A Academia quis ser séria, quis dar-se ao respeito. Mas também quis ser politicamente correta e ter a tal camada de inclusão que não rima com justeza. Quando se pensava que não iríamos encontrar surpresas, elas aconteceram, mesmo que de forma moderada. O furacão Oppenheimer, de Christopher Nolan, atropelou tudo e todos com 13 nomeações e pode ter ficado mais favorito ainda, mesmo com o fenómeno francês Anatomia de uma Queda, de Justine Triet, bem lançado e com o maravilhoso Pobres Criaturas, de Yorgos Lanthimos, pertíssimo com 11 nomeações. Já se terá percebido que a verdadeira contenda será entre a menina Frankenstein de Lanthimos e o Prometeu americano de Nolan..Dia 10 de março (transmissão na RTP, a cargo de Mário Augusto) há uma série de títulos que vão felizes para a cerimónia. Até Assassinos da Lua das Flores não se pode queixar, mesmo com a desfeita a Leonardo DiCaprio - está nomeado aos prémios principais e conseguiu o feito de Lily Gladstone, a sua protagonista, ser a primeira mulher indígena a ser nomeada (e é bom lembrar que está, nesta altura, à frente de Emma Stone como favorita). E as cinco nomeações a um filme tão exploratório e OVNI como A Zona de Interesse, de Jonathan Glazer, mostra uma abertura grande ao cinema do mundo: mesmo vindo do Reino Unido é uma obra que é inteiramente falada em alemão..Todavia, o filme que é realmente o vencedor destas nomeações é o thriller de tribunal francês Anatomia de uma Queda, de Justine Triet (o DN falou com ela anteontem e em breve a entrevista será aqui publicada), Palma de Ouro de Cannes e vencedor da Academia de cinema europeia. Depois de O Artista, de Michel Azanavicius, é o filme francês com maior aceitação de sempre na indústria americana, mesmo não sendo o escolhido oficial de França (só por isso perdeu a hipótese de ser nomeado na categoria de filme internacional) num processo polémico que meteu ameaças ao comité que preferiu escolher o igualmente belo O Sabor da Vida, de Tran Anh Hung, com Juliette Binoche, (acabou por não chegar à nomeação). Anatomia de Uma Queda tem ainda no elenco com um papel bem relevante Milo Machado Graner, adolescente de 15 anos que também chegou recentemente à fala com o DN. .Porém, a sensação portuguesa é Joaquim dos Santos, realizador nascido em Lisboa que co-realizou a animação Homem-Aranha Através do Aranhaverso, seguramente o mais feroz rival de O Rapaz e a Garça, de Miyazaki. Ainda assim, se essa animação revolucionária vencer, Santos não subirá ao palco, mas sim os produtores.Algo surpreendentemente, Nyad, de Elizabeth Chai Vaserhelyi e Jimmy Chin, conseguiu ver as suas atrizes nomeadas: mais uma vez Annette Bening (mesmo assim, não será desta a primeira estatueta), atriz principal, e Jodie Foster, como secundária. .Cooper só como ator.Nas ausências há que registar o flagrante delito de Bradley Cooper ter ficado de fora de melhor realização com Maestro, o seu “biopic” de Leonard Bernstein. Um sinal que a Academia não ficou deslumbrada com esta imersão literal na música do compositor e maestro e que pode também retirar algumas chances quando competir com Cillian Murphy nos atores. Uma ausência tão flagrante como Margot Robbie, a Barbie de Barbie ou Pedro Almodóvar e o seu Estranha Forma de Vida nas curtas-metragens.Muitos também se interrogam como foi possível Leonardo DiCaprio em Assassinos da Lua das Flores, de Martin Scorsese, ter ficado de fora. Será que são os votantes a castigar o seu estilo de vida romântica (o ator é normalmente associado a breves romances com raparigas sub-25...)? Ou ficou de fora porque a negritude e estupidez da sua personagem foram tudo menos empáticas? Provavelmente será melhor pensar que a sua ausência se deve a um desejo de realçar atores de outra etnia – Jeffrey Wright no excelente American Fiction, de Cord Jefferson, é um exagero estar nomeado tal como o próprio Colman Domingo no nada estimulante Rustin, de George C. Wolfe..E como não há espaço para todos, ainda nas interpretações, faz pena Willem Dafoe ficar de fora dos secundários: o seu cientista louco e cansado de Pobres Criaturas era uma fonte humana num filme de “bonecos”. Em Espanha, apesar de se festejarem as nomeações de A Sociedade da Neve, de J.A. Bayona, há quem chore a não inclusão de Penélope Cruz em Ferrari, de Michael Mann. A espanhola estava em muitas listas de melhores secundárias..A justa ausência de A Cor Púrpura.Mas mesmo quando já esperava, não deixa de ser sintomática a ausência de um dos filmes que mais se fez a esta temporada dos Óscares: A Cor Púrpura, de Blitz Bazawule (em fevereirochega aos nossos ecrãs), uma produção de Oprah Winfrey e Steven Spielberg que não é um remake do filme deste último mas sim uma adaptação ao musical da Broadway. Ou seja, punição para um formato: filme encomenda de uma indústria que ainda não distingue o genuíno do fabricado.Fica igualmente mal à Academia ignorar um dos filmes seminais do novo cinema britânico, All of Us Strangers, de Andrew Haigh. Chega a ser uma afronta ignorar-se Andrew Scott na categoria de melhor ator. Preconceito queer?De Portugal havia a hipótese de uma curta-metragem de imagem real, o mais do que simpáticoUm Caroço de Abacate, de Ary Zara. Não chegou lá e não é de estranhar: não estava nunca nas previsões de uma imprensa americana que quis sobretudo filmes falados em inglês. Seja como for, é já uma vitória para este cineasta novato ter chegado à shortlist. No futuro, está já no horizonte uma colaboração com Elliot Page, que acabou por se envolver como produtor nesta fase.