Pensemos em O Local do Crime (1986), talvez o mais belo dos filmes em que André Téchiné já dirigiu Catherine Deneuve. Ou em Os Juncos Silvestres (1994), uma teia de paixões com a guerra da Argélia em pano de fundo. Ou ainda Les Témoins (2007), inédito no mercado português, centrado num grupo de personagens assombrado pela eclosão da sida. Como podemos definir a linha geral do cinema de Téchiné? Pois bem, em todos os seus trabalhos deparamos com o radicalismo da pulsão amorosa e, mais do que isso, a singular, por vezes sublime, estranheza das relações humanas. A sua mais recente realização, Os Novos Vizinhos (2024), aí está como um belíssimo prolongamento de uma obra fulcral na história do cinema francês (e europeu!) das últimas seis décadas. Uma breve sinopse pode ajudar-nos a compreender aquela estranheza. Isabelle Huppert tem mais uma das suas admiráveis composições minimalistas como Lucie Muller, oficial da secção de investigação científica da polícia de Perpignan, figura solitária cujo marido, também polícia, se suicidou. Vai conhecendo Yann (Nahuel Pérez Biscayart), Julia (Hafsia Herzi) e a sua filha Rose (Romane Meunier), os seus “novos vizinhos” (Les Gens d'à côté é o título original), com eles estabelecendo uma relação quotidiana de múltiplas cumplicidades... Até que descobre que Yann é um ativista político cujas formas de protesto contra a polícia lhe valeram uma condenação e o cumprimento de uma pena de prisão domiciliária... Téchiné encena tudo isso com a fluência de uma reportagem — a sua câmara mantém uma relação próxima, delicada e sensual, com os rostos e os corpos dos atores —, ao mesmo tempo que observa os detalhes das vidas comuns (e em comum) como sinais de uma complexidade que não se esgota, nem de longe nem de perto, no estatuto dramático (ou no simbolismo social) que cada personagem parece representar. O envolvimento de Lucie com Yann e a sua célula familiar vai mesmo desencadear um processo de interrogação dos limites existenciais de cada ser humano, até porque, de forma subtil e ambígua, Téchiné se mantém fiel a uma lógica realista de observação da banalidade do quotidiano. De Téchiné costuma dizer-se, e com fundamento, que é um dos herdeiros diretos de François Truffaut — a sua primeira longa-metragem, Paulina s’en va surgiu em 1969, o ano em que Truffaut assinou A Sereia do Mississipi (com Catherine Deneuve!). Seja como for, importa não esquecer que tal genealogia nos remete para a herança intemporal de Jean Renoir (1894-1979) e para a sua disponibilidade moral para resistir a qualquer razão universal, nunca menosprezando as razões de cada uma das suas personagens. .A redenção cinematográfica de Bruce Springsteen