições bastante importantes nos últimos tempos e diria que esta é uma das principais, estamos cada ano a progredir", afirma Alexandra Cadaval, responsável pela programação do espaço e do restauro completo do edifício, concluído há sete anos.
Para a realização de Insiders/Outsiders, Alexandra convidou o curador espanhol Enrique Juncosa, antigo diretor do Irish Museum of Modern Art e com uma longa trajetória em museus e bienais na Europa e além. Seu contacto com a arte aborígene australiana, um dos focos da exposição, remonta ao início dos anos 2000, quando organizou uma exposição em parceria com o Museu Reina Sofía, de Madrid, e o Museu de Arte Contemporânea de Sidney. Para Juncosa, trazer este tipo de arte para os museus é também propor uma leitura sobre o que significa ser "de fora" no mundo das artes e da cultura.
“Visitei uma reserva que era do tamanho de Portugal, onde viviam cerca de cinco mil pessoas. Era pura natureza, com uma escola em cada comunidade, e um dos professores teve a ideia de pedir às crianças que desenhassem com base nas tradições dos seus antepassados”, relembra Juncosa. “Esses desenhos já eram feitos há milhares de anos — no corpo, no chão, na casca das árvores e nas cavernas. Cada comunidade tem um desenho sagrado, que é mantido em segredo e compartilhado apenas dentro daquele grupo.”
Segundo Juncosa, a espiritualidade dos povos aborígenes está enraizada no território. “A terra é o que há de mais sagrado. As pessoas são parte dela, assim como os animais e as plantas. Eles acreditam numa época mítica chamada Dreamtime, ou Tempo do Sonho - muitos dos quadros têm a palavra ‘sonho’ e remetem a tradições sobre como seres gigantes criaram rios, montanhas e animais com seus movimentos.”
Essas histórias, explica o curador, são transmitidas por meio de canções e aparecem também nos títulos das obras expostas. “Vemos nomes como Sugar Bug Dreaming, que faz referência a uma abelha australiana sem ferrão, ou temas ligados a batatas do deserto e plantas nativas”, conta o espanhol. Ele destaca a tradição técnica das obras, muitas vezes baseadas num impressionante pontilhismo feito com tinta acrílica.
Além da forte relação com a natureza, a diversidade linguística também marca essa produção. “Existem cerca de 900 línguas aborígenes. Muitas vezes, os antropólogos achavam que estavam diante de histórias diferentes, mas depois perceberam que era a mesma narrativa, apenas com nomes distintos”, comenta. Entre os mitos mais recorrentes está o da Serpente Arco-Íris, figura sagrada que aparece representada com frequência na pintura contemporânea aborígene.
Juncosa conta que Ben Jakober iniciou sua coleção de arte aborígene nos anos 1980, quando viveu na Austrália. Entusiasta da história da arte, o colecionador pesquisou a origem dos povos nativos, cuja presença remonta a mais de 80 mil anos. “São mais antigos que os egípcios”, diz ele, lembrando que os aborígenes não tiveram contacto com outros povos até o século XVIII.
Este encontro, diga-se, pode ser visto nos nomes dos próprios artistas - a maioria já falecida - que tem trabalhos expostos na mostra em Évora. Clifford Possum Tjapaltjarri, George Hairbrush Tjungurrayi, Jimmy Yanyatjari Doengan e Sally Gabori são alguns dos nomes que assinam as obras agora expostas no Palácio do Cadaval.
Ao fascínio de Jakober pelo povo aborígene juntou-se a coleção do austríaco de peças marroquinas dos tempos no qual esteve em Marraquexe, onde até hoje em dia divide o seu tempo junto com Palma de Maiorca, mesma cidade de Juncosa. Entusiasta da arte marroquina e da mescla entre culturas, Jakober queria uma exposição que juntasse peças importantes de artistas do Norte de África, mais especificamente de Essaouira, mistura que pode ser vista a partir deste sábado no Cadaval.
A exposição está divida em dois andares, com sete salas no primeiro piso com obras de artistas de ambos os países, revezadas. No segundo piso, sete obras assinadas pelo marroquino Azzedine Sanana coloram as paredes do espaço, enquanto, no centro da sala, bastões de madeira policromada dos arborígenes Muluymuluy Wirrpanda, Njulwurr Yunupinju e Yamalkany Marawii dialogam com as outras pinturas e a vista para a cidade de Évora.
Os bilhetes para esta exposição no Palácio do Cadaval, que ficará patente até ao mês de outubro, custam des euros (entrada normal) e oito euros (com desconto). A inauguração neste sábado está marcada para às 17h e tem entrada gratuita. Os colecionadores Yannick e Ben Jakober estarão presentes na vernissage da Insiders/Outsiders.
nuno.tibirica@dn.pt