Olhem bem para as rugas de Nicole Kidman
Ficamos na cara, no rosto de Nicole Kidman. As suas rugas, as suas olheiras, o seu ar de estafa. É assim que a cineasta Karyn Kusama quer perturbar o espectador. Grande plano deliberado na maquilhagem que torna Nicole numa agente da polícia envelhecida e com segredos do passado. Uma maquilhagem que cheira a número transformista e que quer apagar qualquer marca de beleza da atriz. A palavra "número" acaba por dizer muito deste thriller que viaja do presente para o passado para relatar a odisseia desta mulher-polícia que se disfarçou de criminosa para desmantelar uma rede de assaltantes de banco e acabou por ficar algo presa ao disfarce.
Quando estreou no Festival de Toronto o ano passado, as críticas não foram entusiasmantes mas todos repararam no trabalho (ou na transformação) de Kidman. Falou-se em engodo para o Óscar e a coisa até funcionou: a atriz esteve em muitas nomeações na temporada dos prémios mas acabou por morrer na praia - a nomeada ao Óscar foi antes a atriz mexicana de Roma, Yalitza Aparício. E o que é curioso é que a mecânica do filme parece só interessar em servir os dotes de Nicole, mesmo quando o que é mais interessante passe pelos flashbacks quando a vemos ainda jovem a entrar em missão.
Filme intermitente, sem suspense, Destroyer é um daqueles casos do cinema americano independente a querer fazer cinema de estúdio de outras épocas. Não só é incapaz disso como tem um dos guiões mais problemáticos dos últimos tempos, atafulhando confusão narrativa ao espectador, que desde cedo fica aflito (no pior sentido) para seguir o fio à meada. Tudo o que Karyn Kusama tinha conseguido evitar nesse belíssimo Girlfight, de 2000, ensaio sobre agressividade feminina que nunca cá teve direito às salas. Desta vez, o ensaio sobre dureza feminina é confundido com discurso de panfleto de género.
No final de contas, Kusama não é tosca a filmar mas torna frustrante a experiência de todo aquele aparato de "close ups" e malabarismos temporais. Como filme de golpe é no limite série B pouco entusiasmante, como reflexão sobre a erosão do tempo é apenas mediano. Saímos da sala a pensar que Karyn Kusama não faz thrillers como Kathrin Bigelow e isso é muito ingrato...
** (duas estrelas)