Óscares com mulheres na dianteira
Haverá surpresas na atribuição do Óscar de melhor filme? Margem não há muita, mas noutras categorias o jogo está em aberto.
A cerimónia dos Óscares deste ano não deverá causar o arrebatamento que se sentiu no ano passado quando Jane Fonda abriu o envelope e, com um sorriso sereno, disse: "Parasitas". No cenário mais provável, podemos fazer uma máscara facial e relaxar enquanto se ouve o anúncio da vitória de Nomadland, o filme de coração grande que nesta temporada de prémios, com Globos de Ouro e BAFTA acumulados depois do Leão de Ouro em Veneza, acabou por funcionar como reduto emocional para uma América ferida.
Assinado pela sino-americana Chloé Zhao, e retratando paisagens longínquas do glamour de Hollywood, este será um prémio que reitera o gesto de mudança na visão da Academia, mas sem o brilho do premiado anterior. Desde logo, porque figura como o "candidato ideal" em toda a linha, numa edição empenhada em contrariar as críticas dirigidas aos Óscares em anos antecedentes.
Dito isto, Chloé Zhao prepara-se para ser também a segunda mulher a vencer o Óscar de melhor realizadora (só Kathryn Bigelow tinha alcançado a proeza), mas a primeira de ascendência asiática, anulando uma das poucas hipóteses de galardoar David Fincher, realizador de Mank, o filme com mais nomeações (10) mas destinado, se tanto, a ficar-se pelo reconhecimento numa ou outra categoria técnica.
O caso dos atores é menos óbvio, a começar pela ausência gritante de Delroy Lindo, uma das grandes interpretações deste ano, em Da 5 Bloods, de Spike Lee, filme igualmente ignorado pela Academia. Não restam muitas dúvidas de que Chadwick Boseman continuará a ser o favorito, a título póstumo, pelo papel de um trompetista impetuoso em Ma Rainey: A Mãe dos Blues, só com o veterano Anthony Hopkins como contrapeso, na pele do patriarca acometido pela demência em The Father (Hopkins venceu o BAFTA). Mas onde as apostas estão, de facto, em aberto é em relação às atrizes, com destaques para Carey Mulligan, em Uma Miúda com Potencial, bem posicionada pela carga #MeToo da sua personagem vingadora, Frances McDormand, pronta para cimentar o status de Nomadland, e Viola Davis na sua encarnação de Ma Rainey.
Nos atores secundários, Daniel Kaluuya (Judas and the Black Messiah) está bem encaminhado, embora Sacha Baron Cohen (Os 7 de Chicago) também merecesse reconhecimento fora do registo da comédia. Quanto à categoria feminina, é mais do que justo que saia premiada a avó coreana pouco convencional de Minari, Yuh-Jung Youn, um dos alicerces deste belíssimo filme de Lee Isaac Chung.
O que já não é tão certo é que Aaron Sorkin - vencedor do Globo de Ouro de melhor argumento - consiga confirmar-se um dos melhores argumentistas de Hollywood, uma vez que Emerald Fennell e o seu argumento original de Uma Miúda com Potencial ganhou terreno com os BAFTA. No argumento adaptado devia vingar o golpe de Borat, o Filme Seguinte, mas o jogo de expectativas faz-se entre Nomadland e The Father.
Numa edição fortemente marcada pela presença das plataformas de streaming (em particular a Netflix), consequência da pandemia, a maioria dos espectadores só conhecerá os títulos aí estreados. Nomadland, que marcou a reabertura das salas, é a exceção.
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