Oito filmes para entrar nos museus de portas fechadas
Nem só da saga À Noite no Museu vive o imaginário dos museus no cinema. Do Manhattan de Woody Allen, com o diálogo sui generis entre ele e Diane Keaton no Hayden Planetarium, à imagem de Kim Novak sentada numa galeria em frente de um retrato feminino que se assemelha a ela, em A Mulher Que Viveu Duas Vezes, de Hitchcock, passando pela mítica corrida dos protagonistas de Bando à Parte, de Jean-Luc Godard, pelos corredores do Louvre (homenageada por Bertolucci em Os Sonhadores), há uma diversidade de cenas de museus dignas de antologia. Isto sem esquecer a comédia O Rei dos Gazeteiros, na qual três jovens se baldam às aulas e visitam, entre outros lugares, o Art Institute de Chicago, e uma menos citada do melodrama A Hora da Saudade, de Minnelli, em que Judy Garland se descalça e senta descontraidamente na base que suporta uma escultura egípcia no Metropolitan Museum of Art.
Além de cenas isoladas, há filmes que colocam os museus no coração da história, de uma maneira ou de outra. Em jeito de visita pouco convencional, sugerimos uma galeria de oito títulos.
de John McTiernan, 1999
Ainda com a memória fresca do roubo de um quadro de Van Gogh em exposição no museu Singer Laren - algo que aconteceu sorrateiramente no mês passado, quando as instalações já estavam encerradas devido ao novo coronavírus -, evocar O Caso Thomas Crown de McTiernan tem a sua ironia... Este é dos melhores exemplos de cinema à volta de museus. Pierce Brosnan, já então com o ADN de James Bond, veste aqui a pele do elegante Thomas Crown, um multimilionário mecenas e genuíno apreciador de arte que procura entretenimento de alto gabarito através do roubo de um quadro de Monet. A mulher que num estalar de dedos lhe vai apanhar o rasto é Rene Russo, fabulosa no jogo de sedução que tenta controlar dentro de um enredo de "cópia" e "original", com pozinhos de Hitchcock. Trata-se de uma outra versão de O Grande Mestre do Crime (1968), esse com Steve McQueen e Faye Dunaway, desta feita dando protagonismo ao Metropolitan Museum of Art de Nova Iorque, onde decorrem as duas sequências mais espantosas do filme. Correção: McTiernan não foi autorizado a filmar dentro do museu, por isso os interiores correspondem a réplicas construídas no espaço da Biblioteca Pública de Nova Iorque.
de Milorad Krstic, 2018
Um filme de animação para adultos com níveis concentrados de arte. Eis a proposta excêntrica do realizador e artista visual Milorad Krstic, um esloveno radicado na Hungria. O Ruben Brandt do título é um psiquiatra à frente de um instituto de terapia pela arte que, a certa altura, se depara com um fenómeno estranho a acontecer dentro da sua própria mente: uma vaga de pesadelos constantes em que é atacado, de diversas maneiras, por obras-primas de grandes nomes da pintura, como Velázquez, Manet, Botticelli ou Hopper. A terapia pessoal passará então pelo roubo dessas obras aos respetivos museus (Hermitage, Louvre, MoMa, Tate...), com a ajuda de quatro dos seus pacientes, entre eles uma lânguida cleptomaníaca com jeito para acrobacias complicadas. O resultado é um verdadeiro delírio para os olhos, que põe de pernas para o ar a solenidade museológica. Krstic cita abundantemente - inclusive cinema - e cria um elaboradíssimo exercício noir em que a realidade animada se apresenta numa linguagem visual cubista com laivos de surrealismo.
de William Wyler, 1966
Mais um filme de assalto apostado no glamour dos seus protagonistas. Audrey Hepburn e Peter O"Toole são a dupla romântica desta comédia de William Wyler que envereda pelos caminhos do negócio da arte. Nicole (Hepburn) é filha de um falsificador parisiense que se faz passar por colecionador (Hugh Griffith), ganhando a vida em leilões e exposições. Quando uma das suas peças falsificadas - uma escultura de Vénus atribuída a Cellini - se torna o chamariz de uma exposição num museu da cidade, estando prestes a ser submetida a testes de autenticidade, a única solução que ela encontra para evitar que o pai seja apanhado é roubar a falsa relíquia. Aqui entra O"Toole ao barulho, qual ladrão de improviso, que conduz a cena do assalto com divertida mestria, desde logo fechando-se numa despensa apertada com Audrey... O interior do museu onde tudo acontece é apenas uma recriação de estúdio, mas a fachada exterior é do Musée Carnavalet.
de Frederick Wiseman, 2014
Na vertente documental, um dos títulos mais fortes de "visita" a um museu é este National Gallery, do maior cineasta contemporâneo do documentário, Frederick Wiseman. Na sua acumulada sabedoria de observação de instituições, o realizador norte-americano aponta a câmara à vida do museu londrino, situado em Trafalgar Square, onde galeristas, guias, curadores, intelectuais, gestores de marketing e restauradores cruzam o discurso quotidiano (sobre restauro, conservação ou coerência expositiva) com o discurso da arte propriamente dita. Técnicas, pensamento, luz e sombra, e mesmo histórias sobre os colecionadores, estão no centro desta demorada visita que se detém em particular sobre o poder das imagens criadas por Turner, Watteau, Ticiano, Leonardo da Vinci, Vermeer, entre outros, com uma atenção singularmente pedagógica.
de Aleksandr Sokurov, 2002
É um filme emblemático, não só por percorrer os imensos corredores, galerias e escadarias do museu Hermitage, situado em São Petersburgo, mas porque o faz num único plano-sequência, sem cortes, ao longo de hora e meia. A façanha técnica e cinematográfica é do cineasta russo Aleksandr Sokurov, que entra neste imponente museu estatal (um vasto complexo que contém o famoso Palácio de Inverno do tempo dos czares) para conceber uma extraordinária e peculiar lição de história. Em A Arca Russa reflete-se sobre o passado, o presente e o futuro através das artes plásticas, da escultura, literatura, música e teatro, por entre os diferentes espaços que a câmara de Sokurov "invade" numa impressionante coreografia histórica. Em 2015, o realizador assinou Francofonia, que, numa abordagem distinta, reflete sobre a arte e a Europa a partir do museu do Louvre.
de François Ozon, 2016
Esta versão de François Ozon de um drama antes levado ao cinema por Ernst Lubitsch - O Homem Que Eu Matei (1932) - é dos seus filmes mais surpreendentes, desde logo porque agarra uma narrativa de época e aplica-lhe um romantismo, de certa maneira, pictórico e sensorial. Trata-se da história de um jovem ex-soldado francês (Pierre Niney) que se dirige à Alemanha para prestar homenagem a outro soldado morto em combate, Frantz, acabando por estabelecer com a viúva deste (Paula Beer) uma ligação especial. Não é um filme centrado num museu, mas assombrado por um quadro de Manet, Le Suicidé, que se torna também "personagem" neste conto sobre o luto e, por outro lado, sobre o desejo de morte. O museu do Louvre é aqui o palco das cenas em que se contempla essa pintura, um elemento, por si só, com valor narrativo e dramático.
de Todd Haynes, 2017
Adaptado do livro homónimo de Brian Selznick, autor e ilustrador conhecido por A Invenção de Hugo Cabret (que Martin Scorsese levou ao grande ecrã), esta é uma história contada como um jogo de espelhos: nos anos 1970, um menino parte do Minnesota para Nova Iorque, depois de ficar órfão de mãe, em busca do pai que nunca conheceu; nos anos 1920, segue-se a jornada semelhante de uma menina muda que foge da casa do pai, em New Jersey, em direção a Nova Iorque à procura da mãe, atriz. As duas épocas - uma a preto e branco, outra a cores - e os percursos das crianças vão alternando e unem-se por um segredo que transcende o tempo. Um mistério que vai encontrar expressão no admirável museu de História Natural de Nova Iorque, visitado por ambos. Wonderstruck: O Museu das Maravilhas é a incursão de Todd Haynes no registo juvenil e dickensiano.
de Nick Park, 1993
Não é um título provável mas é bastante válido para o tema. The Wrong Trousers foi a segunda curta-metragem de Nick Park com a sua célebre dupla Wallace e Gromit. Nesta trama, um pinguim vilão usa o inventor Wallace, vestido com umas calças automáticas (produzidas pela NASA), para roubar um diamante em exposição no museu da cidade... Uma situação hilariante que se torna genial, na prática, porque tudo isto vive da magia da animação stop-motion criada pelos estúdios Aardman, em que o bom gosto artesanal se combina com a inteligência narrativa e um refinado humor inglês. Este pequeno filme venceu um Óscar e, só por curiosidade, o museu reproduzido na miniatura é mesmo o da cidade de Wigan, à qual o realizador associa as personagens que criou.